CIDH concede medidas cautelares à vereadora travesti negra Benny Briolly Rosa da Silva Santos

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Brasil, 15 de julho de 2022 – A partir de uma solicitação das organizações Criola, Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), Instituto Marielle Franco, Justiça Global e Terra de Direitos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), decidiu conceder medidas cautelares à vereadora […]

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Brasil, 15 de julho de 2022 – A partir de uma solicitação das organizações Criola, Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), Instituto Marielle Franco, Justiça Global e Terra de Direitos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), decidiu conceder medidas cautelares à vereadora travesti negra e defensora de direitos humanos, Benny Briolly Rosa da Silva Santos e a três integrantes de sua equipe de assessoria. Diante da documentação apresentada pelas organizações copeticionárias, a Comissão determinou que a vereadora e seus assessores se encontram em uma situação grave e urgente, de risco de dano irreparável a seus direitos no Brasil.

Por meio da Resolução 34/2022, a CIDH solicitou ao Estado brasileiro que adote as medidas necessárias para proteger os direitos à vida e integridade pessoal de Benny Briolly e de três integrantes de sua equipe de trabalho, levando em consideração as perspectivas étnico-raciais e de gênero. Além disso, também solicitou que o Estado do Brasil acorde com as partes beneficiárias e seus representantes, quais medidas serão adotadas e que informe sobre a adoção de tais medidas no prazo de 15 dias, e também, que essas informações sejam atualizadas periodicamente.

 

Fatos alegados

Expressando especial preocupação diante da escalada da violência política no país [1] em um contexto de proximidade do período eleitoral [2], a documentação apresentada pelas organizações copeticionárias à CIDH, relata que a beneficiária tem sido vítima de uma série de ameaças constantes à sua vida, à sua integridade pessoal e à liberdade de expressão, como resultado de seu trabalho enquanto vereadora e defensora de direitos humanos, desde sua raça e de sua identidade de gênero.

As ameaças à Benny Briolly, que vêm tanto de autoridades quanto de pessoas anônimas por meio de redes sociais, começaram em 2018 e retornam com total força em dezembro de 2020, quando a beneficiária recebeu um e-mail que a chamava de “macaco favelado fedorento” (sic) e apresentava uma ameaça de morte a tiro, caso ela não renunciasse ao seu mandato de vereadora do município de Niterói. O e-mail chocava, também, por conter o endereço no qual residia à época.

Diante da inércia do Estado, a vereadora chegou ao extremo de se afastar do Brasil durante quase todo o mês de maio de 2021. Depois disso, as ameaças se intensificaram em dezembro do mesmo ano. A partir daí, foram 19 ameaças recebidas, com ofensas profundamente racistas e transfóbicas e de conteúdo chocante, com ameaça de estupro, oferecimento de recompensa para o seu assassinato e descrição detalhada de como o crime deveria ocorrer: atirando, degolando, queimando o corpo e arrancando a arcada dentária, para que ficasse irreconhecível.

Além disso, Benny Briolly também é alvo constante de diversas hostilizações que partem de outros parlamentares, seja da Câmara Municipal de Niterói, seja da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, sendo que nesta última casa legislativa, foi chamada de “aberração da natureza” [3].

“Me sinto feliz. Ela [a resolução da CIDH] traz, para mim, um ressignificado de me sentir mais segura e mais acolhida para a continuidade da minha atuação enquanto militante de direitos humanos, enquanto primeira travesti eleita no estado do Rio de Janeiro e quanto ao meu exercício parlamentar. Todas essas ameaças que hoje pesam sobre o meu corpo me trazem uma série de inseguranças e muitas ausências no que se refere à garantia da possibilidade de o meu corpo continuar atuando, militando e permanecer viva na sociedade brasileira. Espero continuar viva, continuar atuando de forma plena e combativa no que se refere ao avanço desse processo democrático que historicamente se está construindo no Brasil. Em tempos tão difíceis, de tantas mazelas, é uma felicidade saber que agora estou sendo amparada numa instância tão significativa para nós, defensoras e defensores de direitos humanos, que acreditamos que, um dia, a sociedade vai ser justa e igualitária através da nossa luta.”, expressou Benny Briolly.

 

Interseccionalidade, discriminação e violência contra mulheres trans e travestis negras

A resolução da CIDH que concede medidas cautelares à Benny Briolly é um marco para a proteção dos direitos das pessoas trans no sistema interamericano, por serem as primeiras medidas cautelares concedidas para uma travesti na história da Comissão Interamericana. A CIDH reconheceu que a identidade travesti está incluída nas feminilidades transgênero, destacando que, na América Latina e especificamente em países como o Brasil, a identidade travesti tem sido reivindicada dentro da comunidade trans não somente em termos identitários, mas, também, em termos políticos. Por esse entendimento, os parâmetros e entendimentos do sistema interamericano que protegem as pessoas trans e, em geral, as pessoas LGBTI+, devem ser utilizados para a proteção das travestis [4].

Ao analisar os elementos de gravidade, urgência e irreparabilidade, a CIDH alude ao contexto de vulnerabilidade e violência contra pessoas LGBTI+ nas Américas, avaliando que este é reforçado pela disseminação de discursos de ódio, inclusive através de comunicações virtuais [5]. A CIDH também utilizou a interseccionalidade entre gênero, raça e etnia para reconhecer que as mulheres negras são mais propensas a serem vítimas de violência, o que demonstra que a violência contra mulheres no Brasil é um problema estrutural e generalizado e reforça a existência de uma significativa divisão racial no país [6].

Nesse sentido, a Comissão destacou o quanto pessoas trans sofrem um ciclo de violência, discriminação e criminalização, reforçando, de um lado, o quanto pessoas negras são particularmente vulneráveis à discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero; e, de outro, que mulheres trans e travestis defensoras de direitos humanos estão entre as pessoas mais vulneráveis à violência, com um efeito multiplicador que vai além da vítima [7].

De fato, a CIDH relembrou que, em seu recente Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil de 2021, reconheceu-se que o Brasil é hostil às atividades de pessoas defensoras de direitos humanos e se observou um agravamento nos dados sobre violência, que afetaria de maneira particular pessoas trans e defensoras de direitos humanos, vítimas frequentes de violências perpetradas tanto por particulares, quanto por agentes estatais [8].

A CIDH expressou a sua preocupação com o conteúdo das ameaças de morte e mensagens hostis [9], reconhecendo o seu teor racista e transfóbico e que tais ameaças estão estreitamente conectadas tanto ao seu trabalho enquanto vereadora, quanto à sua atuação como defensora de direitos humanos [10], bem como por se identificar como uma travesti negra [11].

Assim, a CIDH verificou que, apesar da inclusão da beneficiária no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), as medidas de proteção adotadas pelas autoridades brasileiras não foram suficientes nem eficazes para a sua proteção, além de ter entendido que, até o momento, não foi realizada uma análise sobre os riscos que corre Benny Briolly que levasse em conta a perspectiva de gênero e raça, considerando que essa avaliação seria importante para a compreensão do Estado brasileiro a respeito das vulnerabilidades às quais a beneficiária poderia estar exposta [12].

As organizações Criola, IDPN, Instituto Marielle Franco, Justiça Global, Raça e Igualdade e Terra de Direitos instam o Estado brasileiro a adotar as medidas cautelares outorgadas pela CIDH em favor de Benny Briolly e seus três assessores, e a permitir que a vereadora possa realizar o seu trabalho de vereadora e de defensora dos direitos humanos em segurança e sem ser alvo de ameaças, bem como que tenha a sua raça e a sua identidade de gênero respeitadas, de acordo com as obrigações internacionais de direitos humanos do Estado brasileiro.

 

 

[1] Grupo de Investigação Eleitoral (GIEL). Observatório da violência política e eleitoral no Brasil. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), p. 4. Disponível em: giel.uniriotec.br/files/Boletim%20Trimestral%20nº%209%20-%20Janeiro-Fevereiro-Março%202022.pdf

[2] As eleições ocorrerão em outubro de 2022.

[3] Revista Forum. VÍDEO: Deputado bolsonarista chama vereadora trans de “belzebu” e “aberração” no RJ. 18 de maio de 2022. Disponível em: https://revistaforum.com.br/politica/2022/5/18/video-deputado-bolsonarista-chama-vereadora-trans-de-belzebu-aberrao-no-rj-117561.html

[4] CIDH. Resolução 34/2022. Medidas Cautelares No. 408-22. Benny Briolly Rosa da Silva Santos e integrantes de sua equipe de trabalho em relação ao Brasil, 11 de julho de 2022, par. 40.

[5] Idem, par. 41.

[6] Idem.

[7] Idem.

[8] Idem, par. 42.

[9] Idem, par. 46.

[10] Idem, par. 44.

[11] Idem, par. 45.

[12] Idem, par. 49.

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