Dia da Consciência Negra: Raça e Igualdade Homenageia Mulheres Negras Protagonistas na Luta pelos Direitos Humanos no Brasil

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O dia 20 de novembro marca do Dia Nacional da Consciência Negra no Brasil. O Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), celebra esse dia resgatando o papel histórico da mulher negra na luta pela equidade racial e na promoção dos direitos humanos. Instituída oficialmente pela lei federal 12.519 de 2011, […]

Dia da ConsciênciaNegra

O dia 20 de novembro marca do Dia Nacional da Consciência Negra no Brasil. O Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), celebra esse dia resgatando o papel histórico da mulher negra na luta pela equidade racial e na promoção dos direitos humanos. Instituída oficialmente pela lei federal 12.519 de 2011, a data é celebrada em memória a Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, localizado entre os estados de Pernambuco e Alagoas.

Símbolo de luta e resistência à escravidão dos africanos em terras brasileiras, Zumbi era um guerreiro reconhecido por sua astúcia e conhecimentos de estratégia militar, já demarcando a capacidade de agência e associativismo dos povos negros. Morto em 1965, sua relevância histórica conferiu-lhe a homenagem na referida data para refletirmos sobre a importância da cultura afro-brasileira e, por conseguinte, da valorização da população negra do país.

Conhecido por ser o maior quilombo da história do Brasil, Palmares também contou com o protagonismo de uma mulher, Dandara dos Palmares, que lutou e comandou muitas batalhas contra os ataques ao quilombo. Esposa de Zumbi e mãe de três filhos, a libertação negra era a sua causa, mas devido ao machismo e aos padrões de gênero e feminilidade impostos socialmente, seu papel de líder esteve relacionado como coadjuvante nas narrativas históricas. Assim como Dandara, o protagonismo de mulheres negras faz parte do processo de (re)existências em meio ao apagamento da contribuição destas para a formação da nossa sociedade.

Pensar consciência negra é afirmar a diferença num mundo heterossexual-patriarcalista-branco como valor. Afirmar-se como diferença no mundo é questionar as relações de poder, e para isso, é fundamental sair da margem, ocupar espaços de representatividade, mostrar que o povo negro tem voz e que sim, sua voz importa. Assim, a voz afrodiaspórica vem se movimentando para falar dessa memória coletiva, uma memória que sabe que o 13 de maio de 1888 [1] não acabou com a escravidão e sim com a ideologia escravista e, por isso, o dia 20 de novembro constitui-se como reafirmação das origens, pertencimento e orgulho a negritude.

No que se refere às mulheres negras e suas representações, o fato é que estas mulheres quando têm acesso a universidade, suas ideias e escrevivências (termo alcunhado pela escritora negra, Conceição Evaristo), não se resumem a área acadêmica. As mulheres negras movem-se por vários espaços e classes sociais e, além de amparar seus amigos e familiares (com medo de perdê-los para o sistema carcerário e para a morte), levam seus aprendizados para empoderar outras mulheres e conscientizá-las da luta.

Mulheres Negras e Direitos Humanos

Muito fala-se sobre o papel ativista da mulher negra na sua inserção pela plena cidadania e na denúncia das constantes violações dos direitos humanos da população negra. No entanto, esse papel é mais uma vez invisibilizado ao relegarem sua luta política como mero ativismo e pela escassa presença nas organizações de direitos humanos internacionais. No Brasil, mulheres negras sempre marcaram posição para um debate racial coletivo e inclusivo nas pautas de suas organizações trazendo a negritude como uma ferramenta de consciência política de enfrentamento da condição de subalternidade.

Há 12 anos trabalhando na área de direitos humanos, Ana Almeida, atua na área de relatoria afrodescendente e mulheres da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), sendo responsável pelo monitoramento do Brasil. Ana pontua a importância das organizações da sociedade civil brasileira em pautarem a questão racial no contexto internacional.

“É importante falar que as organizações brasileiras têm tido algum avanço nesse sentido e, principalmente, as organizações internacionais são pautadas pelas agendas que as organizações da sociedade civil nacionais trazem. Então se certas pautas não são empurradas, explicadas e debatidas a partir da perspectiva nacional, dificilmente elas vão ter essa relevância que merecem no debate internacional. As organizações de direitos humanos estão mais atentas, mas ainda falta um longo caminho para se chegar ao nível de debate que esse tema merece”.

Além disso, Ana Almeida destaca o papel que o Brasil possui regionalmente, sendo uma referência em questões raciais no hemisfério americano. No entanto, ela aponta que muitos obstáculos culturais e históricos também se apresentam como desafio. Apesar de se questionarem muito sua efetividade há lei como ações afirmativas e legislações antirracistas que destacam o Brasil, e nesse sentido, Ana reconhece a relevância do movimento negro brasileiro na discussão e protagonismo das pautas, especialmente no mês da Consciência Negra. “A gente ainda está engatinhando no sentido de fazer que esse mês esteja presente no consciente coletivo e se torne uma prática diária”, afirma.

Alessandra Ramos, mulher trans negra, Presidenta do Instituto Transformar Shelida Ayana, atua há mais de 20 anos na área de direitos humanos e enxerga com preocupação as perspectivas de direitos neste momento no país. “Existem forças colocadas em lugares estratégicos tentando desmontar direitos que já foram conseguidos e impedir que áreas tradicionais de defesas de direitos sejam inutilizadas e parem de funcionar. Nesse mês da consciência negra, a gente espera que a sociedade se una em uníssono, com suas vozes em vários lugares para poder denunciar a situação que estamos vivendo no Brasil. Uma situação de abusos de direitos feitos por quem deveria estar protegendo a gente”, desabafa.

Na luta pelos seus direitos, Alessandra destaca as diversas opressões que as mulheres trans encontram em sua trajetória de vida, especialmente na dificuldade de formação de vínculos afetivos, o que ela considera fundamental para a formação do ser humano, desde a expansão dos direitos ao acesso ao ensino formal e aos meios econômicos. Assim, ela enfatiza que a transfobia estrutural e o preconceito dificultam o acesso ao mercado de trabalho. Em sua história, Alessandra salienta que já passou por muita dificuldade em encontrar um trabalho formal, sendo perseguida por chefes e entraves em entrevistas de emprego. Hoje, com uma carreira consolidada no setor público, avalia que foi só depois de concluir o ensino superior que conseguiu mais espaço no mercado forma de trabalho.

“A discriminação no mercado de trabalho, a procura por corpos brancos, a procura por pessoas heteronormativas é algo opressor, e isso ainda encontra sua reflexão no mercado de trabalho. Então, a maioria das mulheres trans negras tem dificuldade justamente porque não se encaixam nesse perfil e muitas vezes elas não têm acesso à educação formal e/ou formação superior. Assim, elas não vão encontrar empregos que estejam afeitos para elas porque o mercado de trabalho discrimina muito e as pessoas com formação básica tem muitas dificuldades de poder de negociação. Como é que uma mulher trans entra num emprego para ser faxineira e vai reclamar por mais direitos? Vai querer que se respeite seu nome social, que se respeite uma série de direitos? Não é só entrar no mercado de trabalho, se manter no mercado de trabalho é muito difícil para uma pessoa trans”.

Desse modo, Ana Almeida e Alessandra Ramos, representam mulheres-chave que nos auxiliam na compreensão do quadro da situação de direitos humanos das mulheres negras no Brasil. A luta contra a injustiça, impunidade e violência que atravessam os corpos negros e pobres faz parte das suas políticas diárias. Trazer o olhar de quem está no dia a dia das organizações nacionais e internacionais é trazer uma perspectiva plural da atuação das mulheres negras. É dizer para todas que sim, sua trajetória na luta pela questão racial pode ser ouvida e contemplada. Entre Anas e Alessandras, reverenciamos mulheres negras que estão na luta histórica da promoção dos direitos humanos no Brasil, como Jurema Werneck, Sueli Carneiro e, as que marcaram história, como Marielle Franco e Lélia Gonzalez.

Assim, quando questionadas sobre a mensagem que gostariam de deixar pelo dia da Consciência Negra, ambas enfatizaram o conhecimento como uma mola propulsora de uma nova consciência. “É o momento de se despertar, de aprender mais sobre as nossas origens, de divulgar e repassar conhecimento a respeito das nossas tradições. Aprender mais sobre o que é o enfrentamento antirracista, aprender mais sobre o transfeminismo negro. Vamos avançar por sistemas educacionais mais inclusivo que transformem a educação de maneira mais holística e também sobre respeito a pessoas de identidades políticas diferentes. Felicidade também é um direito, nós precisamos ser felizes e para ser felizes precisamos construir um mundo onde a desigualdade não seja algo pensado”, pondera Alessandra.

Ana Almeida reflete sobre o impacto do ano de 2020 ruma a uma nova conscientização racial. Para Ana, 2020 foi um ano de muitas perdas e de muita dor, marcado por assassinatos com cunhos raciais e que, somente após a ascensão de movimentos como Vidas Negras Importam, muitas pessoas decidissem estudar e se informar a causa racial no Brasil e também fora do país.

“Um ponto positivo é que as pessoas estão mais interessadas, mas a vida real não pode esperar tanto. As mortes negras continuam acontecendo, a discriminação e as disparidades sociais. No meio da pandemia as disparidades ficaram muito mais evidentes com os números de pessoas negras que têm sido vítimas fatais da COVID19. Então, a minha mensagem é que as pessoas procurem entender que a consciência negra é urgente, porque não se pode esperar mais cinco séculos para que entendam que a consciência negra deve permear nossas ações durante todo o ano, durante toda a vida, não só em novembro”, reflete.

Desse modo, nós, de Raça e Igualdade, nesse 20 de novembro, fazemos um convite a pensarmos a história do Brasil a partir de seus povos afro-brasileiros que ergueram esse país e tiveram seus ancestrais escravizados e dos seus povos originários/colonizados. Logo, como instituição de direitos humanos, reconhecemos a luta histórica do povo negro e afirmamos a importância do Dia da Consciência Negra na luta por um mundo antirracista. Assim, fazemos ao Estado Brasileiro as seguintes recomendações:

1 – Que a Presidência da República empreenda os esforços necessários para a ratificação da Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância e da Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância.

2 – Que o Congresso Nacional, assembleias legislativas e as câmaras municipais criem estatutos para a proteção dos direitos das pessoas LGBTI, assim como já existe o Estatuto da Igualdade Racial. Esse estatuto deve levar em conta as experiências e urgências das pessoas LGBTI negras, com medidas específicas para a promoção da igualdade para essa população.

3 – Que o Estado brasileiro reconheça publicamente o trabalho dos defensores dos direitos humanos, aplicando leis e políticas que os resguardem sob a efetiva participação do país na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

[1] https://www.geledes.org.br/por-que-os-negros-nao-comemoram-o-13-de-maio-dia-da-abolicao-da-escravatura/

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