SANKOFA “VOLTAR AO PASSADO PARA RESSIGNIFICAR O PRESENTE”: REALIDADE DAS MULHERES NEGRAS, TRANS E TRAVESTIS NO BRASIL

Brasil, 20 de agosto de 2019.  Com a presença de mulheres negras, trans, travestis e defensoras públicas do Brasil, realizou-­‐se, nos dias 15 e 16 de agosto, o Fórum SANKOFA, um espaço de intercâmbio e diálogo em luta e defesa da justiça racial e de gênero. “Sankofa”, palavra africana que simboliza um pássaro de duas […]

Brasil, 20 de agosto de 2019.  Com a presença de mulheres negras, trans, travestis e defensoras públicas do Brasil, realizou-­‐se, nos dias 15 e 16 de agosto, o Fórum SANKOFA, um espaço de intercâmbio e diálogo em luta e defesa da justiça racial e de gênero. “Sankofa”, palavra africana que simboliza um pássaro de duas cabeças, é o nome do Fórum, que, entre outras coisas, significa “Voltar ao passado para ressignificar o presente”.

O espaço, organizado pelo Instituto Transformar, ANTRA, CEJIL, Criola, Núcleo de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Forum Justiça, Fórum Estadual de Mulheres Negras, Defensoria Pública e Race and Equality, também contou, a convite desta última organização, com a participação especial da Comissária Margarette May Macaulay, Relatora de direitos das Mulheres e dos Direitos dos Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, CIDH.

Para Bruna Benevides, secretária de articulação política da ANTRA: “O Fórum SANKOFA, é um espaço de (des)construção que foi realizado na sede Defensoria Pública com o apoio e articulação de Race and Equality, que possibilitou a movimentação e inclusão de vários agentes e instituições, mas principalmente a participação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos na pessoa da Comissária Margarete May Macaulay. Sua presença nos permitiu não nos sentirmos desamparadas e construir coletivamente uma narrativa que atravesse fronteiras e barreiras territoriais e leve ao debate a importância da inserção internacional e a luta de pessoas que sempre resistiram”.

O fórum foi nutrido pelas vozes e histórias de ativistas, acadêmicas, defensoras de direitos humanos, comunidades quilombolas, travestis, prostitutas e pessoas trans de várias favelas do Brasíl, que expuseram em voz alta a situação atual de seus direitos humanos diante da onda de violência que o país vive especialmente para esses grupos historicamente discriminados e marginalizados.

“Dar acesso à justiça deve significar dar dignidade a vidas”

Durante os dias da reunião, os/as participantes discutiram as possibilidades que existem para o pleno exercício e garantia de seus direitos, destacando que um estado de racismo, discriminação e extrema violência continua em vigor, em que a política de “branqueamento” socialmente aceita minimiza a vida dos negros e naturaliza um estado de privilégios para os brancos no país. com isso, a comunidade LGBTI negra é impossibilitada de participar de espaços de poder. De acordo com Fátima Lima, “brancos e cisgêneros precisam dar espaço para negros e pessoas trans ocuparem os espaços de poder”.

“O estado de exceção sempre existiu no Brasil, porque sempre foi legítimo matar corpos negros, corpos trans”, diz Fátima Lima, professora de estudos étnico-­‐raciais.

Durante o Fórum, Bruna Benavides entregou oficialmente à Comissária Macaulay o mais recente relatório sobre assassinatos e violência contra a população trans e travesti no Brasil -­‐ documento que evidencia um número preocupante de assassinatos dessa população, invisível pela mídia nacional, que continua a colocar o país no primeiro lugar onde mais assassinatos de pessoas trans são cometidos anualmente em todo o mundo.

Sobre o relatório, Mariah Rafaela, integrante do Instituto Transformar e do Conexão G, afirma: “Existe um sistema que permite a morte de pessoas trans e negras. A noção de justiça deve surgir da experiência de pessoas que não têm dignidade mínima para viver. Dar acesso à justiça deve significar dar dignidade a vidas”.

Por sua vez, Alessandra Ramos, do Instituto Transformar, ressaltou a necessidade de avançar na ressignificação do que implica ser uma mulher negra e trans, a partir das experiências e representações das pessoas que habitam esses corpos, superando a caracterização das pessoas brancas, justamente por efeitos diferenciados por raça e identidade que historicamente atravessam essas mulheres no país. Da mesma forma, Alessandra alertou que, não em vão, estima-­‐se que 38% das mulheres trans e travestis no Brasil vivem com o HIV e que o maior percentual está ocorrendo entre essa população do país.

“Por favor, trabalhem conosco!” Margarette Macaulay, CIDH.

Da mesma forma, no âmbito do Fórum, Race and Equality facilitou reuniões privadas entre ativistas e a Comissária Margarette May Macaulay, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, CIDH. Acompanhada do diretor-­‐executivo de Race and Equality, Carlos Quesada, e do consultor LGBTI para Race and Equality no Brasil, a Comissária pode em primeira mão vários casos de violência que ativistas de direitos humanos enfrentam hoje nos lugares mais marginalizados do país.

Entre os depoimentos dos participantes, temas como mutilação em crianças intersex, a situação do HIV entre jovens no Brasil, o aumento do assassinato de mulheres lésbicas, as dificuldades das pessoas LGBTI no acesso à saúde, educação, trabalho decente e espaços de participação. Esses temas foram abordadso constantemente.

“Eu não sou apenas negra: sou travesti, sou pobre, moro na favela. Meu ativismo começou desde que nasci, porque de lá eu luto para sobreviver” (Gilmara Cunha, presidenta do Conexão G).

A Comissária Macaulay fez referência à dívida histórica que o Estado brasileiro tem com os afrodescendentes vítimas da escravidão, situação que ainda persiste na estrutura social do país, devido às hierarquias sociorraciais que impedem o acesso e pleno   gozo   dos   direitos   de   comunidades   afro-­‐brasileiras.   Da   mesma   forma,   a Comissária da CIDH indicou a responsabilidade e obrigações que o Estado tem como garantidor das pessoas independentemente da condição.

Por outro lado, Macaulay destacou a importância de organizações da sociedade civil oferecerem informações detalhadas à Comissão sobre casos de violência que permitam explicar a situação de violação sofrida pela comunidade Afro e LGBTI no país. Por isso, enfatizou sobre a importância de trabalhar juntos para superar a grave crise dos direitos que o Brasil enfrenta.

Da mesma forma, Carlos Quesada, diretor-­‐executivo de Race an Equality, reiterou nos espaços de encontro o compromisso que representa, para o Instituto, o acompanhamento na documentação de violações de direitos humanos e fortalecimento técnico das organizações para ter incidência nos espaços internacionais.

O fórum SANKOFA, como espaço criado para provocar o diálogo entre a Defensoria Pública Brasileira e as lideranças negras, trans e travestis de movimentos e organizações sociais, é proposto como cenário para fortalecer instituições estatais comprometidas com a agenda do movimento social do país; também como forma de ampliar as oportunidades de capacitação e articulação de lideranças em nível nacional; e, finalmente, como um recurso que forneça informações suficientes aos ativistas sobre mecanismos para a proteção do direito internacional.

Declaração: Race and Equality está comprometida com o acompanhamento de organizações sociais no Brasil, para documentação, denúncia e visibilidade perante o Sistema Interamericano e Universal de violações de direitos humanos, especialmente de povos afro-­‐brasileiros e pessoas com diversas expressões sexuais e identidades de gênero, ainda vítimas de discriminação, marginalização e violência por causa de estruturas sociais que impedem o pleno gozo de seus direitos.

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