XXIII Encontro Nacional da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA): “Enfrentando os preconceitos e estigmas do HIV com a prevenção combinada”

Por Isaac Porto – Consultor LGBTI para Race and Equality no Brasil 5 de novembro de 2019. Na semana passada, durante os dias 28 a 31 de outubro, ocorreu o 23º encontro nacional da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), uma rede de organizações trans do Brasil que trabalha na promoção de direitos das […]

Por Isaac Porto – Consultor LGBTI para Race and Equality no Brasil

5 de novembro de 2019. Na semana passada, durante os dias 28 a 31 de outubro, ocorreu o 23º encontro nacional da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), uma rede de organizações trans do Brasil que trabalha na promoção de direitos das pessoas trans. O encontro teve como tema “Enfrentando os preconceitos e estigmas do HIV com a prevenção combinada” e contou com a participação de cerca de 60 ativistas trans, representando todos 21 estados do Brasil.

O encontro ocorreu na cidade de Tapes, a 108km de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. A opção de realizar o encontro nacional no interior do país foi devido à grande invisibilização das violações de direitos humanos que ocorrem longe dos grandes centros urbanos, onde ocorrem todos os grandes eventos. De fato, durante o encontro, muitas ativistas do interior reportaram as suas precárias condições para denunciar violações de direitos humanos e para dar visibilidade aos assassinatos que ocorrem sem que haja nenhuma notícia na mídia.

Para Pitty Barbosa, da cidade de Iguaíba, localizada no interior do Rio Grande do Sul, afiliada da ANTRA:

“Em todo o Brasil, as cidades do interior estão muito abandonadas por todos os gestores e pastas da política LGBTI. Devemos ter um olhar mais reto, mais incisivo a essa população, que está tão desprovida de direitos. Por isso, precisamos fazer mais ações no interior”.

Por falta de recursos, o encontro não acontecia há dois anos. Além disso, diferentemente de outras anos, em que foi possível realizar encontros regionais prévios aos nacional, não houve recursos nem estrutura para a realização dos encontros regionais, o que impossibilitou um aprofundamento prévio dos debates.

Epidemia de HIV no Brasil

 O Brasil vive nesse momento uma nova epidemia de HIV. Segundo os dados mais recentes do boletim epidemiológico lançado anualmente pelo Ministério de Saúde, entre os anos de 2007 e 2017, o número de jovens infectados pelo HIV saltou de 1.320 para 10.618, um crescimento de cerca de 700%1.

Contudo, o avanço alarmante do aumento de casos de infecções de HIV, de adoecimento  de  AIDS  e  de  óbitos  motivados  pelas  doenças  oportunistas  não  tematingido a todas as camadas da população de maneira homogênea. A AIDS no Brasil tem classe, raça, gênero e sexualidade.

Ao, por exemplo, analisar os dados referentes às categorias raça/cor e sexo nos últimos 10 anos quanto aos óbitos decorrentes da AIDS, são observadas grandes discrepâncias. Enquanto, nos últimos 10 anos, homens e mulheres brancos tiveram uma grande redução no número de óbitos, que passaram de 5461 em 2007 para 4352 em 2017, o mesmo não aconteceu para a população negra: em 2007, foram registradas 5111 mortes de homens e mulheres negras, enquanto em 2017 o número subiu para 66992.

Uma movimentação parecida é observada se analisarmos as infecções quanto à sexualidade. Se, em 2007, os homens heterossexuais representavam 46,7% (1230) dos expostos ao HIV no Brasil, em 2017 eles representavam 34,1% (9027). Os homens que fazem sexo com homens, por sua vez, passaram de 45% (1569) a 63,3% (16633) no mesmo intervalo, passando a se configurar enquanto uma grande maioria e evidenciando que houve uma falha na prevenção3.

Representantes do Ministério da Saúde que estiveram presentes no encontro da ANTRA mencionaram uma pesquisa encomendada recentemente pelo Ministério que estimou que cerca de 40% da população de travestis e mulheres transexuais no Brasil vivem hoje com o HIV. Contudo, em todo o boletim epidemiológico, não há nenhuma menção a pessoas trans.

Essa inviabilização revela o quanto a cisheteronormatividade está posicionada como o parâmetro universal das instituições brasileiras, que não estão comprometidas com a vida das pessoas trans no país.

Isso ocorre porque as travestis e mulheres transexuais são, em regra, alocadas na categoria “homens que fazem sexo com homens”, a não ser, em tese, nos casos em que elas tenham conseguido fazer a retificação de seu nome e sexo no registro civil.

De todo modo, o encontro da ANTRA foi uma oportunidade para que as diversas ativistas que estavam presentes pudessem, de um lado, obter mais informações sobre os mecanismos de prevenção combinada ao HIV, perguntando que estratégias fazem mais sentido para a realidade das travestis e transexuais, que não têm o mesmo nível de informação e o mais acesso aos aparelhos do Estado que homens cis gays brancos que vivem nos centros urbanos.

Também foram compartilhadas diversas dificuldades que essa população enfrenta no dia-a-dia do sistema de saúde: pessoas que tiveram a sua sorologia exposta para as suas comunidades, médicos que faltavam as suas consultas no dia em que se verificaria a sua carga viral, postos de saúde que não tinham o medicamento antirretroviral no dia em que se deveria pegar os remédios, dentre tantas outras coisas que têm impacto sobre a disponibilidade de travestis e mulheres transexuais no Brasil para conseguir ter acesso ao tratamento de HIV.

Num momento em que o conservadorismo fundamentalista que tem crescido no Brasil tem tentado frear campanhas de prevenção ao HIV para não “sexualizar” jovens, as organizações que estiveram presentes no encontro da ANTRA foram unânimes sobre a necessidade de apoio para políticas de prevenção que consigam chegar diretamente à população que mais precisa. As vidas das pessoas trans não podem ser deixadas de lado.

Race and Equality permanece em seu compromisso de apoio às organizações que trabalham no combate ao racismo, ao machismo e à LGBTIfobia no país, também quando esses eixos de dominação se expressam em uma dimensão institucional. Parabenizamos à Associação Nacional de Travestis e Transexuais pelo evento e convocamos o Estado Brasileiro a promover específicas voltadas para o enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS num momento em que a população negra, LGBT e em especial trans tem sido tão atingida por essa epidemia.

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