Dia Internacional da Memória Trans: uma data para lembrar e reafirmar a luta pela igualdade e pela não discriminação

Washington DC, 20 de novembro de 2020.- No dia 20 de novembro, Dia Internacional da Memória Trans, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) faz um chamado para refletirmos sobre todas as pessoas trans assassinadas em todo o mundo, principalmente na América Latina e no Caribe, região onde, segundo registros de […]

Washington DC, 20 de novembro de 2020.- No dia 20 de novembro, Dia Internacional da Memória Trans, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) faz um chamado para refletirmos sobre todas as pessoas trans assassinadas em todo o mundo, principalmente na América Latina e no Caribe, região onde, segundo registros de organizações da sociedade civil, se concentra a maioria dos assassinatos. Para isso, conversamos com seis ativistas trans de diferentes países que, a partir de seus espaços e realidades, buscam manter viva a memória dos que já não estão mais entre nós e reivindicam seu direito à igualdade e à não discriminação.

Um caso, uma realidade

Brandy Carolina, tinha 32 anos, quando foi morta por várias facadas – uma delas no pescoço – por um homem desconhecido no bairro La Chinita de Barranquilla, na Colômbia. Era extrovertida e sonhava em comprar uma casa para sua mãe mas, em junho do ano passado, perdeu sua vida por ser uma mulher trans. Seu assassinato foi denunciado por organizações que defendem os direitos de pessoas com diversas orientações sexuais e identidade de gênero.

“Ela não expressou medo, estava muito segura de si e o fato é que não se sente a morte, mas ela chega de repente e nos lugares menos esperados”, diz Andra Hernández, representante da Rede LGBTI de Boyacá e integrante da Femidiversas, ao se referir ao assassinato de Brandy Carolina. Ao mesmo tempo, Hernández relata que naquele mesmo bairro de Barranquilla, uma lésbica e uma mulher trans foram assassinadas em 26 de março e 16 de abril deste ano, respectivamente. “Não esperávamos que uma pessoa tão próxima caísse nas mãos de uma sociedade tão indolente que não respeita a diversidade e as diferenças, nunca estamos preparados para uma morte, menos para uma morte por ser trans”, insiste.

Todos os anos, na véspera do Dia Internacional da Memória Trans, a organização internacional Trans Respect vs Trans Phobia publica um relatório sobre o assassinato de pessoas trans e de gênero diversos em todo o mundo. O relatório correspondente a este ano, revela que entre 1 de outubro de 2019 e 30 de setembro de 2020 ocorreram 350 assassinatos, dos quais 82% aconteceram na América Latina, onde Brasil (152), México (45) e Colômbia (16) estão no topo da lista de países com mais casos.

Morrer duas vezes

Santiago Balvin, um ativista trans masculino não binário do Peru, afirma que é preciso homenagear todas as pessoas trans que foram mortas porque, mesmo depois de suas mortes, elas são discriminadas e tornadas invisíveis. “Resta um sentimento de frustração porque nada pode ser feito, as famílias não reconhecem seus nomes e a mídia não as citam pelo nome de sua identidade, é muito doloroso que a morte de uma irmã seja tratada assim e que continue acontecendo com tanta impunidade”, compartilha.

Nesta data, Balvin lembra do Massacre de Tarapoto, também conhecido como Noite das Gardênias, por se tratar de um massacre coletivo ocorrido em 31 de maio de 1989 e classificado como o maior crime de ódio contra pessoas trans da história do país. Ao mesmo tempo, indica que este ano, as organizações da sociedade civil do Peru contabilizaram cinco pessoas trans assassinadas até o momento.

Victoria Obando, ativista de direitos humanos na Nicarágua e ex-presa política, concorda com a importância de se comemorar o Dia Internacional da Memória Trans, pois para ela é um dia para se lembrar da luta que grande parte dos assassinados travou para defender e promover os direitos da comunidade trans. “Vivemos em uma sociedade que não nos reconhece como parte dela, sinto que o que vive a população trans, principalmente as mulheres trans, é uma tragédia porque não entendem que também somos seres humanos”, afirma.

Na Nicarágua não existem dados sobre violência e assassinatos contra pessoas trans, o que Obando tenta entender a partir da crise sócio-política que atravessa o país. No entanto, ele garante que mesmo em meio às discussões para o reestabelecimento da democracia no país, se colocam as questões das pessoas trans de lado. “Há quem considere que existem categorias para acomodar os temas e o trans sempre aparece como secundário, eles querem nos encaixotar. Como ativista tem sido difícil para ter aceitação, pois subestimam as diferentes capacidades pelo fato de terem uma identidade de gênero diversa”, afirma.

Excluição e impunidade

Para Athiany Larios Fonseca, mulher trans da Nicarágua exilada na Costa Rica, ainda é doloroso lembrar um dos primeiros casos que ela conheceu sobre violência por discriminação contra uma pessoa trans. “Minha amiga e seu parceiro foram apedrejados no caminho de casa e ela me perguntou ‘Por que as pessoas se incomodam tanto?’, e comecei a chorar porque nos agrediram e até nos mataram por causa daquele ódio, por não ser homem ou mulher segundo os padrões biológico-genitais ”, diz.

Christian King, da organização TRANSSA na República Dominicana, afirma que o Dia Internacional da Memória Trans “representa o reconhecimento e a reivindicação de todas as mulheres trans que perderam suas vidas, vítimas de discriminação, transfobia e preconceito em decorrência da falta de vontade política e de políticas públicas que garantam os direitos dessa base populacional e penalizem a discriminação ”.

Neste país, o Observatório dos Direitos Humanos das Pessoas Trans registrou 49 crimes de ódio cometidos contra mulheres trans, dos quais apenas cinco foram processados ​​e condenados. Além disso, em conjunto com a TRANSSA, exigem a aprovação do Projeto de Lei Geral sobre Igualdade e Não Discriminação, o cumprimento do Plano Nacional de Direitos Humanos e a Lei de Identidade de Gênero.

Uma dívida do Estado

Para Bruna Benevides, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), do Brasil, entre os fatores que intensificam a violência contra as pessoas trans, destacam-se o processo histórico de invisibilidade dessa população e a falta de acesso aos direitos básicos, além de toda omissão do Estado em atender às suas necessidades. “Além disso, vemos uma onda global neoliberal crescente que traz o fascismo, esse espantalho da ideologia de gênero e, sobretudo, a ideia de que as pessoas trans, mulheres e negros, devem continuar em um lugar de subordinação”, acrescenta.

A ativista destaca ainda a influência que a pandemia COVID-19 teve no agravamento da violência contra as pessoas trans, pois junto com a crise sanitária aumentou a desigualdade, o desemprego, a fome e a invisibilidade em que se encontra essa população. De fato, o relatório Trans Respect vs Trans Phobia atesta o impacto desproporcional que a pandemia teve sobre as pessoas trans, especialmente os mais excluídos, como mulheres negras e racializadas, profissionais do sexo, migrantes, jovens e aqueles que vivem em condição de pobreza.

“Lamentavelmente, a falta de ações, mas também a falta de atenção à nossa comunidade e um processo total de invisibilidade no trato com nossa população nos deixa sem ajuda do Estado. Como resultado, somos mais suscetíveis e vulneráveis ​​à violência. Talvez isso faça parte desse plano que escolhe corpos que são matáveis, descartáveis, que não fazem parte da estrutura hegemônica e que, portanto, podem ser facilmente exterminados. Não é à toa, somos o país que mais mata pessoas trans no mundo e, este ano, mais uma vez estamos no topo desse triste ranking ”, diz Benevides.

No que se refere ao Dia Internacional da Trans Memória, Raça e Igualdade, lembra aos Estados sua obrigação de respeitar e garantir os direitos de todas as pessoas, sem qualquer tipo de discriminação, e no que diz respeito à situação de violência e homicídios contra pessoas trans, fazemos as seguintes recomendações:

– Adotar leis e políticas necessárias para garantir o reconhecimento, respeito e inclusão de pessoas com orientação sexual e identidade de gênero diversas

– Estabelecer mecanismos especiais de resposta a atos de violência e homicídios contra pessoas LGBI e trans, que levem ao esclarecimento dos fatos e à punição dos responsáveis, bem como ao estabelecimento de garantias de não repetição

– Promover através do quadro institucional e canais oficiais uma campanha de educação e sensibilização da população sobre a orientação sexual e identidade de género, com vista a gerar um contexto de reconhecimento e respeito pela integridade e vida das pessoas LGBTI.

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