Lançamento do dossiê “Qual é a cor do Invisível?” convoca o Estado brasileiro a produção de dados e ao reconhecimento da agenda racial da população LGBTI

Brasil PT

“Raça e Igualdade quer contribuir para dar espaço as vozes que denunciam as violações da população LGBTI negra ao Estado brasileiro”. E assim, Carlos Quesada, Diretor Executivo do Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos, iniciou o lançamento do dossiê “Qual é a cor do Invisível? A situação de direitos humanos da população LGBTI […]

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“Raça e Igualdade quer contribuir para dar espaço as vozes que denunciam as violações da população LGBTI negra ao Estado brasileiro”. E assim, Carlos Quesada, Diretor Executivo do Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos, iniciou o lançamento do dossiê “Qual é a cor do Invisível? A situação de direitos humanos da população LGBTI negra brasileira”. Com isso, Raça e Igualdade reafirmou seu compromisso com a população LGBTI negra do Brasil. Escrito por Isaac Porto, Oficial do Programa LGBTI de Raça e Igualdade no Brasil, e coordenado por Zuleika Rivera, Coordenadora LGBTI de Raça e Igualdade, o dossiê faz um chamado ao Estado brasileiro para a produção de dados públicos sobre a situação da comunidade LGBTI negra no país e ao reconhecimento da agenda racial a partir de uma perspectiva interseccional.

Painel 1: Violência e Acesso à Justiça para a População LGBTI negra

Relembrando a importância do Mês da Consciência Negra no Brasil, Carlos Quesada mediou o debate destacando o papel do dossiê em visibilizar as existências LGBTI negras, muitas vezes ausentes nas agendas políticas do Estado. Abrindo o painel, o autor Isaac Porto, compartilhou como a trajetória de escrita do dossiê conectou-se com a sua história de vida e, como a sua, muitas outras histórias estavam marcadas pelo racismo e pela LGBTIfobia, opressões que de forma simultânea tornam essas existências invisíveis.

Desse modo, Isaac pontuou que o objetivo do dossiê é “incentivar a racialização das discussões sobre as vidas LGBTI no país e, assim, verificar quais os impactos específicos do racismo sobre as vidas desse grupo”.

“É preciso dizer, desde já, que o dossiê não se trata de um documento finalizado, porque não há qualquer pretensão de apresentar argumentos e conclusões que formem uma espécie de sentença que declare qual é a situação de direitos humanos vivida por essa população e, dessa maneira, apontando que caminhos seguir, encerre as discussões. Pelo contrário: não acreditamos que, na luta por direitos humanos, seja possível chegar a um ponto de chegada. Lutar por direitos é estar sempre em ponto de partida. É nunca deixar de caminhar”.

Bruna Benevides, Secretaria de Articulação Política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), ressaltou o mérito do documento ao trazer a discussão interseccional como um movimento de enfrentamento dentro do próprio movimento LGBTI. “Por isso, o dossiê é simbólico e representativo, porque ele demonstra a importância e a urgência de nos organizarmos coletivamente”, afirmou destacando a importância da construção de uma agenda política coletiva.

A ativista trans, Gilmara Cunha, denunciou a invisibilidade desta população diante do Estado, principalmente quando se trata de pessoas LGBTI negras moradoras de favelas. “O dossiê dá visibilidade ao que é invisível no país e os nossos gestores, além de nos negar a nível nacional, também nos nega a nível territorial. Estamos pleiteando a existência que nos é negada o tempo todo”, desabafa. Para Washington Dias, Coordenador da Rede Afro-LGBT, o fruto da violência que a população LGBTI negra brasileira está submetida está vinculada à característica histórica que é o racismo estrutural e a própria ausência de dados é fruto desse racismo.

Livia Casseres, Coordenadora de Equidade Racial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro frisou a grande lacuna na produção de dados no país e reconheceu que o atraso no plano normativo que dê conta da ausência de direitos que modulam o racismo. “O dossiê mostra como estamos avançando na forma de produzir cidadania no Brasil ao lado de organizações LGBTI que é uma forma de enfrentar a colonialidade do sistema jurídico”, comemorou. Encerrando o primeiro painel, a poeta MC Carol Dall Farra apresentou uma intervenção artística e através da sua arte poesia trouxe luz e visibilidade as múltiplas experiências da negritude brasileira.

Painel 2: Direitos Sociais da População Negra

Zuleika Rivera, mediadora do painel, ressaltou a importância de se discutirem as discriminações que as pessoas LGBTI negras enfrentam no acesso à saúde, educação e ao trabalho, destacando as dificuldades das pessoas transexuais. Como exemplo, citou o projeto Escola Sem Partido, que propõe o impedimento da discussão sobre racismo, machismo e LGBTIfobia no âmbito educacional e que avança em um momento de governo conservador. Por isso, para Zuleika, o dossiê concretiza-se como um marco muito importante na luta dos direitos LGBTI.

Apresentando a segunda parte do documento, Isaac Porto destacou como o mito da democracia racial, que vem sendo denunciado pelo movimento negro brasileiro há décadas, marcou a ideologia do branqueamento, segundo a qual os valores brancos são únicos e universais, forjando a construção da sociedade brasileira como um todo. Com isso, Isaac reiterou a urgência de se racializarem as reflexões sobre direitos humanos da população LGBTI, ressaltando que as diferenças entre as experiências das pessoas LGBTI brancas e negras, se tornam mais gritantes quando se comparam as experiências entre as pessoas cis e trans.

“É nítido que pessoas LGBTI negras são as mais afetadas em termos de assassinatos no Brasil e os alvos preferenciais da violência policial, assim como enfrentam mais dificuldades no acesso à justiça, à saúde, à educação e ao trabalho. Desse modo, é essencial o fortalecimento das organizações e ativistas brasileiras para que tenham as condições necessárias a visibilizar a situação de direitos humanos da população LGBTI no Brasil, bem como a forma com que têm resistido às mais diversas e perversas violações”, comentou Isaac.

Leonardo Peçanha, homem trans negro, ativista do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat) e do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (FONATRANS), enfatizou as questões sobre acesso à saúde de pessoas negras LGBTI. Leonardo frisou que há muitos homens trans que estão engravidando e os tratamentos ginecológicos são reforçados de forma machista e, entre as especificidades de homens trans negros, está o mito de que as pessoas negras suportam mais a dor, sendo essa uma das consequências do racismo.

Para Janaína Oliveira, Coordenadora Administrativa da Rede Afro-LGBT, ser negro no Brasil significa que até a morte da população negra precisa ser debatida constantemente, pois nesse país o povo negro tem que lutar primeiro pela vida para depois lutar pelos seus direitos. “Trazer esse dossiê é não só provocar visibilidade internacional, mas também provocar a população brasileira para essa nossa invisibilidade. É um documento que traz a nossa falta de acesso e o tratamento do Estado aos nossos corpos. O dossiê permite pensar políticas públicas que gerem condições igualitárias de acesso para a população LGBTI negra brasileira”, comentou.

Alessandra Ramos, Presidenta do Instituto Transformar Shelida Ayana, denunciou que o acesse à saúde não é garantido de forma igualitária a pessoas trans, que muitas vezes são tratadas com risos e impedimentos quando recorrem a tratamentos de saúde. Por isso, é necessário reconhecer os direitos específicos da população trans. “É importante que saibamos que as pessoas trans são as mais afetadas quando falamos da interseccionalidade de gênero e raça. Essas pessoas não possuem gozo pleno de seus direitos. Nesse sentido o dossiê é um marco”, explicou.

Finalizando o debate, o Especialista Independente em Identidade de Gênero e Orientação Sexual (IESOGI) da ONU, Victor Madrigal-Borloz, celebrou a realização do dossiê e seu papel fortalecedor na construção de políticas públicas de acesso à saúde, ao trabalho e à justiça. Para Madrigal-Borloz, “o dossiê apresenta as diversas identidades dentro do movimento LGBTI e a necessidade do reconhecimento dessas agendas perpassa pela racialização da discussão. Assim, o dossiê traz a conexão entre as identidades sociais e a importância de ocupar espaços políticos”. Assim, o IESOGI afirmou seu compromisso com a perspectiva racial em seu mandato.

Em vista de todo processo de pesquisa e do debate gerado entre diversas organizações LGBTI da sociedade civil que participaram da construção do dossiê, Raça e Igualdade conclui o documento apresentando recomendações ao Estado brasileiro, às organizações internacionais de direitos humanos, à sociedade civil e aos órgãos judiciários, das quais destacamos:

1 – A ratificação da Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância e da Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância.

2 – Que se estabeleça um plano de metas para o combate à violência LGBTIfóbica no Brasil, por meio de uma atuação intersetorial que estabeleça diretrizes unificadas para o combate à LGBTIfobia e o racismo.

3 – Que o Ministério Público do Trabalho realize campanhas específicas contra a discriminação à população LGBTI negra, a fim de garantir critérios justos de seleção, promoção, salários e condições de trabalho.

4 – Que se dê todo o suporte necessário às organizações da sociedade civil que se empenham na produção de dados sobre assassinatos de pessoas LGBTI, com a garantia de que não encontrarão empecilhos burocráticos desnecessários para o seu bom funcionamento, e que terão os seus trabalhos respeitados pelos governantes.

Acesse o dossiê para download gratuito em português e espanhol: http://bit.ly/3evTMnm 

Perdeu nosso debate de lançamento? Assista: http://bit.ly/350lGF5

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