Rebeldias Lésbicas: O encontro de vozes de mulheres do Brasil e da Colômbia

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“Lésbicas contra a guerra! Lésbicas contra o capital! Lésbicas contra o racismo! Lésbicas contra o terrorismo neoliberal! ” Foi entoando essas palavras de libertação que, em fevereiro de 2007, durante […]

Rebeldias Lésbicas

“Lésbicas contra a guerra! Lésbicas contra o capital! Lésbicas contra o racismo! Lésbicas contra o terrorismo neoliberal! ” Foi entoando essas palavras de libertação que, em fevereiro de 2007, durante o VII Encontro Feminista de Lésbicas da América Latina e do Caribe, instituiu-se o dia 13 de outubro, como o dia das Rebeldias Lésbicas [1]. Neste encontro de luta anti-patriarcalista com cerca de 200 mulheres lésbicas feministas de diversos países, a data foi decidida coletivamente, através de uma Assembleia Geral, em homenagem ao I Encontro Feminista Lésbico da Região, realizado no México, em 13 de outubro de 1987.

Consagrado como witch day/dia das bruxas, o dia 13 de outubro também representa o dia seguinte da chegada dos colonizadores às terras indígenas, segundo Angelina Marín, ativista lésbica feminista do coletivo Moiras, em seu discurso na Praça das Armas, em Santiago, no Chile, reunida com feministas lésbicas na marcha de consagração das Rebeldias Lésbicas [2]. Assim, a data convoca coletivas lésbicas feministas em todo continente para que se reúnam e celebrem existências lésbicas através da arte e da cultura como ato de rebeldia contra as opressões impostas pelo sistema patriarcalista que oprime as existências que desafiam a cis-heteronormatividade compulsória.

Para homenagear essas corpas de mulheres que teimam e resistem ao apagamento de suas identidades e de suas expressões políticas libertárias, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) convidou mulheres lésbicas do Brasil e da Colômbia para compartilharem suas vozes, olhares e experiências sobre o significado e desafios das Rebeldias Lésbicas em seus países. Conheça suas histórias rebeldes.

Colômbia

Para María Vélez, ativista do Caribe Afirmativo, “este 13 de outubro é o dia para lembrar e agradecer pela luta das irmãs lésbicas mais velhas que começou há vários anos. Da nomeação ao auto reconhecimento e da convivência com a parceira. Esses foram os primeiros passos para que hoje possamos desfrutar de algumas ações em relação ao reconhecimento de direitos ”.

María chama atenção para o fato de que as rebeldias lésbicas implicam desafios, principalmente em um país como a Colômbia marcado pelo conflito armado.  Adversidades que fazem com que as mulheres lésbicas vivenciem constantemente situações de violência privada, deslocamento forçado, estupro coletivo e gravidez forçada. A ativista enfatiza que por ser um país multicultural e multiétnico, em todas essas identidades indígenas e/ou negras, um racismo e machismo estruturais estão embutidos.

“Portanto, sendo LGBT indígenas ou afro-LGBTI, sofremos opressão dentro de nossas comunidades e violência particular em cada território. Quando você é lésbica e afrodescendente, a violência tem tinturas particulares relacionadas à exotização e à sexualização de nossos corpos como mulheres negras, porque a sociedade considera que se você é uma mulher negra deve ser heterossexual, do contrário não nos convém”, desabafa.

Sami Arazabaleta, ativista da ONG Somos Identidad, ressalta a importância de as mulheres lésbicas reconhecerem a si mesmas, como seres sexuais que admiram seus corpos longe da norma hétero-patriarcal e machista. “As rebeldias lésbicas são o grito necessário para tornar as lésbicas visíveis, nos recusamos a continuar a ser as invisíveis da “homossexualidade” normativa global. Já aprendemos que o que não tem nome não existe. A rebelião lésbica é ser e estar, amar uma mulher cara a cara”.

Além disso, as rebeldias lésbicas também são um ato de repúdio ao binário, pois as feministas lésbicas denunciam que o modo binário de ver e estar no mundo confinam as lésbicas como uma diferença sexual do padrão masculino vigente. Como um ato de liberdade, as lésbicas rebeldes proclamam que seus corpos existem por si, numa relação de interdependência e (co)existência com a natureza e, por isso, não são oposição de um Outro dominante. Desse modo, Sami traduz sua rebeldia em poesia: “o amor lésbico é sublime, pois permite que as mulheres sejam amadas e reconhecidas sem a necessidade da aprovação masculina. Sou lésbica, porque me amo e amo uma mulher!”

Brasil

A cineasta Naira Évine, ativista do coletivo Levante Negro, reflete que a afirmação da existência lésbica dentro do audiovisual já é um ato de rebeldia. “Porque a gente está indo contra todo sistema heterossexual e cis-heteronormativo que faz questão de apagar nossas existências. Faz questão de que a nossa memória não seja passada de geração para geração, de que nossas histórias não sejam contadas, que nossas perspectivas não sejam comentadas e filmadas. Então, quando uma mulher lésbica e cineasta e, no meu caso, negra, faz questão que todos esses demarcadores sejam colocados em pauta e também sejam falados e respeitados, acho que essa mulher está sendo rebelde”, avalia.

Em 2019, Naira lançou o curta metragem “O dia em que resolvi voar” [3], trazendo o protagonismo de histórias lésbicas. Assim, ela reforça que filmes realizados por mulheres lésbicas, que falam sobre vivências lésbicas e que têm uma perspectiva de uma mulher lésbica racializada ou não, e latino-americana, já é uma rebeldia grande. Com isso, a cineasta recorda que as lésbicas são diversas e que merecem respeito, uma vida digna, saudável e bem vivida em todo escopo dos direitos básicos que uma vida precisa ter. Por isso, elas resistem quando fazem questão de que suas existências sejam compreendidas e respeitadas.

“Acho que não existe uma forma de ser lésbica, uma forma de demonstrar a sua orientação sexual. Muitas vezes o armário é um lugar de proteção, é um lugar de defesa da própria vida e estar dentro do armário nem sempre quer dizer que é covardia. Às vezes é muita coragem também não falar sobre isso. Existem casos e casos. Não existe somente uma forma de sonhar com uma sociedade mais igualitária. Essa sociedade seria exatamente a existência de diversas lesbianidades, bissexualidades, homossexualidades, diversas vivências de grupos sociais. Nós estamos cercadas de rebeldes lésbicas! Que bom que existe esse dia! Que a gente comemore e fale mais sobre essas bravas mulheres!”, comemora.

Camila Carmo, professora, pesquisadora, escritora e ativista do coletivo LesbiBahia, ao pensar no que seria uma rebeldia lésbica no país como o Brasil, elabora a construção de um projeto político que seja emancipatório para todas as mulheres e que desafie o sistema heterossexual no qual todas estão inseridas. Como uma mulher preta e lésbica, ela entende que “ser uma mulher lésbica nesse Brasil é lidar com o racismo, machismo e o sexismo de cada dia, mas também me colocar em movimentos de (re)existências para construção de outros modos de existências” [4].

Diante dos desafios que implicam rebeldias lésbicas, Camila aponta para o enfrentamento do racismo, da pobreza, do feminicídio, dentro dos fenômenos estruturais e sistêmicos em um território marcado por ditadura e invasões colonialistas. “Penso que esse desafio tem a ver com destituir os ataques aos indígenas, à exploração humana, animal e da natureza. Essa reflexão atravessa e define a todos nós, ainda que eu diga “eu”. Porque ao dizer “eu” também estou falando nós. Não acredito que as alianças sejam possíveis fora de uma coletividade. E por isso, nosso grande desafio hoje é pensar em como agir coletivamente, respeitando a diferença e as individualidades”, analisa.

A partir das histórias dessas inspiradoras lésbicas rebeldes, Raça e Igualdade apoia essa rebeldia que vem de encontro ao fortalecimento dos laços afetivos entre mulheres e natureza, entre direitos humanos e a desobediência como ruptura das permanências do colonialismo. Assim, reforçamos nosso comprometimento em visibilizar as pautas e as vozes que representam a América Latina, em aliança com ativistas e organizações da sociedade civil na denúncia das violações fundamentais para a construção de uma sociedade democrática.

Nesse sentido, Raça e Igualdade recomenda aos Estados da região que:

  1. Empreenda todos os esforços necessários para o combate à lesbofobia na cultura da América Latina, fomentando ações que promovam o respeito à diversidade sexual e combatam o preconceito e a discriminação;
  2. Opere para o combate à lesbofobia no ambiente educacional, inibindo iniciativas que visem a proibição de debates sobre raça, gênero e sexualidade nas escolas e universidades;
  3. Ratifique a Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância e a Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância.

 

[1] e [2] http://feministautonoma.blogspot.com/2007/10/13-de-octubre-da-de-rebeldas-lesbianas.html

[3] https://www.youtube.com/watch?v=FYjs54EfwxY&t=26s&ab_channel=Naira%C3%89vine

[4] Sobre o conceito de (re)existências, Camila faz referência a Professora Ana Lúcia da Silva Souza.

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