Visita do EMLER ao Brasil: Mecanismo da ONU exorta por reparação frente ao racismo sistêmico e a brutalidade policial
Brasil, 22 de dezembro de 2023 – De 27 de novembro a 08 de dezembro, o Mecanismo de Especialistas Independentes para Promoção da Justiça e Igualdade Racial na Aplicação da […]
Brasil, 22 de dezembro de 2023 – De 27 de novembro a 08 de dezembro, o Mecanismo de Especialistas Independentes para Promoção da Justiça e Igualdade Racial na Aplicação da Lei (EMLER), das Nações Unidas, esteve em Missão no Brasil com visita às cidades de Brasília, Salvador, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro. O Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) junto às organizações parceiras, se mobilizou para entregar ao Mecanismo, um documento com recomendações gerais e específicas sobre os temas atravessados pelo perfilamento racial antinegro no país, em busca de reparação e de justiça racial.
Previamente à visita, Raça e Igualdade organizou uma capacitação com entidades da sociedade civil em sua sede, no Rio de Janeiro, para facilitar a elaboração conjunta do documento, além de apresentar um panorama dos objetivos da visita, o funcionamento do Mecanismo e de apoiá-los para um oportuno diálogo com os Relatores. As entidades que assinaram o documento entregue ao EMLER foram: ONG Criola, Grupo de Estudos Novos Ilegalismos (GENI), Instituto Juristas Negras, Instituto Marielle Franco (IMF), Articulação Brasileira de Lésbicas (Rede ABL); Resistência Lésbica da Maré; Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), Ilê Axé Omiojuarô e Raça e Igualdade.
“Como uma organização de capacitação institucional, vemos como crucial oferecer apoio à sociedade civil diante das especificidades dos mecanismos internacionais de direitos humanos. A visita do EMLER se fez como uma oportunidade única e urgente neste ano de retomada democrática, pois o país passou por um grande retrocesso nesta matéria e a aplicação da justiça racial e o enfrentamento ao racismo estrutural e sistêmico é urgente no Brasil”; analisa Rodnei Jericó da Silva, Diretor de Raça e Igualdade no Brasil.
Sobre o EMLER e a visita ao Brasil
O EMLER é um mecanismo criado em 2021, pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, através a RESOLUÇÃO DA ONU 47/21. Este mecanismo atua especificamente na promoção e proteção dos direitos humanos e liberdade fundamentais de africanos e afrodescendentes contra o uso excessivo da força policial, entre outras violações dos direitos humanos por agentes da lei, visando mudanças transformadoras para a justiça e igualdade racial. Junto ao EMLER e peça-chave na organização desta visita ao Brasil, a Coalizão Antirracista da ONU (UNARC), foi responsável por acompanhar e facilitar os encontros dos Relatores no país.
Durante a Missão, os Especialistas se reuniram diretamente com o Estado e suas autoridades, incluindo as instâncias responsáveis pela aplicação da lei e as suas agências de supervisão. Ademais, nas cidades visitadas realizaram oitivas com a sociedade civil, incluindo um diálogo direto com as vítimas e/ou seus familiares, as comunidades afetadas, defensores e defensoras dos direitos humanos. Em Salvador, tiveram a oportunidade de visitar a Penitenciária Lemos de Brito e, no Rio de Janeiro, a Cadeia Pública José Frederico Marques.
Em uma coletiva de imprensa realizada virtualmente, no dia 08 de dezembro, os Membros do EMLER, Tracie Keesee e Juan Mendez, compartilharam suas impressões preliminares sobre a experiência no país, enfatizando que o relatório final será apresentado na 57ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em setembro de 2024 e, até esta data, estão abertos para receber mais informações e materiais sobre a situação racial no Brasil. Esse relatório será entregue ao governo brasileiro que, como país signatário da ONU, deve comprometer-se com uma resposta ao Mecanismo.
Na abertura da coletiva, os Especialistas fizeram referência às boas práticas adotadas pelo país, assim como o reconhecimento da existência do racismo sistêmico, fator determinante em termos de concepção de políticas públicas. Além disso, citaram a criação do Ministério da Igualdade Racial e a sua replicação em diversos estados; as iniciativas do sistema de cotas raciais; o uso de câmeras nos uniformes policiais adotados por alguns estados; o reconhecimento da importância da perspectiva interseccional e a atuação da defensoria pública no acompanhamento de familiares de vítimas da violência policial e estatal no país.
Entre os desafios, “o racismo perverso e presente”, destacaram, entre a vigência de leis que perpetuam a desigualdade em relação à saúde e o acesso ao trabalho. “As desigualdades resistem na aplicação da lei”, enfatizaram. Assim como criticaram a falta de representação de pessoas negras no judiciário e no poder público, e chamaram atenção para a marginalização do racismo religioso e as diversas denúncias recebidas sobre discurso de ódio e assassinatos de lideranças religiosas (em especial lideranças de religiões de matriz africana) e quilombolas.
Sobre as chacinas ocorridas no Rio de Janeiro e São Paulo, os membros do EMLER alertaram para as violações extrajudiciais referentes as ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) vigentes e ignoradas pelo poder público. Ademais, a partir da escuta de pessoas LGBTI+, constataram que são constante vítimas dos agentes da lei, além da falta de reconhecimento de seus nomes sociais pelos mesmos e pelas instituições públicas.
“A impunidade é generalizada no sistema penal e as pessoas têm medo de retaliação”, observou o Mecanismo. O tema da impunidade foi visto com grande preocupação, tal como avaliaram que este fato gera uma desconfiança geral sobre o sistema de justiça. Desse modo, apontaram que as câmeras devem ser obrigatórias nos uniformes dos agentes de segurança pública. Destacaram que as famílias enfrentam muitas represálias quando precisam do apoio do Estado, sendo que a maior parte dessas famílias são chefiadas por mulheres negras. Para os Relatores, a falta de transparência nas investigações legitima o impacto racial nos processos em curso.
Em relação ao sistema prisional enfatizaram a grande proporção de pessoas negras nas prisões e como este fato é provado estatisticamente, pois o Brasil possui mais de 800 mil pessoas encarceradas. Sobre este tema destacaram a alimentação inadequada, saneamento precário e as diversas denúncias de torturas e maus-tratos. “Violações que equivalem a tortura e levam a mortes”, alarmaram. Nesse sentido, advertiram que a falta de mão de obra adequada e capacitada leva a manutenção das precárias condições, sendo importante o apoio à saúde mental destes funcionários, pois essa debilidade do sistema reverbera, consequentemente, nas pessoas negras.
“O Brasil precisa adotar uma segurança pública nos padrões dos direitos humanos, incluindo a aplicação da lei e os padrões de segurança para reparação racial”, afirmaram os Especialistas. Nesse sentido, pontuaram a responsabilidade do judiciário para desmantelar o sistema vigente e retirar a experiência do racismo nessas relações institucionais e nas forças policiais.
Assim, Raça e Igualdade segue apoiando veementemente a luta antirracista no país, buscando agregar e colaborar com a sociedade civil para enfrentar a brutalidade e toda a violência derivada das desigualdades enraizadas nas diferenças raciais. O racismo precisa ser combatido nas leis, na democratização do acesso às informações e no combate a fake news, no negacionismo, nas políticas e na estrutura do capital racial que, historicamente, se firmou no controle e descartabilidade de pessoas negras por forças policiais estruturadas em relações de poder coloniais e escravagistas que se perpetuam até hoje.
Por fim, compartilhamos algumas das recomendações entregues ao EMLER pelas organizações brasileiras em nosso documento conjunto:
- Condenação pública da violência policial e dos desaparecimentos forçados: O Estado brasileiro deve emitir uma declaração pública condenando veementemente a violência policial e os desaparecimentos forçados. Essa posição firme demonstrará o compromisso do Estado em proteger os direitos humanos e garantir a segurança de seus cidadãos.
- Investigação rigorosa dos assassinatos de jovens negros por agentes do Estado: O Estado brasileiro deve garantir que todos os casos de assassinatos de jovens negros por agentes do Estado sejam investigados de forma completa, imparcial e transparente. A justiça deve prevalecer e os responsáveis devem ser responsabilizados.
- O Estado brasileiro deve adotar medidas específicas para garantir a presença de policiais femininas na abordagem de mulheres cis e trans. Além disso, deve haver treinamento obrigatório para as policiais femininas sobre questões de gênero, a fim de que atuem de forma profissional e respeitosa.
- O Estado brasileiro deve adotar medidas legislativas para garantir a celeridade e a transparência das investigações em casos que envolvam o Estado como autor do crime, especialmente em casos que envolvam discriminação racial e questões de gênero.
- O Estado brasileiro, por meio de seus Ministérios, deverá realizar, no prazo de um ano, um diagnóstico e avaliação da situação das políticas públicas de combate ao preconceito e à discriminação religiosa (racismo religioso), verificando sua aplicação, orçamento, efetividade das delegacias especializadas em crimes dessa natureza, com a criação de um Observatório da Violência contra os Povos Tradicionais de Matriz Africana.