31M Visibilidade Trans: o que acontece com as pessoas trans nos contextos de crises políticas e regimes autoritários?

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Washington D.C., 31 de março de 2023 – Hoje, no Dia Internacional da Visibilidade Trans, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) salienta e reconhece que, […]

Washington D.C., 31 de março de 2023 – Hoje, no Dia Internacional da Visibilidade Trans, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) salienta e reconhece que, na região, os diversos contextos de crise política e social; como crise democrática e regimes autoritários, geram impactos diferentes em determinados grupos em situação de vulnerabilidade,  como as pessoas trans e de gênero diverso, ainda mais quando apresentam ou convergem fatores como status socioeconômico, racial, assim como questões relativas à imigração e idade.

As pessoas LGBTI+ e, especificamente as pessoas trans, sofrem sistematicamente violações de seus direitos humanos em diferentes aspectos de suas vidas, porém, em regimes autoritários ou em contextos políticos e sociais complexos, essa situação se agrava até mesmo com retrocessos legislativos e brechas legais. Por conseguinte, torna-se mais difícil garantir o respeito e o cumprimento das obrigações internacionais em matéria de direitos humanos. Além disso, os níveis de impunidade dos crimes de ódio estão aumentando e, muitas vezes, a violência e a discriminação são perpetradas por funcionários públicos.

No Brasil, durante o governo de Jair Bolsonaro, houve um aumento do discurso de ódio contra a população LGBTI+, que afetou especificamente a população trans. O avanço da extrema direita, ligada a grupos religiosos conservadores, fortaleceu a agenda anti-trans, que foi institucionalizada, ganhando espaço nos discursos oficiais do governo. Grupos fundamentalistas antidireitos que perseguem e mentem sobre a diversidade de gênero, chamando-a de “ideologia de gênero”, construíram um discurso violento, que coloca as pessoas trans como inimigas, impedindo a construção de políticas públicas voltadas aos direitos dessa população. “Além disso, violam direitos que já foram conquistados, como o respeito a um nome social e a um gênero autodeclarado em estabelecimentos públicos e privados ou o uso do banheiro de acordo com seu gênero”, diz Gab Van, representante da Liga Transmasculina João W. Nery.

Em 2022, o Brasil se manteve, pelo 14º ano consecutivo, no topo do ranking de assassinatos de pessoas trans. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 131 pessoas trans foram assassinadas em 2022, sendo 130 mulheres trans e 1 pessoa transmasculina. Pelo menos 76% das vítimas eram negras1.

O Peru vive atualmente uma grave crise institucional, política e social. Após a tentativa de golpe contra o Congresso pelo presidente Pedro Castillo, em dezembro de 2022, e a subsequente ascensão de Dina Boluarte ao Executivo, vários setores da sociedade não reconhecem o governo de Dina Boluarte e o Congresso da República. Fato este que gerou uma série de protestos em todo o país, causando 67 mortes, 1335 pessoas feridas2, detenções e buscas arbitrárias, entre uma série de violações dos direitos humanos pelo governo e pelas forças policiais e militares. Nesse contexto, a situação da população trans é exacerbada e ignorada; além de causar uma maior sensação de impunidade para os crimes de ódio. Somente no primeiro mês e meio desta crise, foram registrados 8 assassinatos de mulheres trans, 3que foram classificados como mortes violentas. “Enquanto não houver uma lei de identidade de gênero, esse sistema continuará a nos oprimir porque não nos reconhece como mulheres e não podemos exercer cidadania plena e responsável”, relata Alejandra Fang, integrante da Trans Organización Feminista por los Derechos Humanos de las Personas Trans.  

Até o momento, não há registro oficial de violência e crimes de ódio cometidos contra pessoas trans e de gênero diverso, a pouca informação conhecida até agora é obtida através da mídia e de organizações da sociedade civil trans que se esforçam para alimentar um registro. Da mesma forma, estudos políticos, análises e relatórios sobre violações de direitos humanos não se referem à situação e ao impacto diferenciado na vida de pessoas trans e de gênero diverso na atual crise institucional, política e social.

No caso da Nicarágua, no contexto da crise sociopolítica e de direitos humanos, em que a censura e a impunidade prevalecem para graves violações e abusos de direitos humanos perpetrados por agentes estatais e paraestatais, não há acesso a números oficiais sobre casos de violência contra pessoas trans. No entanto, de acordo com testemunhos coletados pelo Grupo de Especialistas em Direitos Humanos sobre a Nicarágua (GHREN), lideranças feministas, organizações e grupos de mulheres (em toda a sua diversidade) têm sido um alvo especial de ataques contra a sociedade civil4.

O regime autoritário de Daniel Ortega e Rosario Murillo, por razões políticas, manteve pelo menos quatro mulheres trans encarceradas em prisões para homens; negando-lhes acesso à terapia hormonal e expondo-as a riscos diferenciados com base em seu gênero.  O Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária – no Parecer 12/2021 – pronunciou-se sobre o caso de uma ativista trans que foi arbitrariamente presa no segundo aniversário da crise sociopolítica, forçada a permanecer detida numa prisão masculina e condenada a 13 anos e 2 meses de prisão por “sequestro extorsivo agravado” e “obstrução agravada de funções”. “Seu status trans foi ignorado como uma forma de humilhação contra ela”, concluiu o Grupo em seu parecer. Finalmente, a  ativista foi libertada da prisão em 2021, mas o Estado nunca informou sobre o levantamento das acusações contra ela, nem sobre as garantias de reparação pelos danos cometidos.

Algo semelhante está acontecendo em Cuba. A prisão de Brenda Díaz, uma mulher trans de 28 anos que está detida em uma prisão masculina, revela a situação enfrentada por pessoas com identidades de gênero diversas na Ilha. Díaz foi presa por participar de marchas pacíficas em julho de 2021 porque, segundo as autoridades deste país, ela havia “se vestido de mulher para se infiltrar” em manifestações públicas5. Vítima de todos os tipos de discriminação e violência dentro desta prisão, Brenda está cumprindo uma sentença de 14 anos de prisão.

Neste país, pessoas com identidades de gênero diversas só podem alterar o marcador de gênero nos documentos de identidade se o candidato tiver sido submetido a uma cirurgia de mudança de gênero, de acordo com os dados da organização Ilga World, 6que também compila outras medidas adotadas pelo governo cubano para proteger essa população.  Contudo, segundo relato das pessoas trans, a estas não é permitido transcender e, assim, essas medidas permanecem no papel. Da mesma forma, as organizações de mulheres afirmam que é necessária uma Lei contra a violência de gênero, que previna e melhore a atenção à violência sexista, que também afeta essa população.

No caso da Colômbia, no âmbito da Greve Nacional 2019-2020, a organização Colombia Diversa documentou que a maioria das vítimas de violência policial, de ameaças e homicídios eram mulheres trans7. De acordo com a Caribe Afirmativo, assim como em 2019, a maioria das vítimas em 2020 foi registrada no Valle del Cauca, Antioquia e Bogotá. No Valle del Cauca, por exemplo, foram relatadas ameaças e repressão por parte da polícia e impedimentos a manifestações em espaços públicos8. Além disso, o ministro da Defesa na época, Diego Molano, criminalizou a liderança social das pessoas LGBTI+ no Cauca, apontando-as como membros de organizações criminosas e oferecendo uma recompensa milionária a qualquer um que desse informações sobre elas.

A esse respeito, Bicky Bohorquez, integrante da Somos identidad, referiu-se à importância da segurança pessoal das pessoas trans nas manifestações: “Para promover a participação e a visibilidade das pessoas trans em espaços de reivindicação social, como o protesto social, devemos ter em mente que estes devem ser espaços seguros para nós como pessoas trans. Estratégias como ouvir e aprender com nossas experiências, conscientização e educação não podem ser deixadas de fora”.

As pessoas trans na região estão expostas a situações de maior perigo e vulnerabilidade quando seus países estão em contextos políticos e sociais críticos. Não só porque, em geral, as suas condições de vida pioram, mas porque a sua participação como atores políticos pode colocar em risco a sua integridade física e mental, especialmente no contexto de protestos e estados de emergência.

Por tudo o que foi exposto, Raça e a Igualdade deseja apresentar algumas recomendações aos Estados, muitas das quais foram apresentadas pela CIDH no Relatório sobre Pessoas Trans e de Gênero Diverso e seus direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (2020):

  • Adotar leis de identidade de gênero que reconheçam o direito de pessoas trans e de gênero diverso de retificar seu nome e o componente de sexo ou gênero em suas certidões de nascimento, documentos de identidade e outros documentos legais. Basear-se no Parecer Consultivo 24/2017 da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
  • Eliminar de sua legislação e políticas públicas qualquer forma de criminalização, direta ou indireta, da conduta das pessoas no exercício de sua identidade ou expressão de gênero.
  • Incluir proteções contra a discriminação com base na identidade de gênero, nas esferas pública e privada.
  • Desenvolver e implementar políticas e programas para promover o respeito aos direitos das pessoas trans e de gênero diverso e sua aceitação e inclusão social. Estes devem ser abrangentes, interseccionais e baseados na abordagem dos direitos humanos e, em particular, incluindo a perspectiva de gênero.
  • Desenvolver e implementar campanhas de informação para sensibilizar os meios de comunicação social públicos e privados para a diversidade corporal e sexual e a abordagem de gênero.
  • Promover campanhas de informação para pessoas trans e de gênero diverso sobre todos os seus direitos humanos e mecanismos de proteção existentes.

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