Representação política das pessoas afrodescendentes, um passo fundamental na luta contra o racismo sistêmico
Washington, DC; 31 de agosto de 2024 – Promover os direitos humanos e as liberdades fundamentais das pessoas afrodescendentes, assim como combater o racismo sistêmico, também implica enfrentar a crise […]
Washington, DC; 31 de agosto de 2024 – Promover os direitos humanos e as liberdades fundamentais das pessoas afrodescendentes, assim como combater o racismo sistêmico, também implica enfrentar a crise de representação política e trabalhar por uma democracia mais inclusiva. Sob essa premissa, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) comemora este Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes, exaltando seu direito à participação política, especialmente das mulheres afrodescendentes. Para isso, neste artigo, vamos visibilizar as recomendações de ativistas do Brasil, Chile, Colômbia e Honduras.
O Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes se propõe a celebrar as contribuições da diáspora africana, em nível global, e na erradicação de todas as formas de discriminação contra as pessoas afrodescendentes. Esta efeméride foi declarada por meio da Resolução 75/170 das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 2020, e promovida pela então Vice-Presidente da Costa Rica, Epsy Campbell Barr, por meio da Missão Permanente da Costa Rica em Nova York.
Defender o direito à participação política das pessoas afrodescendentes não inclui apenas garantir seu acesso aos espaços de poder, mas também combater a violência política que atinge as pessoas afrodescendentes, especialmente as mulheres negras e LBT. Por isso, Raça e Igualdade destaca o trabalho de organizações parceiras que lutam por uma democracia mais inclusiva e com maior representatividade da população afrodescendente. A participação política é, afinal, um direito humano inalienável.
Atribuição de cotas
Lins Robalo, travesti, assistente social e ativista afrodescendente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), no Brasil, expões a importância de os partidos políticos atribuírem cotas para candidaturas de pessoas negras, o que ela acredita que deve andar de mãos dadas com a alocação de recursos para promover suas candidaturas. “O racismo afeta diretamente a renda das pessoas negras. Com isso, os candidatos negros têm menos dinheiro para concorrer às eleições, o que reforça a desigualdade racial”, afirma.
“Para melhorar a representação política das pessoas afrodescendentes, precisamos ter uma democracia paritária e intercultural”, afirma Milene Molina Arancibia, presidente da organização Coletiva de Mulheres Afrodescendentes de Luanda, do Chile. Para ela, a atribuição de cotas também deve ser no nível de cargos no Poder Legislativo e em entidades públicas a partir dos quais se possa influenciar para melhorar a vida da população.
Para a proposta de garantir a representação das pessoas afrodescendentes nas candidaturas e nas entidades públicas, Bicky Bohórquez, da organização Somos Identidade, da Colômbia, acrescenta a responsabilidade da renovação geracional, como forma de dar espaço aos jovens afrodescendentes que nutrem novas ideias tanto em seus coletivos quanto nos espaços onde alcançam representatividade. “Para que a diversidade que temos como população seja evidente”, diz.
Por sua vez, Nedelka Lacayo, da Liga das Mulheres Negras de Honduras (ENMUEH – sigla em espanhol), destaca que, acima de tudo, os Estados devem oferecer garantias de democracia representativa e garantir que as pessoas afrodescendentes exerçam plenamente seus direitos de cidadania, com igualdade de oportunidades.
Muito além de ocupar cargos
O racismo sistêmico se manifesta de múltiplas formas e, no caso da esfera política, a ocupação de cargos públicos por pessoas afrodescendentes não é suficiente para combatê-lo, pois deve ser acompanhado de processos de descolonização e conscientização para que as necessidades e demandas dessa população sejam levadas em consideração.
O racismo e os legados do racismo existem na medida em que beneficiam uma parte da população e ajudam a construir o privilégio branco. Em outras palavras, eles permitem que uma parte da população tenha acesso à terra, à educação e contribuem para consolidar as diferenças econômicas e políticas dentro de uma nação.
“Quando se é uma pessoa negra e trans, todo o conhecimento e histórico de trabalho ainda é visto como de forma inferior se comparado a de uma pessoa branca e cisgênero, com os mesmos conhecimentos – ou com uma formação ainda inferior. Por isso, é necessário sempre oferecer oportunidades de capacitações direcionadas especificamente para pessoas negras e trans, para contribuir com o arsenal teórico dos grupos minoritários”, afirma a ativista brasileira Lins Robalo.
Para a ativista chilena Milene Molina Arancibia, enquanto as pessoas afrodescendentes não ocuparem espaços de tomada de decisão, continuará faltando políticas públicas voltadas para a melhoria de vida dessa população e, portanto, a desigualdade e a discriminação racial continuarão presentes nas sociedades.
Deve-se reconhecer que em alguns países latino-americanos houve esforços para avançar na representação política de pessoas afrodescendentes; no entanto, em muitos casos, eles não são proporcionais ao tamanho da população negra ou não vão além do nível discursivo.
No Uruguai, por exemplo, apesar de ser considerada uma das democracias mais avançadas da América Latina, a inclusão de pessoas afrodescendentes em cargos públicos permanece limitada. Embora o país tenha aprovado uma lei de cotas há mais de uma década, a representação das mulheres negras no parlamento e nos cargos executivos permanece baixa. Isso reflete os desafios estruturais que as mulheres negras enfrentam no acesso a posições de poder.
Na Colômbia, a situação é semelhante. A centralização do poder e as barreiras estruturais deixaram muitas mulheres negras, especialmente aquelas em regiões rurais, fora do sistema político. A representação de mulheres negras em cargos eletivos é mínima, constituindo menos de 1%. Foi somente com a eleição de Francia Márquez que as questões das comunidades negras, e em particular das mulheres negras, começaram a ser reconhecidas e abordadas na agenda política.
Por último, fazemos eco das normas internacionais sobre o direito de todas as pessoas a participarem nos assuntos públicos sem discriminação. O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas (CCPR) enfatizou que os Estados devem:
– Proteger os candidatos políticos, especialmente mulheres, afrodescendentes, indígenas e pessoas LGBTI+, da violência, assédio e intimidação. Isso inclui investigar e processar esses casos, garantir que os responsáveis sejam responsabilizados, como no caso de Marielle Franco, e fornecer recursos adequados às vítimas.
– Intensificar os esforços para alcançar a participação plena e igualitária desses grupos na vida política e pública, especialmente em cargos de tomada de decisão.
Enquanto isso, o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD) também recomenda que os Estados adotem medidas para combater o analfabetismo e garantir que todos os cidadãos desfrutem de seus direitos políticos, incluindo o direito de serem eleitos para cargos públicos.