Programa de Ação e Declaração de Durban: Expectativas da sociedade civil sobre o projeto de Declaração Internacional sobre a Proteção, a Promoção e o Cumprimento Eficaz dos Direitos das Pessoas Afrodescendentes

Programa de Ação e Declaração de Durban: Expectativas da sociedade civil sobre o projeto de Declaração Internacional sobre a Proteção, a Promoção e o Cumprimento Eficaz dos Direitos das Pessoas Afrodescendentes

No dia 15 de janeiro de 2025, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) e a Articulación Latinoamericana para los Decenios Afrodescendientes (ALDA), realizaram uma reunião em vistas da implementação sobre a Declaração e Plano de Ação de Durban, na sede de Raça e Igualdade em Genebra. Estiveram presentes neste espaço as Missões do Brasil, acompanhada de representação do Ministério de Igualdade Racial (MIR); da Colômbia, do México e do Chile; além de representantes do Fórum Permanente Afrodescendente da ONU e de organizações da sociedade civil de países como o Brasil, Costa Rica, Chile e Argentina. 

Este encontro ocorreu durante as ações do Grupo de Trabalho Intergovernamental, reunido na semana de 13 a 17 de janeiro de 2025, em Genebra, e teve como principal objetivo visibilizar a Implementação do Plano de Ação e da Declaração de Durban, assim como evidenciar a importância da aliança estratégica para a incidência política no projeto de declaração internacional para proteção, promoção e efetivo cumprimento dos direitos das pessoas Afrodescendentes. Importante destacar que houve pouca participação de entidades da sociedade civil de forma direta neste espaço intergovernamental, pois somente puderam estar presentes organizações da sociedade civil que possuem o ‘Status ECOSOC ONU’ [1] ou que tenham participado da Conferência de Durban, em 2001.  

Por essa razão, Raça e Igualdade e ALDA [2]  participaram da 23ª Sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental sobre a Implementação Efetiva da Declaração e Programa de Ação de Durban (IGWG – sigla em inglês), para apoiar o projeto de Declaração dos Direitos dos Afrodescendentes. Como grupos da sociedade civil, apontamos algumas considerações importantes que os governos devem levar em conta neste projeto de Declaração. Além de dar apoio essencial às Missões do Brasil e da Colômbia para que possam liderar e apoiar as vozes de quase 200 milhões de afrodescendentes nas Américas, queremos destacar a necessidade de participação e de escuta da sociedade civil e dos povos afrodescendentes, assim como da população latino-americana e caribenha. Neste sentido gostaríamos de destacar algumas recomendações: 

Apoiamos o Governo da Colômbia, que nesta sessão apresentou uma posição muito clara sobre o reconhecimento dos afrodescendentes como sujeito coletivo no marco da jurisprudência internacional e das nações que o estabeleceram por lei. Portanto, o projeto de Declaração deve levar em consideração em sua linguagem pessoas, comunidades e povos afrodescendentes. 

Consideramos necessário ampliar o conceito de afrodescendente como expressão civilizatória que tem origem na experiência do tráfico de escravos de africanos ocorrido entre os séculos XVI e XIX nas Américas. Os afrodescendentes devem ser considerados grupos étnico-culturais e que também habitam territórios rurais, preservam instituições culturais tradicionais e se definem como tais. 

O conceito de povos afrodescendentes está se tornando parte do sistema internacional de direitos humanos que salvaguarda o direito dos membros dessas comunidades de serem sujeitos coletivos de direitos, para além das categorias tradicionais de “igualdade e não discriminação, como princípio fundador de direitos humanos”. (Recomendação Geral 34 de 2011 CERD) 

A partir da abordagem do conceito de “diáspora africana” para os afrodescendentes nas Américas, o sistema de justiça interamericano conceitua os afrodescendentes rurais como “povos tribais”, enquanto as comunidades rurais têm uma relação com o território que vai além dos aspectos físicos, pois transformam o espaço que ocupam em um mecanismo de luta, transcendência política e reivindicação de sua ancestralidade. 

O movimento afro-latino-americano sempre teve uma participação coletiva e ativa na agenda internacional de direitos desde antes de Durban, por isso destacamos a importância do evento e a necessidade de fortalecer laços, redes e articulações para garantir a voz dos nossos povos. 

As missões presentes na reunião fechada destacaram a necessidade de maior aproximação com sociedade civil, a fim de subsidiar conceitos e prover informações atualizadas para o combate ao racismo nas Américas, e assim, possam aportar no texto da Declaração que vem sendo debatida neste Grupo de Trabalho Intergovernamental. Temas como reparação, o uso das novas tecnologias de inteligência artificial, bem como atenção com a agenda do clima, também foram objeto de debates.   

Ao final dos trabalhos, houve a finalização da primeira leitura do texto da Declaração que se seguirão nas próximas reuniões do Grupo de Trabalho Intergovernamental, com novos aportes que poderão ser realizados no texto.  

Raça e Igualdade e ALDA, expressam o entendimento de que este espaço deve ser plural e esperamos que, mesmo que de forma indireta, possamos propiciar uma maior participação das entidades da sociedade civil para construção da Declaração sobre a proteção, promoção e efetivo cumprimento dos direitos das pessoas Afrodescendentes. 

 

[1] https://ecosoc.un.org/en/ngo/consultative-status  

[2] Articulación Latinoamericana para los Decenios Afrodescendientes – ALDA e a Coalizão de Organizações Defensoras do Território Ancestral e das Terras Coletivas dos Afrodescendentes da América Latina e do Caribe fazem parte do movimento social afrodescendente que promove a causa do reconhecimento, da justiça e da reparação histórica da diáspora africana no mundo. A ALDA e a COALIZAÇÃO fizeram parte das organizações da sociedade civil que apoiaram e promoveram a proposta de reconhecimento dos povos afrodescendentes no direito internacional, especialmente no âmbito da última COP 16 realizada na cidade de Cali sob os auspícios do governo colombiano. 

Política Nacional para Povos e Comunidades de Terreiro e Matriz Africana: Uma Iniciativa por Direitos e Reparação

Brasil, 21 de janeiro de 2025 – Neste ano, em celebração ao Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) celebra uma importante conquista em prol do enfrentamento do racismo religioso no Brasil: a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e Matriz Africana. Decretada pelo Presidente Lula, em novembro de 2024, esta política constitui-se como um valoroso legado do Ministério da Igualdade Racial (MIR) pelos direitos dos povos e comunidades de terreiro.

O lançamento oficial aconteceu no dia 15 de janeiro de 2025, no Ilê Axé Omiojuarô, terreiro fundado por Mãe Beata, em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Com a presença da Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco; do Secretário Nacional de Territórios e Sistemas Produtivos Quilombolas e Tradicionais do Ministério da Agricultura (MDA), Edmilton Cerqueira; o evento também contou com ilustres lideranças de matriz africana, como o Babalorixá da Casa, Baba Adailton Moreira, Mãe Meninazinha de Oxum, do Ilê Omolu Oxum; além da Coordenadora Geral da ONG Criola, Lúcia Xavier.

Luzi Borges, Diretora nacional de políticas para povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiro do Ministério da Igualdade Racial, abriu a mesa apresentando o plano de ação e as diretrizes e princípios que compõem esta nova Política. Fruto de uma extensa pesquisa e trabalho do MIR, a Diretora explicou que foram mapeadas 93 iniciativas para ações concretas durante os próximos 2 anos. Além disso, esta Política está articulada com 11 ministérios, sendo que cinco ministérios formam parte de um comitê gestor que irá monitorar a efetividade e aplicação destas iniciativas perante os povos de terreiro.

Entre as iniciativas que compõem esta Política, Luzi citou a capacitação da gestão de justiça, visando uma interlocução com o sistema judiciário para ampliar o acesso à justiça nos casos que envolvam racismo religioso. Ademais, o direito a maternidade no axé e a questão da mobilidade social são iniciativas que mostram a interseccionalidade das ações previstas para a construção de um olhar de respeito, participação e melhorias das condições de vida destas comunidades.

Ademais, o Observatório do Racismo Religioso, que já existia no Rio de Janeiro, em homenagem a Mãe Beata foi ampliado a nível nacional. Com um orçamento de R$ 115 milhões, esta Política é celebrada por ser um instrumento de garantias institucionais para o enfrentamento ao racismo religioso, pois mesmo mudando a gestão, os povos de terreiro seguem com seus direitos salvaguardados pela Lei.

Ao celebrar a conquista desta Política, a Ministra Anielle Franco recordou que ouviu muitas vezes que seria loucura insistir na criação e no fomento desta Política, mas trouxe à tona que em sua trajetória aprendeu que aquilo que move cada um nos leva a conquista dos nossos direitos. E enfatizou que essa Política é mais um passo para a não naturalização da violência contra as pessoas negras e da depredação dos terreiros.

“É importante lembrar e ter memória para que a gente não cometa os mesmos erros e para que a gente saiba onde quer chegar, pois enquanto estivermos aqui, vamos lutar para que se concretize, para que não seja mais um passo dado que não fique no esquecimento”, enfatizou Anielle em referência à trajetória do movimento negro, especialmente dos povos de terreiro, ao lançar a referida Política.

Em sua fala, Baba Adailton Moreira celebrou este lançamento ser realizado dentro de uma comunidade de terreiro, fato que para ele, demonstra que a luta pelos direitos e pelo enfrentamento ao racismo religioso não foi em vão. Além disso, ele reiterou a importância de seguir lutando pelo que é correto, para que as comunidades e povos de terreiro possam exercitar seus direitos políticos no país.

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religioso foi instituído através da Lei 11.635/2007, em homenagem à Mãe Gilda de Ogum, falecida em janeiro de 2020, devido a problemas de saúde ocasionados por atos decorrentes do racismo religioso. A liberdade religiosa é um importante vetor de um estado plenamente democrático, no qual o reconhecimento da pluralidade de expressões de fé é um importante caminho de respeito e valorização da cultura e memória dos povos afrodescendentes do Brasil. O racismo religioso afeta diretamente as religiões de matriz africana, atingindo seus cultos e liturgias, patrimônios materiais e imateriais, e até mesmo, a memória ancestral.

Raça e Igualdade se orgulha desta importante conquista, que nasceu de uma demanda que urgia da sociedade civil, através do movimento negro e das comunidades de matriz africana. Desde 2021, seguimos com o projeto de combate ao racismo religioso que, unidos a importantes ativistas e lideranças afro-religiosas, nos permite enxergar com admiração este importante passo que veio de longe, resultado de saberes ancestrais, e se concretizou em uma notória Política de proteção de direitos aos povos de axé.

 

NOTA DE REPÚDIO: URGIMOS PELA PROTEÇÃO DO POVO INDÍGENA AVA GUARANI NO PARANÁ!

Brasil, 07 de janeiro de 2025 – Sob ataques constantes de pistoleiros, indígenas da etnia Ava Guarani, pertencentes à comunidade Yvy Okaju, localizada entre Guaíra e Terra Roxa, no Paraná, clamam por socorro às autoridades! Quatro indígenas, incluindo uma criança e um adolescente, foram baleados por invasores mascarados que entraram atirando na comunidade. No dia 03 de janeiro, foi denunciado o quarto ataque em sete dias. O medo e a violência assombram o povo Ava Guarani que também tiveram uma casa queimada durante os ataques.

Mesmo tendo suas terras delimitadas desde 2018 pela FUNAI, há anos a Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá é alvo de conflitos, pois a construção da hidrelétrica Itaipu Binacional expulsou-os de seus territórios que está em processo de retomada. Portanto, perguntamos quais os interesses escusos na manutenção dessa violência?

O relatório “Violência contra os povos indígenas do Brasil” [1], elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), demonstra que em 2023 foram registrados 1276 casos de violências contra o Patrimônio” dos povos indígenas, especialmente a omissão e morosidade na regularização de terras (850 casos); conflitos relativos a direitos territoriais (150 registros); e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio (276 casos). O documento apresenta, 411 registros de violência contra a pessoa em 2023 – entre os casos: abuso de poder (15 casos); ameaça de morte (17); ameaças várias (40); assassinatos (208); homicídio culposo (17); lesões corporais (18); racismo e discriminação étnico-cultural (38); tentativa de assassinato (35); e violência sexual (23).

A ONU já se pronunciou sobre a urgência na demarcação das terras indígenas e sobre a tese do Marco Temporal, que é contrária a toda legislação internacional de direitos humanos. A omissão estatal – ou a demora em ações concretas – mostra a ausência de compromisso do Estado à diversos compromissos internacionais, o que pode e deve gerar responsabilização internacional.

Raça e Igualdade rechaça a omissão e a inércia do Poder Público sobre a violência contra os povos indígenas, que perpetua o colonialismo, o racismo e o morrer. É preciso a construção de políticas de prevenção e de ação imediata no caso de novos atos delituosos, com a devida punição dos responsáveis, e pleiteia pelo direito à reparação dos povos originários. Não ao marco temporal! Chega de genocídio contra os povos indígenas!

 

[1] https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2024/07/relatorio-violencia-povos-indigenas-2023-cimi.pdf

A Escalada da Violência Policial em São Paulo: e agora, quem protege os cidadãos?

Brasil, 05 de dezembro de 2024 – O Brasil segue a passos largos na contramão do desrespeito aos direitos humanos, sobretudo quando observamos o racismo estrutural e sistêmico, fruto de políticas contínuas que evidenciam violações e o menosprezo à vida de pessoas negras. A violência como política de segurança pública revela-se, principalmente, perante os moradores nas periferias dos grandes centros urbanos e, somente em 2024, os números das práticas abusivas de violência policial seguem subindo exponencialmente. Diante deste cenário, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), urge pela ação objetiva e direta do Estado brasileiro diante da gestão da segurança pública de São Paulo. É preciso uma política de segurança pública que garanta direitos aos cidadãos e em casos de violação por parte de agentes públicos, seja capaz de responsabilizar as autoridades, pelos atos da corporação militar.

O Estado de São Paulo, segundo dados do Ministério Público Estadual, teve um aumento de 46% nas mortes cometidas por policiais. Somente de janeiro a novembro de 2024, houve 673 mortes pelas mãos da polícia paulista, com média de duas vítimas letais por dia. [1]

Os últimos acontecimentos demonstram um descontrole e ausência de gestão da política de segurança pública no Estado de São Paulo. Diversos casos foram testemunhados por cidadãos e, até mesmo, através das câmeras corporais dos policiais que evidenciam a violência exacerbada, mesmo quando o suspeito está dominado. As ações brutais da PM vão desde tiros na cabeça, execuções pelas costas com 11 tiros, execução a queima roupa, morte de criança em suposto tiroteio, agressões físicas diversas, uma pessoa abordada por 13 policiais, e um policial atirando o corpo de uma vítima de cima de uma ponte na zona sul de São Paulo, entre outros. Estes casos nos levam a seguinte questão: há algum tipo de controle efetivo da polícia militar ou esta polícia tem salvo conduto do governo do Estado para praticar violações?

Ademais, ressaltamos que a criação de uma Ouvidoria Paralela pelo Secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite é mais uma indicação de que as forças policiais do Estado de São Paulo continuarão sua escalada de violência e de impunidade, tendo em vista que já existe uma Ouvidoria da Polícia Civil, que vem diuturnamente denunciando a política de Segurança Pública do Estado de São Paulo. A criação de uma ouvidoria paralela, sem qualquer autonomia, reforça, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB – SP), mais um passo no enfraquecimento dos mecanismos de controle e transparência da atividade policial no estado.

“É evidente que a política de segurança pública no Estado de São Paulo segue um caminho contrário dos diversos relatórios das Nações Unidas que indicam que há necessidade da aplicação de procedimentos de monitoramento, de uma corregedoria que seja efetiva e não corporativista, permitindo que os processos de apuração sejam céleres, imparciais e transparentes, e que a política de segurança pública possa restabelecer alguma credibilidade, assim como no governo do Estado de São Paulo”, aponta Rodnei Jericó, Diretor de Raça e Igualdade no Brasil.

Após sua visita ao Brasil, em agosto de 2024, a Relatora Especial da ONU sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, Ashiwini K.P., publicou um relatório sobre a questão racial no país ressaltando a gravidade e complexidade da violência das forças de segurança pública. O documento insta o Estado a tomar medidas mais efetivas frente ao sistema carcerário e, mesmo reconhecendo que o uso de câmeras policiais seja um passo importante para uma política de segurança antirracista, sinalizou que há relatos de que essas câmeras não são utilizadas e que medidas de perfilamento racial estão sendo utilizadas pelo governo sem base científica. Ademais, a Relatora apontou que são especialmente mães afrodescendentes que perdem os seus filhos em razão da brutalidade policial, e que além de vítimas, estas também são criminalizadas.

Em outubro de 2024, o Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes para o Avanço da Igualdade e Justiça Racial na Aplicação da Lei – EMLER publicou relatório destacando o racismo sistêmico enraizado na polícia e no sistema de justiça criminal, onde o preconceito racial, o perfilamento racial e os estereótipos raciais influenciam a ação e a inação do Estado. O uso excessivo da força de segurança pública que leva a milhares de mortes todos os anos e o encarceramento excessivo, que afetam desproporcionalmente as pessoas negras, são uma consequência do racismo sistêmico que, combinado com as atuais políticas de “guerra ao crime”, resulta em um processo de limpeza social que serve para exterminar setores da sociedade considerados indesejáveis, perigosos e criminosos. Esta é uma questão sistêmica generalizada que exige uma resposta sistêmica e abrangente.

Entre as diversas recomendações emitidas pelo EMLER, é importante evidenciar na luta contra a violência policial com perfilamento racial os seguintes pontos:

  1. Estabelecer por lei um órgão de controle civil nacional da força policial.
  2. Estabelecer o uso obrigatório nacional de câmeras corporais por policiais.
  3. Adotar uma abordagem baseada em direitos humanos para o policiamento.
  4. Acabar com as atuais políticas de “guerra às drogas” e “guerra ao crime” e adotar uma abordagem baseada nos direitos humanos para essas questões.
  5. Adotar uma legislação nacional sobre o uso da força que esteja em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos – particularmente com os princípios de legalidade, precaução, necessidade, proporcionalidade, responsabilidade e não-discriminação, e a obrigação de proteger e respeitar o direito à vida.
  6. Garantir que o perfilamento racial seja claramente definido e proibido por lei, e investigar todas as alegações de perfilamento racial e processar os casos em conformidade.
  7. Garantir a adequada responsabilização em todos os casos de uso excessivo da força e outras violações dos direitos humanos por agentes da lei, inclusive responsabilizando superiores e comandantes de operações, também responsabilizar as agências policiais enquanto instituições, e não apenas as e os oficiais diretamente envolvidos.
  8. Garantir o direito das vítimas a reparações, notadamente através do estabelecimento por lei de um mecanismo independente especializado centrado nas vítimas com suficiente orçamento, especificamente concebido para apoiar indivíduos e comunidades afetadas.

 

 

[1] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/12/04/sp-acumula-casos-de-violencia-policial-recentes-no-ano-mortes-pela-pm-no-estado-aumentaram-46percent.ghtml

Tracie Keesee, Especialista do EMLER, participa de evento na Câmara dos Deputados

Brasil, 01 de novembro de 2024 – No próximo dia 5 de novembro, às 9h, a Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Daiana Santos (PCdoB-RS), realizará o evento “Justiça Racial no Cenário Internacional”. O encontro discutirá o cumprimento, no Brasil, das recomendações do Mecanismo Internacional de Especialistas para o avanço da igualdade e justiça racial, além dos encaminhamentos do Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU e da Conferência da Diáspora Africana, realizada em Salvador no mês de setembro.

O Seminário reunirá entidades políticas nacionais e internacionais, lideranças da sociedade civil e convidados como a Dra. Tracie Keesee, Integrante do Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes da ONU para Promoção da Justiça Racial na Aplicação da Lei (EMLER) e ex-comissária de Diversidade e Inclusão da Polícia de Nova York; a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, a Ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo e a Conselheira Bruna Vieira de Paula, Chefe da Divisão de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores. Elas debaterão sobre boas práticas e os desafios na implementação das recomendações da ONU para promover efetivamente a proteção e promoção dos direitos humanos no Brasil.

Daiana Santos destacou a importância de a Câmara Federal sediar o encontro e convocou a população a participar:

“A realização deste seminário simboliza um compromisso concreto com a luta pela igualdade racial e enfrentamento ao racismo, uma pauta que exige nossa determinação e atenção constante. É fundamental que a população se engaje nesse diálogo, pois somente com a nossa mobilização ativa alcançaremos as mudanças necessárias nas estruturas que perpetuam o racismo e as desigualdades históricas no Brasil e no Mundo.”

Dividido em dois painéis, a primeira mesa intitulada ‘Diálogos intersetoriais sobre recomendações da ONU em pauta raciais’ enfatizará o fortalecimento da participação e a representação das vozes afrodescendentes nas esferas política e social, com a participação da Ministra Macaé Evaristo (MDHC), Lúcia Xavier (Criola), Rodnei Jericó (Raça e Igualdade), Deputada Daiana Santos (CDHMIR), além da convidada internacional Tracie Keesee (EMLER).

O segundo painel, ‘Diálogos sobre o papel do Estado e da Sociedade Civil no cumprimento de recomendações da ONU relativas à pauta racial’, contará com a presença da Ministra Anielle Franco (MIR), Deputada Daiana Santos (CDHMIR), Bruna Vieira de Paula (Itamaraty – MRE), Leonardo Magalhães (Defensoria Pública Geral da União), Maria do Carmo Rebouças dos Santos (Observatório ODS-18/Universidade Federal do Sul da Bahia) e Baba Adailton Moreira (Ilê Axé Omiojuarô). 

Rodnei Jericó, Diretor do Instituto Raça e Igualdade no Brasil, destacou que o evento é uma oportunidade importante para alinhar a agenda de justiça racial promovida pela sociedade civil junto às autoridades brasileiras. A discussão sobre o relatório EMLER e sobre o Comitê CERD sinaliza a retomada dos compromissos democráticos: 

“Diante dos desafios para implementar políticas de direitos humanos, o evento na Câmara dos Deputados busca compartilhar boas práticas nacionais e internacionais e apoiar a implementação efetiva das recomendações dos tratados da ONU.”

O evento é uma parceria entre a Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, Instituto Raça e Igualdade e a Universidade Federal do Sul da Bahia. 

Imunidade aos Militares, Impunidade aos Crimes Estatais: #JustiçaParaJohnatha

Brasil, 03 de outubro de 2024 – Após quase dez anos de espera para o Júri do caso Johnatha, jovem negro periférico assassinado em maio de 2014 na Favela de Manguinhos, cujo crime cometido por um policial militar, foi desqualificado como homicídio culposo, ou seja, quando não há intenção de matar. Essa  decisão, contrária às provas dos autos, levou o Ministério Público a apelar pela nulidade do julgamento. No entanto, o recurso que seria julgado hoje, 03 de outubro de 2024, foi remarcado às vésperas, por ausência de intimação do advogado de defesa.

Raça e Igualdade repudia a morosidade excessiva do Judiciário com o caso, e que corrobora com mais uma violência enfrentada pelos familiares, especialmente por Ana Paula de Oliveira, mãe de Johnatha, que vem a ser revitimizada pelo descaso do sistema de justiça. Ana Paula está essa semana em Genebra, para denunciar a ausência de responsabilidade do Estado pelo ocorrido, a falta de políticas de reparação para os familiares e a criminalização e desumanização da vítima perante as Nações Unidas. Além disso, a mãe de  Johnatha acompanhou o lançamento do relatório do Mecanismo EMLER sobre o Brasil, no qual teve um importante espaço de fala diante dos Especialistas da ONU.

Somente neste ano de 2024, é possível constatar a omissão estatal e Judiciária em vários casos envolvendo vítimas da brutalidade policial.  Além do Johnatha, ocorreu o julgamento do caso João Pedro, que com 14 anos foi baleado por um tiro de fuzil enquanto brincava com os primos na casa de familiares, e, impunentemente, resultou na absolvição dos acusados. Sem esquecer o julgamento do caso da Cláudia, que foi arrastada pela viatura policial após ter sido baleada, e mais uma vez, os acusados foram absolvidos, com a alegação de erro de execução. E também nesta data de hoje, dia 03/10, Kathlen Romeu, que foi baleada grávida, faria 28 anos. Novamente, uma bala de fuzil dilacerando peles negras.

Ressaltamos que o EMLER destaca em seu relatório o racismo sistêmico, que está presente no Estado e no sistema de Justiça Criminal.  Em seus termos enfatiza que “o uso excessivo da força que leva a milhares de mortes todos os anos e o encarceramento excessivo, que afetam desproporcionalmente as pessoas afrodescendentes, são uma consequência do racismo sistêmico que, combinado com as atuais políticas de “guerra ao crime”, resulta em um processo de limpeza social que serve para exterminar setores da sociedade considerados indesejáveis, perigosos e criminosos. Esta é uma questão sistêmica generalizada que exige uma resposta sistêmica e abrangente.” Raça e Igualdade se une às Mães de Manguinhos e a UNARC, para gritar por justiça e por políticas reparatórias para as vítimas e familiares que acabam revivendo constantemente a dor e a violência da perda, passando por violência física e mental sem qualquer amparo estatal.

 

Curso debate cobertura jornalística sobre religiões de matriz africana.

A formação é organizada por Raça e Igualdade, em parceria com a Alma Preta;

Como convidada, Katiuscia Ribeiro, filósofa e pesquisadora, será uma das palestrantes dos encontros virtuais.

 

O curso de formação para jornalistas e estudantes sobre como cobrir temas ligados às religiões de matriz africana ocorre nos dias 12 e 19 de outubro, dois sábados, das 9h às 13h. Organizado pelo Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) em parceria com a Alma Preta, o curso “Racismo Religioso na Mídia: formação para jornalistas e estudantes” é gratuito e as inscrições podem ser feitas aqui até o dia 8 de outubro. 

A formação tem como objetivos centrais apresentar os estereótipos negativos perpetuados pela imprensa acerca dos cultos afro-brasileiros e indicar caminhos de fontes, dados e ângulos de coberturas possíveis sobre o tema. A formação terá momentos de introdução básica sobre o tema, com a apresentação dos princípios das matrizes africanas e afro-brasileiras, e sinalização de locais e pessoas com quem o jornalista pode apurar dados acerca desse segmento social.  

Os encontros terão a participação de pessoas com experiência na área e reconhecimento na sociedade. Katiuscia Ribeiro, pesquisadora de filosofia africana, é uma das participantes do encontro. Outra é Lúcia Xavier, uma das fundadoras da organização de mulheres negras Criola, que abordará sobre as violências contra os terreiros e territórios de matriz africana e analisará as respostas dadas por organizações negras acerca da violência sofrida por esse segmento da sociedade. A formação ainda conta com a presença de Babá Adailton Moreira, Babalorixá do Terreiro Ilê Axé Omiojuarô, em Nova Iguaçu (RJ), e doutorando em bioética pela UFRJ. 

Durante o curso, o jornalista Pedro Borges, um dos fundadores da Alma Preta, apresentará caminhos de apuração para tratar os temas ligados às religiões de matriz africana, crimes de racismo religioso e os cuidados para a não reprodução de estereótipos. Os participantes receberão um certificado de formação ao final do encontro. 

Um dos desdobramentos do curso será a produção de um catálogo de fontes com especialistas e lideranças das religiões de matriz africana. O projeto será desenvolvido pela Alma Preta, com previsão de publicação ainda neste ano.

Organização do curso: 

Raça e Igualdade 

O Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) é uma organização não-governamental internacional que colabora com organizações parceiras e ativistas no Brasil e na América Latina para promover e proteger os direitos humanos de populações marginalizadas, seja por sua origem nacional ou étnica, orientação sexual, identidade de gênero ou pertencimento religioso. 

Desde 2021, Raça e Igualdade desenvolve um projeto de combate ao racismo religioso, focado na capacitação institucional de inúmeras lideranças religiosas de matriz africana no Brasil. O objetivo é, através do protagonismo desses ativistas, defender a plena e completa incorporação dos temas de racismo religioso nos organismos internacionais de defesa de direitos humanos, em coordenação com a promoção de políticas e mobilização comunitária em nível nacional. Além disso, temos em vistas, através da incidência nacional, capacitar nossos parceiros para que possam fomentar uma agenda de políticas públicas que garantam os direitos e as liberdades das religiões de matriz africana. 

Alma Preta 

Criada em 2015, a Alma Preta faz uma cobertura da realidade brasileira a partir do olhar de jornalistas negros e produz conteúdo em diferentes formatos sobre assuntos variados, como segurança, direitos humanos, cultura, comportamento e política. 

A diversidade é um pilar da comunicação da Alma Preta, que produz conteúdos nas plataformas de áudio e vídeo, com foco para diferentes redes sociais. A agência tem uma pluralidade de vozes negras, com pessoas de diferentes regiões do país e diversas orientações sexuais e de gênero. 

 

Datas: 

12 e 19 de outubro, dois sábados, das 9h às 13h.  

Local: 

Plataforma virtual de Zoom. 

Programação: 

12 de Outubro 

Abertura 

João Pedro Araújo – Oficial de Combate ao Racismo Religioso para Raça e Igualdade no Brasil. 

Rodnei Jericó da Silva – Diretor de Raça e Igualdade no Brasil 

Pedro Borges – Co-fundador da Alma Preta. 

Primeira parte 

Gustavo Mello, Babalorixá Ilê Axé Omi Ogun siwajú, localizado no Recôncavo Baiano. 

Baba Adailton Moreira, Babalorixá do Ilê Axé Omiojuaro, no Rio de Janeiro. 

Lúcia Xavier, Coordenadora Geral da ONG Criola 

Segunda parte 

Pedro Borges, jornalista da Alma Preta. 

Thiago Kairu, Baobá – fortificando raízes, abordará a coletânea “Onã: Caminhos para a Transformação” 

 

19 de Outubro 

Abertura 

Carlos Quesada – Diretor Executivo de Raça e Igualdade. 

 Primeira parte 

Katiuscia Ribeiro, filósofa e pesquisadora sobre filosofia africana, XXXXXXX 

Segunda parte 

Paolla Moura – Oficial de Comunicação de Raça e Igualdade.  

Marco Teobaldo – Coordenação de comunicação do Ilê Omolu Oxum e curador do Museu Memorial Iyá Davina. 

Élida Aquino – Coordenadora de Comunicação da ONG Criola. 

Terceira parte 

Daniele Magalhães – Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro e atualmente Coordenadora de Promoção da Equidade racial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (COOPERA).  

Quarta parte 

Pedro Borges, jornalista da Alma Preta. 

Visita da Relatora da ONU sobre Racismo ao Brasil: Racismo Sistêmico e a Violência contra Mulheres de Grupos Raciais e Étnicos são destaques de seu Relatório

Brasil, 23 de agosto de 2024 – “Racismo sistêmico demanda respostas sistêmicas”. Assim enfatizou Ashiwini K.P., Relatora Especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, durante a coletiva de imprensa com as conclusões preliminares sobre sua visita ao Brasil. Entre os dias 05 e 16 de agosto, a Relatora passou por Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro, onde se encontrou com autoridades do poder executivo federal e de governos estaduais, além de diversas organizações do movimento negro, indígena, quilombola e povos romani.

Em preparação à visita, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) junto ao Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), organizou uma capacitação virtual com entidades da sociedade civil para apoiá-las na preparação do documento com recomendações a serem entregues à Relatora. Além disso, a capacitação apresentou o escopo e objetivos da visita com o propósito de orientá-las no diálogo e nas ações de incidência perante este procedimento especial da ONU.

“A visita da Relatora sobre o racismo acontece em um momento importante para o país, afinal, estamos em mais um ano de eleições e de pleitear por políticas públicas interseccionais. Em nossa perspectiva, destacamos a importância de brindar as organizações brasileiras sobre a relação da ONU com o governo, pois a partir do relatório que será apresentado o Estado deve se comprometer a implementar reparações concernentes ao racismo”; destaca Rodnei Jericó da Silva, Diretor de Raça e Igualdade no Brasil.

Conclusões Preliminares: Destaques Importantes

Raça e Igualdade apresenta alguns pontos-chave das conclusões preliminares destacados pela Relatora sobre sua experiência no país, e que serão apresentados no relatório final ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho de 2025. Esse relatório será entregue ao governo brasileiro que, como país signatário da ONU, aceitou a visita oficial como uma forma de avaliação de suas políticas públicas.

Nesse sentido, Ashiwini K.P. ressaltou que identificou pontos positivos em algumas ações do governo, tais como o reconhecimento do racismo como fenômeno sistêmico; a criação do Ministério da Igualdade Racial, do Ministério dos Povos Indígenas, e da Secretaria dos Povos Romani, dentro do Ministério da Igualdade Racial; as propostas sólidas sobre políticas afirmativas; e a existência de uma unidade de saúde na Bahia para tratamento de anemia facilforme. No entanto, a Relatora enfatizou que o progresso no governo caminha a passos lentos, pois, ao reconhecer que o passado colonialista gera uma exclusão de grupos marcados pela violência estrutural, o Brasil deve adotar uma abordagem sistêmica para garantir uma justiça reparatória.

A ausência de dados desagregados foi uma questão apontada como urgente pela Relatora. Com destaque para a ausência de dados sobre os povos romani, pessoas LGBTI+, migrantes, refugiados e pessoas com deficiência, que enfrentam discriminações múltiplas. Aponta também sobre o crescimento de células neonazistas, especialmente em Santa Catarina, onde ela citou que há um apagamento de dados sobre este último tema. Dessa maneira, sublinhou que o Brasil deve garantir que as pesquisas e políticas públicas devem ser apoiadas e consultadas pelos grupos em situação de vulnerabilidade.

Assim, entre as suas propostas está o desenvolvimento de uma Instituição Nacional independente de Direitos Humanos em conformidade com os princípios referentes ao status das instituições nacionais de promoção e proteção dos direitos humanos (os Princípios de Paris), visando o monitoramento e a implementação de medidas antirracistas.

A  Relatora enfatizou que as comunidades indígenas e quilombolas estão à mercê de inúmeros retrocessos capitaneados pelo legislativo e pelo Congresso Nacional. Em suas críticas, ressaltou a morosidade estatal frente ao processo de demarcação territorial destas comunidades; a gravidade da tese do marco temporal; o racismo ambiental como um motor de exclusão e de vulnerabilização; e o descaso em relação à saúde destas populações frente o avanço do garimpo ilegal (agrotóxicos e doenças urbanas). Ainda, expressou sua preocupação com a violência sofrida pelos povos indígenas e quilombolas, destacando o recente caso Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e outros conflitos na Bahia. Assim, a Relatora exortou o governo a tomar uma postura urgente diante da intimidação com os povos indígenas e quilombolas, alertando a gravidade da consequente violência ambiental, e que devem ser tomadas ações mais contundentes, além de ressaltar o compromisso internacional do Brasil perante a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“É necessário um plano nacional coordenado para as questões indígenas e quilombolas, pois a proteção de suas terras é essencial para enfrentarmos a crise climática”, ressaltou Ashiwini K.P.

O entendimento do racismo religioso como uma prática persecutória e reprodutora de violência contra os praticantes de religiões de matriz africana foi um dos destaques de suas conclusões. Nesse sentido, a Relatora citou casos que lhes chegaram através da sociedade civil, como transportes privativos que se recusam a levar pessoas com suas vestimentas religiosas, a perda de guarda de filhos por mulheres de axé, aos ataques físicos organizados aos terreiros. Em seu entendimento, destacou que o Estado permite tais práticas misóginas e racistas e sugeriu que o governo crie um programa de proteção para tratar deste tema.

“Mesmo que haja o Disque 100, a falta de investimento do Estado manda uma mensagem de impunidade e de que o governo não irá tomar nenhuma medida sobre o racismo religioso”, avaliou.

Sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, a Relatora apresentou sua consternação diante da gravidade das ameaças e da brutalidade policial que estes grupos estão expostos. Mesmo reconhecendo a importância da criação do Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta, para elaborar propostas para a Política e o Plano Nacional de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, ela destacou a falta de recursos para direitos humanos e a efetividade dos que já existem. Desse modo, ela exortou o Brasil a implementar as ações sobre o tema feitas pela Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Mary Lawlor, após sua visita ao Brasil, em abril deste ano.

Frente à situação das mulheres negras e as interseccionalidades de gênero, como as mulheres LBT, foi destacado o precário acesso ao sistema de saúde e a violência obstétrica, a questão das trabalhadoras domésticas, a violência sexual e o feminicídio que vitimiza desproporcionalmente estas mulheres; com isso, ponderou a necessidade de uma orientação psicológica como política pública governamental. A Relatora demonstrou muita preocupação com os dados apresentados que comprovam que mulheres negras estão mais expostas ao feminicídio, destacando a violência que ocorre com mulheres negras lésbicas e transexuais. Ademais, a criminalização do aborto foi observada na sua avaliação, além das barreiras enfrentadas por mulheres que buscam até mesmo o aborto legal, em conformidade com o Código Penal. Nesse sentido, ela enfatizou a preocupação com a Proposta de Emenda Constitucional 1904/2024, que aumenta para até 20 anos de prisão as penas para as mulheres que realizarem aborto. Nesse ponto, foi destacada a importância do Governo implementar as recomendações do Comitê CEDAW, que avaliou o Brasil esse ano, para descriminalizar o aborto e garantir o acesso seguro para todas, respeitando os direitos e a autonomia corporal das mulheres. No que tange a economia do cuidado, observou também a exploração econômica sofrida pelas trabalhadoras domésticas.

Sobre a violência policial, a Relatora abordou que são especialmente mães afrodescendentes que perdem os seus filhos em razão da brutalidade policial, e que além de vítimas, estas também são criminalizadas.  Por isso, seu relatório terá um ponto importante em que se devem tomar medidas mais efetivas frente ao sistema carcerário e, mesmo reconhecendo que o uso de câmeras policiais seja um passo importante para uma política de segurança antirracista, sinalizou que há relatos de que essas câmeras não são utilizadas e que medidas de perfilamento racial estão sendo utilizadas pelo governo sem base científica. Desta forma, instou o governo a criar leis para o uso da inteligência artificial para que não seja utilizada de forma racista.

A Relatora também destacou a segregação espacial especialmente nos grandes centros, ocupadas majoritariamente por pessoas afrodescendentes, e que possuem acesso precários à infraestrutura. Ademais, evidenciou a falta de apoio às pessoas sem moradia.

O avanço da extrema direita e o crescimento de células neonazistas foi um dos pontos de extrema preocupação da Relatora, que salientou que há uma negação do estado de Santa Catarina sobre esses grupos e que devem ser implementadas políticas de cotas e ações afirmativas que empoderem a legislação local para combater o negacionismo. A partir desse viés, ressaltou também sua inquietação sobre a falta de esforços do legislativo brasileiro diante de projetos de lei que visam retroceder alguns dos direitos já conquistados.

Por fim, expressou preocupação com o crescimento da violência política de gênero e do discurso de ódio, e instou o governo a tomar passos cuidadosos nesta seara. Ressaltou que a baixa representatividades dos grupos em situação de vulnerabilidade em espaços de tomada de decisão é um reflexo do racismo sistêmico integeracional. Ademais, essa falta de representatividade também pode ser constatada dentro do judiciário.

Raça e Igualdade agradece o apoio e interesse de Ashiwini K.P., no comprometimento de sua relatoria para fomentar ações antirracistas e de justiça racial ao Estado brasileiro. Destacamos como um importante valor o reconhecimento do racismo religioso como prática racista e discriminatória perante a um mecanismo internacional de direitos humanos. Seguimos na luta pela defesa e garantia dos direitos humanos para o enfrentamento das desigualdades estruturadas pelo sistema racista. É urgente que o Estado brasileiro se comprometa com as demandas da sua população por justiça e equidade. Um governo cuja proposta é “União e Reconstrução” deve ter a reparação histórica como prioridade.

Sendo assim, compartilhamos algumas das recomendações entregues à Relatora sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata pelas organizações brasileiras:

  • Aprimoramento de políticas públicas de acesso à assistência jurídica e serviços de apoio as vítimas de violência doméstica e familiar, a partir do levantamento dos casos registrados nos últimos anos, com o objetivo de amparar e proteger as mulheres vítimas de violência e racismo (em especial o racismo religioso), entre outras ações a serem indicadas, a partir da colaboração de grupos feministas, lideranças religiosas, gestores públicos e especialistas no tema.
  • Exigir a implementação da Política Nacional de Saúde para a População LGBTI+ por meio da criação de equipamentos de saúde especializados para atender às demandas de alta complexidade demandas de alta complexidade na saúde das mulheres lésbicas;
  • Recomendar ao Estado brasileiro que resolva efetivamente todas as barreiras à justiça enfrentadas pelas vítimas de crimes racistas, acelerando os processos judiciais, revisando os padrões de provas para fortalecer a responsabilização por atos discriminatórios e monitorar as disparidades raciais no acesso à justiça, especialmente para mulheres afrodescendentes e pessoas LGBTI+.
  • Pleitear que o Estado brasileiro busque implementar devidamente medidas de reparação para as vítimas e familiares afetados pela violência do Estado, o que deve incluir suporte psicológico, assistência médica e compensação financeira, além outras que forem necessárias na análise do caso em concreto.
  • Assegurar que o Estado brasileiro também cumpra as recomendações elaboradas pelos Comitês CERD e CEDAW, órgãos de tratados que recentemente revisaram o país, e pontuaram preocupações semelhantes.
  • Recomendar a participação política dos povos indígenas e das comunidades quilombolas no desenvolvimento de políticas públicas que afetam seus territórios e nas políticas de defesa ambiental. Outrossim, instar o Estado brasileiro pela garantia da demarcação e titulação das terras quilombolas e indígenas, além de rechaçar a tese do Marco Temporal.

Conheça os temas prioritários da Relatora da ONU sobre Racismo, Ashiwini K.P., em sua visita ao Brasil

Brasil, 07 de agosto de 2024 – Entre os dias 5 e 16 de agosto, a Relatora Especial da ONU sobre formas contemporâneas de Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, Sra. Ashiwini K.P., realiza uma visita oficial ao Brasil. Em sua agenda, estão previstas reuniões fechadas com autoridades do poder executivo federal e de governos estaduais. Ademais, a Relatora se reunirá com a sociedade civil em diversas regiões do país, que contemplam as cidades de Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro.

O objetivo destes encontros é, através de uma escuta atenta sobre as problemáticas raciais, captar informações e recomendações concretas para subsidiar o relatório público que será emitido pela Relatora com o resumo de sua visita, e apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho de 2025.

Salientamos que esta visita acontece em um momento oportuno, tendo em vista as crescentes ocorrências e denúncias de violações de direitos humanos no país, sobretudo em face das populações mais vulnerabilizadas, nas quais o espectro racial e discriminatório lhes vitimizam e revitimizam na ausência de seus direitos básicos.

Raça e Igualdade destaca os temas propostos pela sociedade civil que contemplam a agenda da Relatora: (i) Racismo e Gênero; (ii) Racismo e população LGBTQIA+; (iii) Acesso à justiça e privação de liberdade; (iv) Racismo e comunidades romanis; (v) Racismo ambiental e comunidades tradicionais; (vi) Racismo e população negra; (vii) Racismo, justiça e política de drogas; (viii) Racismo e comunidades quilombolas; (ix) Racismo e Povos Indígenas; (x) Racismo religioso; (xi) Memória.

Os temas acima propostos possuem interface direta com o racismo, e os dados de instituições públicas brasileiras, como o IBGE e IPEA, confirmam este diagnóstico. Ressaltamos que os dados produzidos por organizações da sociedade civil, também trazem à luz as múltiplas discriminações que reproduzem a violência do racismo nas populações de terreiro e LGBTI+. Portanto, o racismo em face das religiões de matriz africana é um tema que consideramos relevante a ser considerado em seu relatório sobre o país.

Além disso, ressaltamos a pertinência da inclusão dos povos quilombolas e indígenas, haja visto que a atenção sobre a questão territorial destas comunidades se faz urgente, pois o debate sobre o marco temporal e a não titulação de terras quilombolas por todo o território nacional, vem ocasionando um número crescente de mortes por interesses do agronegócio.

Desta forma, Raça e Igualdade tem por perspectiva de que a visita de Ashiwini K.P.,  reverbere em uma postura proativa e reparatória do Estado brasileiro em lidar e pensar em formas mais efetivas de combate ao racismo em suas diversas vertentes.

“PROTEJA SEUS DIREITOS”: a campanha que busca proporcionar ferramentas pedagógicas que ajudem a reduzir a violência contra os defensores do meio ambiente na região

Brasil, 18 de junho de 2024 –  O Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) se uniu à American Bar Association – ABA ROLI e diversos grupos de organizações da sociedade civil [1] que trabalham pelos direitos dos Defensores Ambientais (DE) na América Latina, para lançarem a campanha “PROTEJA SEUS DIREITOS”. Esta iniciativa faz parte do Programa de Apoio aos Defensores do Meio Ambiente na América Latina e tem como objetivo contribuir para a redução da violência contra os DE na região amazônica da Colômbia, Equador, Bolívia, Brasil, Venezuela e Peru; fornecendo ferramentas pedagógicas que promovam o fortalecimento das capacidades das organizações da sociedade civil e DE, para acessar os sistemas de justiça a fim de promover e proteger os direitos humanos através do trabalho de incidência e litígio estratégico a nível regional e internacional.

A América Latina é conhecida por sua diversidade biológica em nível mundial, mas também é uma das regiões mais perigosas para os defensores do meio ambiente. Segundo o relatório da Global Witness [2], em 2022, 88% dos assassinatos a nível mundial ocorreram na América Latina, com a Colômbia liderando o ranking mundial com 60 assassinatos. No Brasil, 34 defensores do meio ambiente perderam a vida, em comparação com os 26 de 2021. (incluir 6 países).

No âmbito de seu programa regional, ABA ROLI promove o fortalecimento das capacidades regionais para realizar intervenções coordenadas que respondam, protejam e previnam violações dos direitos humanos dos Defensores Ambientais na região amazônica. Através do programa de Apoio aos Defensores Ambientais na América Latina, ABA ROLI está implementando atividades para fortalecer as capacidades dos DE em responsabilizar o setor privado e os governos pelo cumprimento das leis ambientais, assim como na proteção e prevenção de violações dos direitos humanos contra os DE. Além disso, busca-se promover a implementação dos compromissos estabelecidos em acordos regionais e internacionais.

Graças à experiência coletiva e ao trabalho existente da ABA ROLI na região, os defensores e suas redes de organizações da sociedade civil foram incluídos no fortalecimento de suas capacidades em litígio estratégico, incidência e estratégias de autoproteção. A população-alvo do programa tem um foco interseccional que inclui principalmente mulheres defensoras, pessoas agricultoras, afrodescendentes, indígenas e/ou pessoas em situação de deficiência, assim como jovens (a partir de 16 anos) e pessoas LGBTQI+ e OSC que trabalham com defensores do meio ambiente.

 

 [1] Amazonia mía, Asociacion Civil Kape-Kape, Arayara, Carita, CONAINE,  Comunidad de Juristas Akubadaura, Derechos Humanos y Medio Ambiente (Dhuma), Encontro das Juventudes por Escazú 2024, ERI – EarthRights International, Guardián Amazónico,  La Paz querida, Observatorio DDHH y Justicia de Ecuador, Universal Rights Grou, Instituto Raça e Igualdade – Brasil, Terra de Direitos.

[2]  incluir detalhes do relatório. https://www.globalwitness.org/es/standing-firm-es/

 

 

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