Memória Trans: TGEU registra um dos maiores números de assassinatos de pessoas trans no mundo

Memória Trans: TGEU registra um dos maiores números de assassinatos de pessoas trans no mundo

O Observatório de Pessoas Trans Assassinadas da TGEU alerta que esse aumento está ocorrendo em um contexto de avanço de movimentos antidemocráticos e transfóbicos.

Washington DC, 20 de novembro de 2024 – Hoje, no Dia Internacional da Memória Transgênero, o Instituto de Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) enfatiza a urgência de pressionar por ações concretas para erradicar os crimes de ódio em todo o mundo. Neste ano, a Unidade de Monitoramento de Assassinatos Trans (TMM) da Transgender Europe and Central Asia (TGEU) registrou o maior número de assassinatos de pessoas trans e de gênero diverso em sua história.

[1]Entre 1º de outubro de 2023 e 30 de setembro de 2024, foram registrados 350 assassinatos em todo o mundo, sendo a América Latina e o Caribe a região mais crítica, responsável por 70% dos assassinatos. Infelizmente, pelo 17º ano consecutivo, o Brasil tem a maior porcentagem de assassinatos na região (30%).

Além disso, a TGEU relata que, do total, 94% das vítimas eram mulheres trans negras ou pardas e a maioria eram profissionais do sexo trans (46%).

Avanço antidemocrático e transfóbico

Como as organizações de direitos humanos da sociedade civil da região vêm denunciando, esse aumento é o reflexo do contexto global de fortalecimento de movimentos antigênero e antidireitos que promovem agendas políticas antidemocráticas e transfóbicas. A desinformação, a impunidade com que o discurso de ódio é propagado e a falta de uma legislação sólida para prevenir, punir e implementar medidas de não repetição, são algumas das causas.

Nesse sentido, Raça e Igualdade convoca os Estados a cumprirem suas obrigações internacionais e, consequentemente, a adotarem medidas urgentes e concretas para garantir a integridade das pessoas transgênero. A seguir, apresentamos algumas recomendações em consonância com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e as Nações Unidas:

  • Adotar leis e políticas que facilitem a modificação do componente “nome”, “sexo” ou “gênero” em documentos oficiais de identificação para pessoas trans e com diversidade de gênero, a fim de garantir o reconhecimento legal de acordo com os padrões do Parecer Consultivo 24/17.
  • Coletar sistematicamente dados sobre violência e assassinatos contra pessoas trans e de gênero diverso, desagregados por identidade de gênero, orientação sexual, identidade étnico-racial e idade.
  • Ter uma política pública voltada para o gênero nas investigações de violência e assassinatos contra pessoas trans e de gênero diverso, com respeito ao nome social e à identidade da pessoa, bem como o estabelecimento de garantias de não repetição.
  • Monitorar e sancionar publicamente os discursos transfóbicos reproduzidos em instituições públicas e privadas e na mídia que apelam para a discriminação e a violência contra a população trans e de gênero diverso.
  • Promover, por meio de instituições e canais oficiais, uma campanha de educação e conscientização sobre orientação sexual e identidade de gênero entre a população em geral, funcionários públicos e pessoal do serviço público, com o objetivo de gerar um contexto de reconhecimento e respeito pela integridade e vida das pessoas trans e de gênero diverso.

Raça e Igualdade continuará a promover e defender os direitos humanos das pessoas trans e de gênero diverso, apoiando sua defesa nacional e internacional, pesquisa, disseminação e modificação de componentes em seus documentos de identidade. É extremamente urgente e necessário que trabalhemos juntos para que as vozes dessas pessoas sejam ouvidas em alto e bom som.

[1] Trans Murder Monitoring (TMM) 2023 da Transgender Europe (TGEU). Disponível em https://tgeu.org/files/uploads/2024/11/TGEU-TMM-TDoR2024-Table-2.pdf

Diante da ascensão da extrema-direita na América Latina, lideranças afrodescendentes, indígenas e LGBTI+ participaram de reuniões de advocacy em Washington D.C.

Washington D.C., 16 de outubro de 2024 – Diante da crescente influência de movimentos de extrema-direita e do preocupante avanço de agendas racistas e xenofóbicas na América Latina e no Caribe, uma delegação de lideranças afrodescendentes, indígenas e LGBTI+, liderada pelo Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), realizou reuniões importantes de advocacy em Washington D.C., com o Congresso Norte-Americano, o Departamento de Estado e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Durante as reuniões, a delegação apresentou soluções e perspectivas críticas para problemas como a discriminação racial e de gênero, a brutalidade policial e a falta sistemática de acesso a serviços essenciais como a saúde e a educação.

A delegação também apresentou recomendações para promover a formulação e a integração de políticas mais inclusivas e equitativas em tratados-chave, como o Plano de Ação Conjunta Brasil-EUA para Eliminar a Discriminação Racial e Étnica e Promover a Igualdade (JAPER), o Plano para a Eliminação da Discriminação Racial nas Américas (CAPREE) e a Declaração da Parceria Norte-Americana para a Equidade e a Justiça Racial. 

Durante as reuniões, Mauricio Ye’kwana, Diretor Executivo da Hutukara Associação Yanomami, abordou a crise de violência enfrentada pelos territórios indígenas no Brasil, destacando as constantes ameaças da mineração ilegal e a falta de reconhecimento governamental de suas terras ancestrais. Ye’kwana apontou a negligência do governo em protegê-los e a impunidade em torno dos assassinatos de líderes indígenas. Alertou também para o preocupante recrutamento de jovens indígenas por grupos armados, o que enfraquece a coesão comunitária. Além disso, fez um apelo urgente à representação indígena em fóruns internacionais como a Conferência das Partes da ONU (COP), sublinhando a necessidade de reconhecer os povos indígenas como guardiões essenciais do ambiente.

Bruna Benevides, Presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), no Brasil, descreveu as violações dos direitos humanos enfrentadas pelas mulheres trans, especialmente as mulheres trans negras. Benevides salientou que o componente racial do transfeminicídio está profundamente enraizado na sociedade brasileira e que as mulheres trans negras são desproporcionalmente afetadas pela violência e pela exclusão. Ela também enfatizou a falta de representação das pessoas trans nos movimentos antirracistas e que a invisibilização de suas questões dentro dos espaços LGBTI+ é uma preocupação fundamental. 

Lucia Xavier, Coordenadora Geral da Criola (Brasil) alertou para uma onda conservadora que tem assolado o Brasil e aumentado significativamente a violência contra as mulheres negras, tanto cis como trans, que enfrentam múltiplas barreiras no acesso a recursos básicos devido a políticas de financiamento discriminatórias. Xavier ressaltou a importância de uma maior representatividade política das mulheres negras, assim como políticas públicas efetivas que protejam seus direitos e promovam seu Bem-Viver.

Maria Martinez, do Movimiento Socio-Cultural de los Trabajadores Haitianos (MOSCTHA), denunciou a constante ameaça de expulsão e a brutalidade policial sofrida pelos migrantes haitianos na República Dominicana. A recente política do governo dominicano de deportar 10.000 haitianos por semana agravou a discriminação e o racismo estrutural já sofridos por estas comunidades, sendo as mulheres haitianas particularmente vulneráveis à violência de gênero. Martínez explicou ainda que a falta de reconhecimento civil e a apatridia excluem estas pessoas do acesso a serviços básicos como a saúde e a educação. 

Erlendy Cuero, vice-presidente da Asociación Nacional de Afrocolombianos Desplazados (AFRODES) na Colômbia, alertou para a situação dos jovens afrodescendentes na Colômbia, particularmente afetados pela violência e pelo conflito armado. A discriminação racial por parte das forças de segurança resultou num aumento alarmante de homicídios e desaparecimentos forçados de jovens afro-colombianos, que são frequentemente estigmatizados e tratados como suspeitos apenas devido à cor da sua pele. 

Sandra Arizabaleta, Diretora da Fundación Afrodescendiente por las diversidades sociales y sexuales  “Somos Identidad” (Colômbia) explicou como a polarização política na Colômbia tem exacerbado a violência e a discriminação contra os afrodescendentes e as pessoas LGBTI+. Para Arizabaleta, é urgente criar políticas públicas que abordem efetivamente a interseccionalidade entre raça, gênero e orientação sexual, algo que está  ausente no discurso político colombiano. Ela também denunciou a violência que ainda persiste por parte de grupos armados contra essas populações vulneráveis.

Cecilia Ramirez, Diretora Executiva do Centro para el Desarrollo de la Mujer Negra Peruana (CEDEMUNEP), no Peru, explicou que o plano de desenvolvimento afro-peruano, concebido para melhorar as condições destas comunidades, estagnou devido à falta de recursos financeiros e de apoio técnico. Ramirez sublinhou ainda que o racismo estrutural continua a ser um obstáculo ao progresso socioeconômico dos afrodescendentes no Peru, que continuam a ter os piores indicadores. Propôs a implementação de cotas étnico-raciais para assegurar a representação política dos afrodescendentes e dos povos indígenas e sublinhou a necessidade de processos de autoidentificação mais inclusivos que tenham em conta tanto o gênero como a etnia.

Patricia Torres Sandoval, representante do Enlace Continental de Mujeres Indígenas de las Américas (ECMIA), centrou a sua intervenção na violência contra as mulheres e jovens mulheres indígenas, salientando que esta situação é agravada pela violência estrutural decorrente do racismo, da pobreza e do colonialismo. Sublinhou também o impacto devastador das atividades extrativistas na região, que não só causam destruição ambiental, como também aprofundam a pobreza e a exclusão social das comunidades indígenas, intensificando a violência contra as mulheres. Torres sublinhou que a falta de vontade política e a aplicação ineficaz dos acordos internacionais contribuem para a marginalização e exclusão destas comunidades, o que exige uma atenção urgente e sustentada.

Por último, estas lideranças apresentaram uma série de recomendações fundamentais às autoridades, centradas no reforço da representação, na promoção de políticas inclusivas e na garantia da responsabilização:

  • Financiar programas que promovam a liderança afro-latina, indígena e LGBTI+. 
  • Fomentar alianças entre organizações de direitos humanos de base nos EUA e na América Latina para reforçar suas capacidades e visibilidade. 
  • Incentivar os governos latino-americanos a adotar legislação que proteja as populações marginalizadas e promova políticas antirracistas e anti-homofóbicas. 
  • Assegurar que acordos como o JAPER e o CAPREE abordem ativamente a violência sofrida por estas comunidades.
  • Reforçar o controle do financiamento internacional para garantir que os recursos cheguem aos grupos em situação de vulnerabilidade. 
  • Facilitar o diálogo entre os governos e a sociedade civil para melhorar a transparência no controle dos direitos humanos e garantir a responsabilização dos responsáveis por abusos.

Raça e Igualdade apoia firmemente estas recomendações e reafirma o seu compromisso de continuar a acompanhar estes líderes na promoção das suas vozes nos espaços governamentais e em outros espaços de defesa.  Seguiremos no trabalho da documentação das violações dos direitos humanos e na elaboração de propostas que promovam sociedades mais inclusivas, equitativas e respeitosas.

Reconhecimento e visibilidade bissexual: obstáculos enfrentados por pessoas bissexuais

Washington DC, 23 de setembro de 2024 – Como todos os anos, o Dia Internacional da Visibilidade Bissexual oferece uma oportunidade, em nível global, para o reconhecimento da identidade bissexual como parte importante da diversidade sexual e de gênero. O Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) valoriza e homenageia os defensores dos direitos humanos bissexuais que contribuem para a visibilidade bissexual, desafiando binarismos e estigmas e abordando as barreiras que limitam a igualdade de acesso às oportunidades e ao exercício de seus direitos fundamentais.

Apesar dos avanços na luta pelos direitos LGBTI+, as pessoas bissexuais continuam enfrentando discriminação e violência em diversas áreas de suas vidas, desde o acesso a cargos públicos até o atendimento no setor de saúde; sofrem bullying nas escolas e enfrentam dificuldades em serem reconhecidas em espaços da luta ativista.

Obstáculos ao acesso a cargos públicos

Pessoas bissexuais muitas vezes confrontam-se com uma notável falta de representação em cargos públicos. Esse déficit perpetua a invisibilidade e os estereótipos negativos que afetam suas vidas. A percepção de que a bissexualidade é uma “fase” ou uma identidade menos legítima do que outras contribui para a exclusão de pessoas bissexuais dos espaços de defesa e tomada de decisão. Liandra Paz, Coordenadora do projeto Escola de Formação Crítica Majorie Marchi do grupo Conexão G de Cidadania LGBT em favelas do Brasil, nos trouxe um exemplo: “Uma pessoa bissexual que ocupou um cargo público foi Marielle Franco, uma vereadora do Rio de Janeiro, cuja orientação sexual é muitas vezes erroneamente reduzida à de uma mulher lésbica, mesmo sendo uma mulher bissexual. Marielle é constantemente referida como lésbica, refletindo a dificuldade que a sociedade tem em reconhecer a complexidade e a legitimidade das identidades bissexuais. Após sua morte, a própria família de Marielle reivindicou publicamente sua bissexualidade, lutando contra a eliminação dessa parte fundamental de sua identidade.”

Essa falta de representação acaba exacerbando as barreiras estruturais e limitando a capacidade das pessoas bissexuais de defender políticas específicas. “Por isso, a luta pela visibilidade bissexual, tanto no espaço político quanto na sociedade em geral, é vital. A representação de parlamentares como Marielle Franco não só amplia o escopo das políticas públicas voltadas para os direitos LGBTI+, como também enfrenta diretamente a eliminação sistemática da bissexualidade”, concluiu.

Desafios no setor da saúde

“Quando se trata de prevenção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis, a educação e os recursos disponíveis muitas vezes não são adaptados às nossas realidades; quando peço rotineiramente exames de saúde sexual, presume-se que isso seja porque sou bissexual, o que significa para eles ‘ser promíscua’. Honestamente, prefiro ler e procurar informações de minha parte; e me poupar do momento difícil ou de me sentir discriminada na frente de um estranho sobre minha orientação sexual”, disse Ana Gómez, uma ativista bissexual independente da Colômbia.

Na região, os profissionais de saúde muitas vezes carecem de treinamento adequado para atender às necessidades específicas das pessoas bissexuais, e a pesquisa em saúde exclui suas experiências, como observado em uma declaração de 2018 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e de especialistas em direitos humanos das Nações Unidas, impossibilitando a compreensão do tema. Como resultado, as pessoas bissexuais têm cuidados inadequados, diagnósticos incorretos, falta de compreensão e sofrem discriminação e abuso. O acesso e a qualidade dos cuidados no setor da saúde são áreas críticas que os Estados ainda precisam trabalhar para melhorar.

“Embora a saúde seja um direito constitucional na Colômbia, na prática, o acesso a serviços de qualidade tornou-se um privilégio. (…) para quem vive em áreas rurais, essas situações são ainda mais complicadas: enfrentam maiores barreiras de acesso e uma estigmatização tão forte que muitas vezes não há espaço ou energia para se identificar como bissexual”, completou Ana. Desse modo, esse contexto não apenas coloca em risco a saúde física e mental das pessoas bissexuais, mas também perpetua a desigualdade.

Bullying bifóbico nas escolas

O bullying de estudantes que se identificam como bissexuais é expresso com comentários depreciativos, humilhação, exclusão e agressão psicológica e física, o que não só impacta negativamente o bem-estar emocional e acadêmico, mas também contribui para uma cultura de silêncio e medo que reforça a invisibilidade. “É muito importante incluir experiências bissexuais e ser mencionado em currículos e conversas acadêmicas. Educar sobre a diversidade sexual e de gênero, que não tem nada a ver com monossexualidade”, disse Fhran Medina, advogado bissexual da Fraternidad Trans Masculina Perú.

Portanto, é essencial que os Estados adotem políticas nacionais para garantir que crianças, adolescentes e jovens, independentemente da orientação sexual, possam aprender e se desenvolver em um ambiente seguro e respeitoso.

Barreiras em espaços de ativismo e luta social

Em muitos casos, depois de fugir de casa para preservar sua integridade física e mental, as pessoas bissexuais buscam refúgio em espaços LGBTI+ organizados, disse-nos Cristiana Huerta, Presidente da Associação Feminista Las Malcriadas, na Nicarágua; no entanto, descobrem que não são totalmente compreendidos devido ao binário de gênero. E assim, são frequentemente excluídos ou minimizados por suas contribuições dentro dos movimentos LGBTI+ devido à crença de que sua identidade não é “relevante o suficiente”.

A editora cubana, Karla Ma. Pérez González, concorda: “as pessoas bissexuais, como em muitos outros países, são invisíveis e se perdem na sigla LGBTI+. Eu teria que dizer que nos últimos anos houve uma mudança social notável nas atitudes em relação às pessoas LGBTI+.” Além disso, ela destacou que o governo cubano tomou algumas iniciativas, mas apenas para limpar sua imagem em nível internacional e não há interesse real em mudar paradigmas. “A discriminação ainda é algo que acontece diariamente e não podemos esquecer a história repressiva do regime em relação aos dissidentes sexuais”, destacou.

Essa falta de reconhecimento limita a capacidade das pessoas bissexuais de influenciar a agenda LGBTI+, posicionar suas demandas e estratégias no ativismo. Por isso, em Raça e Igualdade, acreditamos que somente a representação e a participação autêntica da diversidade bissexual em espaços de articulação e luta pelos direitos humanos alcançarão um progresso real em direção à equidade.

Recomendações para os Estados

Para enfrentar os desafios e garantir os direitos das pessoas bissexuais, retomamos algumas recomendações que as Nações Unidas fizeram aos Estados:

  1.       Investigar e processar atos de violência, tortura e maus-tratos cometidos contra pessoas bissexuais e aqueles que defendem seus direitos, e fornecer reparações às vítimas de tais atos.
  2.       Aumentar a conscientização entre os profissionais de saúde e garantir que as pessoas bissexuais e suas famílias tenham acesso a serviços de saúde seguros e não discriminatórios que levem em consideração seus interesses específicos.
  3.       Aumentar a conscientização sobre a bissexualidade por meio do sistema educacional e dissipar estereótipos e preconceitos negativos por meio de campanhas de conscientização pública.
  4.       Garantir que as pessoas bissexuais e as organizações bissexuais sejam consultadas no desenvolvimento de pesquisas e no desenvolvimento de legislação e políticas que afetem seus direitos e que sua participação em tais processos seja incentivada.

5.       Apoiar pesquisas que gerem dados desagregados sobre a situação específica das pessoas bissexuais, por exemplo, no que diz respeito à pobreza, emprego, moradia, saúde, educação e acesso a serviços públicos.

Visita da Relatora da ONU sobre Racismo ao Brasil: Racismo Sistêmico e a Violência contra Mulheres de Grupos Raciais e Étnicos são destaques de seu Relatório

Brasil, 23 de agosto de 2024 – “Racismo sistêmico demanda respostas sistêmicas”. Assim enfatizou Ashiwini K.P., Relatora Especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, durante a coletiva de imprensa com as conclusões preliminares sobre sua visita ao Brasil. Entre os dias 05 e 16 de agosto, a Relatora passou por Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro, onde se encontrou com autoridades do poder executivo federal e de governos estaduais, além de diversas organizações do movimento negro, indígena, quilombola e povos romani.

Em preparação à visita, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) junto ao Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), organizou uma capacitação virtual com entidades da sociedade civil para apoiá-las na preparação do documento com recomendações a serem entregues à Relatora. Além disso, a capacitação apresentou o escopo e objetivos da visita com o propósito de orientá-las no diálogo e nas ações de incidência perante este procedimento especial da ONU.

“A visita da Relatora sobre o racismo acontece em um momento importante para o país, afinal, estamos em mais um ano de eleições e de pleitear por políticas públicas interseccionais. Em nossa perspectiva, destacamos a importância de brindar as organizações brasileiras sobre a relação da ONU com o governo, pois a partir do relatório que será apresentado o Estado deve se comprometer a implementar reparações concernentes ao racismo”; destaca Rodnei Jericó da Silva, Diretor de Raça e Igualdade no Brasil.

Conclusões Preliminares: Destaques Importantes

Raça e Igualdade apresenta alguns pontos-chave das conclusões preliminares destacados pela Relatora sobre sua experiência no país, e que serão apresentados no relatório final ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho de 2025. Esse relatório será entregue ao governo brasileiro que, como país signatário da ONU, aceitou a visita oficial como uma forma de avaliação de suas políticas públicas.

Nesse sentido, Ashiwini K.P. ressaltou que identificou pontos positivos em algumas ações do governo, tais como o reconhecimento do racismo como fenômeno sistêmico; a criação do Ministério da Igualdade Racial, do Ministério dos Povos Indígenas, e da Secretaria dos Povos Romani, dentro do Ministério da Igualdade Racial; as propostas sólidas sobre políticas afirmativas; e a existência de uma unidade de saúde na Bahia para tratamento de anemia facilforme. No entanto, a Relatora enfatizou que o progresso no governo caminha a passos lentos, pois, ao reconhecer que o passado colonialista gera uma exclusão de grupos marcados pela violência estrutural, o Brasil deve adotar uma abordagem sistêmica para garantir uma justiça reparatória.

A ausência de dados desagregados foi uma questão apontada como urgente pela Relatora. Com destaque para a ausência de dados sobre os povos romani, pessoas LGBTI+, migrantes, refugiados e pessoas com deficiência, que enfrentam discriminações múltiplas. Aponta também sobre o crescimento de células neonazistas, especialmente em Santa Catarina, onde ela citou que há um apagamento de dados sobre este último tema. Dessa maneira, sublinhou que o Brasil deve garantir que as pesquisas e políticas públicas devem ser apoiadas e consultadas pelos grupos em situação de vulnerabilidade.

Assim, entre as suas propostas está o desenvolvimento de uma Instituição Nacional independente de Direitos Humanos em conformidade com os princípios referentes ao status das instituições nacionais de promoção e proteção dos direitos humanos (os Princípios de Paris), visando o monitoramento e a implementação de medidas antirracistas.

A  Relatora enfatizou que as comunidades indígenas e quilombolas estão à mercê de inúmeros retrocessos capitaneados pelo legislativo e pelo Congresso Nacional. Em suas críticas, ressaltou a morosidade estatal frente ao processo de demarcação territorial destas comunidades; a gravidade da tese do marco temporal; o racismo ambiental como um motor de exclusão e de vulnerabilização; e o descaso em relação à saúde destas populações frente o avanço do garimpo ilegal (agrotóxicos e doenças urbanas). Ainda, expressou sua preocupação com a violência sofrida pelos povos indígenas e quilombolas, destacando o recente caso Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e outros conflitos na Bahia. Assim, a Relatora exortou o governo a tomar uma postura urgente diante da intimidação com os povos indígenas e quilombolas, alertando a gravidade da consequente violência ambiental, e que devem ser tomadas ações mais contundentes, além de ressaltar o compromisso internacional do Brasil perante a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“É necessário um plano nacional coordenado para as questões indígenas e quilombolas, pois a proteção de suas terras é essencial para enfrentarmos a crise climática”, ressaltou Ashiwini K.P.

O entendimento do racismo religioso como uma prática persecutória e reprodutora de violência contra os praticantes de religiões de matriz africana foi um dos destaques de suas conclusões. Nesse sentido, a Relatora citou casos que lhes chegaram através da sociedade civil, como transportes privativos que se recusam a levar pessoas com suas vestimentas religiosas, a perda de guarda de filhos por mulheres de axé, aos ataques físicos organizados aos terreiros. Em seu entendimento, destacou que o Estado permite tais práticas misóginas e racistas e sugeriu que o governo crie um programa de proteção para tratar deste tema.

“Mesmo que haja o Disque 100, a falta de investimento do Estado manda uma mensagem de impunidade e de que o governo não irá tomar nenhuma medida sobre o racismo religioso”, avaliou.

Sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, a Relatora apresentou sua consternação diante da gravidade das ameaças e da brutalidade policial que estes grupos estão expostos. Mesmo reconhecendo a importância da criação do Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta, para elaborar propostas para a Política e o Plano Nacional de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, ela destacou a falta de recursos para direitos humanos e a efetividade dos que já existem. Desse modo, ela exortou o Brasil a implementar as ações sobre o tema feitas pela Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Mary Lawlor, após sua visita ao Brasil, em abril deste ano.

Frente à situação das mulheres negras e as interseccionalidades de gênero, como as mulheres LBT, foi destacado o precário acesso ao sistema de saúde e a violência obstétrica, a questão das trabalhadoras domésticas, a violência sexual e o feminicídio que vitimiza desproporcionalmente estas mulheres; com isso, ponderou a necessidade de uma orientação psicológica como política pública governamental. A Relatora demonstrou muita preocupação com os dados apresentados que comprovam que mulheres negras estão mais expostas ao feminicídio, destacando a violência que ocorre com mulheres negras lésbicas e transexuais. Ademais, a criminalização do aborto foi observada na sua avaliação, além das barreiras enfrentadas por mulheres que buscam até mesmo o aborto legal, em conformidade com o Código Penal. Nesse sentido, ela enfatizou a preocupação com a Proposta de Emenda Constitucional 1904/2024, que aumenta para até 20 anos de prisão as penas para as mulheres que realizarem aborto. Nesse ponto, foi destacada a importância do Governo implementar as recomendações do Comitê CEDAW, que avaliou o Brasil esse ano, para descriminalizar o aborto e garantir o acesso seguro para todas, respeitando os direitos e a autonomia corporal das mulheres. No que tange a economia do cuidado, observou também a exploração econômica sofrida pelas trabalhadoras domésticas.

Sobre a violência policial, a Relatora abordou que são especialmente mães afrodescendentes que perdem os seus filhos em razão da brutalidade policial, e que além de vítimas, estas também são criminalizadas.  Por isso, seu relatório terá um ponto importante em que se devem tomar medidas mais efetivas frente ao sistema carcerário e, mesmo reconhecendo que o uso de câmeras policiais seja um passo importante para uma política de segurança antirracista, sinalizou que há relatos de que essas câmeras não são utilizadas e que medidas de perfilamento racial estão sendo utilizadas pelo governo sem base científica. Desta forma, instou o governo a criar leis para o uso da inteligência artificial para que não seja utilizada de forma racista.

A Relatora também destacou a segregação espacial especialmente nos grandes centros, ocupadas majoritariamente por pessoas afrodescendentes, e que possuem acesso precários à infraestrutura. Ademais, evidenciou a falta de apoio às pessoas sem moradia.

O avanço da extrema direita e o crescimento de células neonazistas foi um dos pontos de extrema preocupação da Relatora, que salientou que há uma negação do estado de Santa Catarina sobre esses grupos e que devem ser implementadas políticas de cotas e ações afirmativas que empoderem a legislação local para combater o negacionismo. A partir desse viés, ressaltou também sua inquietação sobre a falta de esforços do legislativo brasileiro diante de projetos de lei que visam retroceder alguns dos direitos já conquistados.

Por fim, expressou preocupação com o crescimento da violência política de gênero e do discurso de ódio, e instou o governo a tomar passos cuidadosos nesta seara. Ressaltou que a baixa representatividades dos grupos em situação de vulnerabilidade em espaços de tomada de decisão é um reflexo do racismo sistêmico integeracional. Ademais, essa falta de representatividade também pode ser constatada dentro do judiciário.

Raça e Igualdade agradece o apoio e interesse de Ashiwini K.P., no comprometimento de sua relatoria para fomentar ações antirracistas e de justiça racial ao Estado brasileiro. Destacamos como um importante valor o reconhecimento do racismo religioso como prática racista e discriminatória perante a um mecanismo internacional de direitos humanos. Seguimos na luta pela defesa e garantia dos direitos humanos para o enfrentamento das desigualdades estruturadas pelo sistema racista. É urgente que o Estado brasileiro se comprometa com as demandas da sua população por justiça e equidade. Um governo cuja proposta é “União e Reconstrução” deve ter a reparação histórica como prioridade.

Sendo assim, compartilhamos algumas das recomendações entregues à Relatora sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata pelas organizações brasileiras:

  • Aprimoramento de políticas públicas de acesso à assistência jurídica e serviços de apoio as vítimas de violência doméstica e familiar, a partir do levantamento dos casos registrados nos últimos anos, com o objetivo de amparar e proteger as mulheres vítimas de violência e racismo (em especial o racismo religioso), entre outras ações a serem indicadas, a partir da colaboração de grupos feministas, lideranças religiosas, gestores públicos e especialistas no tema.
  • Exigir a implementação da Política Nacional de Saúde para a População LGBTI+ por meio da criação de equipamentos de saúde especializados para atender às demandas de alta complexidade demandas de alta complexidade na saúde das mulheres lésbicas;
  • Recomendar ao Estado brasileiro que resolva efetivamente todas as barreiras à justiça enfrentadas pelas vítimas de crimes racistas, acelerando os processos judiciais, revisando os padrões de provas para fortalecer a responsabilização por atos discriminatórios e monitorar as disparidades raciais no acesso à justiça, especialmente para mulheres afrodescendentes e pessoas LGBTI+.
  • Pleitear que o Estado brasileiro busque implementar devidamente medidas de reparação para as vítimas e familiares afetados pela violência do Estado, o que deve incluir suporte psicológico, assistência médica e compensação financeira, além outras que forem necessárias na análise do caso em concreto.
  • Assegurar que o Estado brasileiro também cumpra as recomendações elaboradas pelos Comitês CERD e CEDAW, órgãos de tratados que recentemente revisaram o país, e pontuaram preocupações semelhantes.
  • Recomendar a participação política dos povos indígenas e das comunidades quilombolas no desenvolvimento de políticas públicas que afetam seus territórios e nas políticas de defesa ambiental. Outrossim, instar o Estado brasileiro pela garantia da demarcação e titulação das terras quilombolas e indígenas, além de rechaçar a tese do Marco Temporal.

Conheça os temas prioritários da Relatora da ONU sobre Racismo, Ashiwini K.P., em sua visita ao Brasil

Brasil, 07 de agosto de 2024 – Entre os dias 5 e 16 de agosto, a Relatora Especial da ONU sobre formas contemporâneas de Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, Sra. Ashiwini K.P., realiza uma visita oficial ao Brasil. Em sua agenda, estão previstas reuniões fechadas com autoridades do poder executivo federal e de governos estaduais. Ademais, a Relatora se reunirá com a sociedade civil em diversas regiões do país, que contemplam as cidades de Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro.

O objetivo destes encontros é, através de uma escuta atenta sobre as problemáticas raciais, captar informações e recomendações concretas para subsidiar o relatório público que será emitido pela Relatora com o resumo de sua visita, e apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho de 2025.

Salientamos que esta visita acontece em um momento oportuno, tendo em vista as crescentes ocorrências e denúncias de violações de direitos humanos no país, sobretudo em face das populações mais vulnerabilizadas, nas quais o espectro racial e discriminatório lhes vitimizam e revitimizam na ausência de seus direitos básicos.

Raça e Igualdade destaca os temas propostos pela sociedade civil que contemplam a agenda da Relatora: (i) Racismo e Gênero; (ii) Racismo e população LGBTQIA+; (iii) Acesso à justiça e privação de liberdade; (iv) Racismo e comunidades romanis; (v) Racismo ambiental e comunidades tradicionais; (vi) Racismo e população negra; (vii) Racismo, justiça e política de drogas; (viii) Racismo e comunidades quilombolas; (ix) Racismo e Povos Indígenas; (x) Racismo religioso; (xi) Memória.

Os temas acima propostos possuem interface direta com o racismo, e os dados de instituições públicas brasileiras, como o IBGE e IPEA, confirmam este diagnóstico. Ressaltamos que os dados produzidos por organizações da sociedade civil, também trazem à luz as múltiplas discriminações que reproduzem a violência do racismo nas populações de terreiro e LGBTI+. Portanto, o racismo em face das religiões de matriz africana é um tema que consideramos relevante a ser considerado em seu relatório sobre o país.

Além disso, ressaltamos a pertinência da inclusão dos povos quilombolas e indígenas, haja visto que a atenção sobre a questão territorial destas comunidades se faz urgente, pois o debate sobre o marco temporal e a não titulação de terras quilombolas por todo o território nacional, vem ocasionando um número crescente de mortes por interesses do agronegócio.

Desta forma, Raça e Igualdade tem por perspectiva de que a visita de Ashiwini K.P.,  reverbere em uma postura proativa e reparatória do Estado brasileiro em lidar e pensar em formas mais efetivas de combate ao racismo em suas diversas vertentes.

Organizações LGBTI que tornam o Orgulho possível na América Latina

Washington DC., 28 de junho de 2024.- No Dia Internacional do Orgulho LGBTI+, a Raça e Igualdade reconhece que a luta pelos direitos das pessoas LGBTI+ tem sido uma longa e contínua batalha, marcada pelo papel fundamental das organizações da sociedade civil (OSCs) e pelos avanços significativos na promoção e defesa dos direitos das pessoas LGBTI+ que contribuíram para sua visibilidade e proteção.

Também reconhecemos que, sem o trabalho árduo de longa data das OSCs, nenhuma celebração ou reivindicação do Dia do Orgulho como o conhecemos hoje teria sido possível. Neste momento, na América Latina e no Caribe, após a onda antidemocrática e ultraconservadora que destruiu alguns dos últimos avanços em direitos humanos, o movimento LGBTI+ continua resistindo e se defendendo.

Por isso, Raça e Igualdade destaca o trabalho de organizações e defensores LGBTI+ do Brasil, Colômbia, Peru e Cuba que, mesmo nos contextos adversos de seus países, tornam o Orgulho possível e contribuem estrategicamente para os direitos humanos das seguintes formas:

  1. Defendendo o direito à identidade de gênero: A Fraternidad Trans Masculina Peru, é uma OSC, cujo objetivo de trabalho é a defesa dos direitos humanos das pessoas que se identificam como transmasculinas. Atualmente, estão realizando processos judiciais para alterar nomes e a categoria “sexo” no documento de identidade nacional para pessoas trans masculinas em situação de vulnerabilidade. Até o momento, a FTM conseguiu litigar mais de 60 casos de mudança de nome.
  2. Promovendo a participação política: A Articulação Brasileira de Lésbicas – ABL é uma rede de mulheres lésbicas e bissexuais atuantes nas cinco regiões do Brasil. Sua principal atividade é a educação política e a participação na incidência social e política. A ABL tem dialogado nos mais diversos espaços como terreiros, igrejas, escolas, comunidades tradicionais e nas periferias e favelas das cidades. Seu papel na luta do sapatão tem sido estar nos espaços de poder, discutindo principalmente a luta contra a lesbofobia, o lesbocídio e o lesbo-ódio.
  3. Pesquisa e visibilidade: O Museu Virtual da Memória contra a Violência de Gênero é uma organização cidadã que nasceu há dois anos. Este ano conseguiu lançar, com o apoio da Raça e Igualdade, o primeiro relatório sobre lesbofobia em Cuba. Da mesma forma, o coletivo transfeminista e antirracista Rosa Rabiosa, do Peru, tem monitorado as populações trans e não-binárias do Peru durante os períodos de votação, a fim de promover sua participação e evitar qualquer caso de discriminação. A partir dessas experiências, eles elaboraram o relatório Vigilando Nuestro Voto, que estará disponível muito em breve.
  4. Lutando pela educação das pessoas LGBTI: Fundação Afrodescendente para as Diversidades Sociais e Sexuais – Somos Identidad é uma organização de base de comunidades negras, criada a partir de uma perspectiva interseccional que trabalha para reconhecer, aprimorar e tornar visíveis as interseções de raça, etnia, gênero e diversidade sexual. Eles realizam processos pedagógicos antirracistas para acompanhar a entrada de pessoas afro-LGBTI+ no ensino superior na Colômbia, especificamente no Pacífico Sul e nas periferias das cidades.

O tempo e o esforço que defensores e organizações LGBTI+ dedicam à luta por sociedades mais justas na região é inestimável. Não apenas foram fundamentais para promover mudanças legais e sociais significativas, mas também desempenharam um papel crucial na transformação cultural dos países. Com isso em mente, a Raça e Igualdade reafirma seu compromisso de continuar trabalhando lado a lado com os parceiros até que a dignidade plena seja alcançada, livre de discriminação e violência contra as pessoas LGBTI+.

Assembleia Geral da OEA: Raça e Igualdade Dialoga com a Sociedade Civil e Especialistas sobre Discriminação Racial, Violência de Gênero e Segurança Hemisférica nas Américas

Washington D.C., 14 de junho de 2024 – Em vistas da 54ª sessão da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos humanos na região com a realização de três eventos paralelos. O primeiro evento, o Fórum Interamericano contra a Discriminação, que faz parte do calendário institucional desde 2005, reunirá lideranças de diferentes países para um diálogo sobre reparação e as principais demandas da população afrodescendente, indígena e LGBTI+. O segundo evento abordará a crise dos direitos humanos na Nicarágua e o apoio financeiro internacional; e o terceiro evento, coordenado pelo Consórcio Latino-Americano de Direitos Humanos, reunirá atores-chave de diferentes países para discutir os direitos humanos como pilar da segurança hemisférica nas Américas. 

A Assembleia Geral da OEA será realizada de 26 a 28 de junho na Conmebol, localizada na cidade de Assunção, no Paraguai, sob o lema “Integração e Segurança para o Desenvolvimento Sustentável da Região”. Para Raça e Igualdade, a Assembleia Geral da OEA é um espaço de amplo diálogo e intercâmbio de boas práticas da sociedade civil da região, assim como uma oportunidade para fortalecer suas demandas por meio da escuta das delegações formadas pelos Estados-Membros e seu Secretariado. Dessa forma, os eventos paralelos alcançam o propósito de uma efetiva incidência política perante esse mecanismo internacional de direitos humanos. 

 

Fórum Interamericano contra a Discriminação

Este ano, o Fórum Interamericano contra a Discriminação será realizado na terça-feira, 25 de junho, e será composto por quatro painéis com os seguintes temas: “O papel dos sistemas de proteção dos direitos humanos na reparação de diferentes grupos discriminados na região”; “Experiências de reparação na região e sua abrangência em relação a grupos racializados, móveis ou em deslocamento, minorias sexuais, religiosas, linguísticas, políticas, entre outros”; “Reparação no contexto de gênero”; e, por fim, o painel “A população étnica e a 54ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral da OEA”.

O painel de abertura do Fórum contará com a participação de Gloria De Mees, Relatora da OEA sobre os Direitos dos Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial. Nos painéis seguintes, lideranças da região participarão do debate com informações sobre seus contextos e suas lutas por reparação, restituição e garantias de não repetição. Além disso, no contexto da reparação de gênero, várias ativistas apresentarão e discutirão as implicações da recomendação geral do Mecanismo de Acompanhamento da Convenção de Belém do Pará (MESECVI) sobre as mulheres afrodescendentes.

No âmbito do Fórum anual, também será discutido o fortalecimento da Coalizão Afrodescendente das Américas e da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (CIRDI).

Para participar, inscreva-se aqui: https://tinyurl.com/2fx7uc29 

 

O apoio internacional à Nicarágua e a crise democrática e dos direitos humanos

Na tarde da terça-feira, 25 de junho, o Raça e Igualdade reunirá especialistas da OEA, do meio acadêmico e da sociedade civil para discutir a responsabilidade das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) em relação aos crimes contra a humanidade e às violações de direitos humanos na Nicarágua. Da mesma forma, será analisada a relevância estratégica dessas instituições no uso da diligência prévia em direitos humanos para lidar com os impactos negativos de seus projetos de desenvolvimento.

Em um regime historicamente marcado por violações sistemáticas de direitos humanos, a continuidade do apoio financeiro internacional traz à tona diversas questões para a sociedade civil. De 2018 até hoje, o regime autoritário de Daniel Ortega, Rosario Murillo e seus seguidores realizaram ataques generalizados e sistemáticos contra a população civil nicaraguense na oposição por razões políticas. Desde 2021, a crise democrática e de direitos humanos se agravou significativamente. Em 9 de fevereiro de 2023, 222 pessoas foram libertadas da prisão, depois banidas para os Estados Unidos e arbitrariamente destituídas de seus direitos de nacionalidade e cidadania. Entre os grupos mais vulneráveis estão defensores de direitos humanos, jornalistas, líderes religiosos, mulheres, povos indígenas e afrodescendentes e pessoas LGBTI+.

No entanto, as abundantes evidências da crise democrática e de direitos humanos na Nicarágua não foram suficientes para que as Instituições Financeiras Internacionais decidissem mudar sua estratégia em relação ao país, fortalecer sua diligência prévia em direitos humanos ou suspender e/ou cancelar a execução de seus projetos no país. Em fevereiro de 2024, o Grupo Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, o Grupo Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Centro-Americano de Integração Econômica apoiaram 97 projetos em implementação na Nicarágua, com a aprovação de US$ 5.082,43 milhões, de acordo com informações disponíveis em seus sites. Destes, 57 projetos foram aprovados, num total de US$ 2.784,43 milhões, após o início da crise, em 2018.

Para participar, inscreva-se aqui: https://tinyurl.com/57r4b22m 

 

Direitos Humanos como Pilar da Segurança Hemisférica nas Américas

O Consórcio Latino-Americano de Direitos Humanos – formado por Raça e Igualdade, Freedom House e Fundação Pan-Americana para o Desenvolvimento (PADF) – realizará o evento “Direitos Humanos como Pilar da Segurança Hemisférica nas Américas” na quarta-feira, 26 de junho. Este evento visa visibilizar as violações dos direitos humanos em Cuba, Nicarágua, El Salvador e Venezuela, como a força motriz por trás do debate sobre segurança na região. Nesses países com contextos inseguros e repressivos, desigualdades em termos de liberdade e segurança são geradas com efeito diferenciado sobre os grupos mais vulneráveis, como afrodescendentes, mulheres, crianças, população LGBTI+ e pessoas privadas de liberdade por razões políticas.

Assim, novas preocupações e desafios, incluindo a situação política, social, econômica, ambiental e de direitos humanos dos Estados Membros da OEA, levaram essa organização a redefinir seu entendimento de segurança hemisférica. Assim, em 28 de outubro de 2003, os Estados das Américas promulgaram a “Declaração sobre Segurança nas Américas”, propondo um novo conceito de segurança multidimensional que reconhece que o objetivo da segurança hemisférica é a “proteção dos seres humanos”.

Em seu comunicado, a OEA considerou que “a democracia representativa é condição indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento dos Estados do Hemisfério” e que é “responsabilidade dos fóruns especializados da OEA, bem como dos fóruns interamericanos e internacionais, desenvolver mecanismos de cooperação para enfrentar essas novas ameaças com base nos instrumentos aplicáveis”.

Nesse contexto, o Relator Especial da CIDH para a Liberdade de Expressão, Pedro Vaca; a vice-diretora do Programa América Latina e Caribe da Freedom House, Alejandra Argueta; o advogado da organização Cubalex, Alain Espinoza; da organização Cubalex; a profissional jurídica da Unidade de Defesa Legal da Nicarágua, Arlette Serrano; o jornalista venezuelano do Voces de la Memoria, Víctor Navarro; e o cofundador da associação Tracoda (Transparência, Controladoria Social, Dados Abertos) de El Salvador, Luis Villatoro, discutirão estratégias para fortalecer a segurança e a proteção da população e dos defensores de direitos humanos, entre os desafios atuais enfrentados por regimes autoritários nas Américas.

Para participar, inscreva-se aqui: https://tinyurl.com/537cdu3w 

 

Saiba mais sobre eventos

Fórum Interamericano contra a Discriminação

Data e hora: Terça-feira, 25 de junho, das 9h às 12h30 (Assunção e Washington D.C.) / das 10h às 13h30 (horário de Brasília)

Localização: Hotel Dazzler, Avenida Aviadores del Chaco

Transmissão ao vivo via Zoom e Facebook Live @RaceandEquality

Inscrições: https://tinyurl.com/2fx7uc29 

Tradução simultânea em espanhol, português e inglês.

 

O Apoio internacional à Nicarágua e a crise democrática e dos direitos humanos

 

Data e hora: terça-feira, 25 de junho, das 17h às 19h30 (Assunção e Washington D.C.) / das 18h às 20h30 (horário de Brasília)

Localização: Hotel Dazzler, Avenida Aviadores del Chaco

Transmissão ao vivo via Zoom e Facebook Live @RaceandEquality

Das Inscrições: https://tinyurl.com/57r4b22m 

Tradução simultânea em espanhol, português e inglês.

 

Direitos Humanos como Pilar da Segurança Hemisférica nas Américas

Data e hora: Quarta-feira, 26 de junho, das 17h às 19h30 (Assunção e Washington D.C.) / das 18h às 20h30 (horário de Brasília)

Localização: Hotel Esplendor, Avenida Aviadores del Chaco

Transmissão ao vivo via Zoom e Facebook Live @RaceandEquality

Das Inscrições: https://tinyurl.com/537cdu3w

Tradução simultânea em espanhol, português e inglês.

IDAHOBIT: Celebrando os últimos avanços na luta das pessoas LGBTI+

Washington D.C., 17 de maio de 2024 -. “Ninguém fica para trás: igualdade, liberdade e justiça para todes” é o tema global deste 17 de maio, Dia Internacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia + (IDAHOBIT). Hoje comemoramos a data em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista de patologias mentais do Manual da Classificação Internacional de Doenças (CID) e lembramos que não há democracia sem a inclusão de pessoas LGBTI+.

Enaltecer que ninguém deve ser deixado para trás implica refletir sobre quantas vezes as pessoas LGBTI+ foram excluídas dos espaços públicos e privados devido à sua orientação sexual, expressão de gênero e identidade de gênero, significa, por isso, pensar em uma inclusão real onde não há lugar para o ódio e a rejeição já que matam, matam empurrando para a marginalização, matam com o bullying e suicídio, matam violando seus corpos e torturando suas mentes e matam assassinando.

Por isso, este dia nos compromete com a tarefa de erradicar a LGBTI+fobia em todas as suas manifestações e em qualquer área da sociedade.  No Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), estamos comprometidos com isso e acreditamos que nesse esforço é importante reconhecer cada conquista alcançada com a força e a árdua defesa das organizações LGBTI+ contra o ódio e a favor dos direitos humanos.

Figuras que tornam visíveis

Na Nicarágua, por exemplo, há o Observatório de Violações de Direitos Humanos de Pessoas LGTBIQ+, a única plataforma de denúncia social no país criada pela organização feminista La Corriente há mais de duas décadas. Apesar do fechamento total do espaço cívico e do contexto de censura imposto pelo regime de Ortega-Murillo, a vigência do Observatório é uma demonstração da rejeição à violência e a outras formas de discriminação.

Uma situação semelhante é a de Cuba, cuja mais recente conquista por meio do referendo foi a aprovação do Código da Família , onde casais do mesmo sexo podem casar e adotar. No entanto, no país não existe uma Lei de Identidade de Gênero ou registros oficiais que abordem a violência que essa população sofre diariamente.

Vozes fortes diante da subjugação

No Peru, organizações LGBTI+ e de direitos humanos recentemente se manifestaram forte e massivamente contra um Decreto Supremo do Ministério da Saúde que modifica o Plano de Seguro de Saúde Essencial (PEAS), onde aplica a obsoleta CID-10 e incorpora o travestismo, a identidade de gênero e a orientação sexual egodistônica como transtornos mentais para acessar procedimentos médicos e de saúde por meio de planos de saúde. Em resposta à reação coletiva da sociedade civil, o Ministério da Saúde divulgou nota destacando que a implementação da CID-11 está em andamento e afirmando sua posição de que identidade de gênero e orientação sexual não constituem doenças. Outro exemplo inspirador de persistência é o fato de que o caso “Tengo Dos Mamás – Eu Tenho Duas Mães” chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e elas aguardam uma decisão sobre a admissibilidade do caso que busca o reconhecimento de famílias lésbicas no país.

Construindo um marco jurídico contra a discriminação

No Brasil, além da criação da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ em 2023, foram apresentados 21 projetos de lei pró-LGBTQIA+ no Congresso Nacional, entre os quais a proibição das chamadas “terapias de conversão sexual”, a reserva de vagas para pessoas trans e travestis em universidades federais,  a criminalização do crime de violência política contra parlamentares LGBTI+, entre outros. No mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que os crimes de homofobia e transfobia deveriam ser equiparados a injúria racial.

Fim do discurso e das práticas de ódio

Por outro lado, na Colômbia, a Corte Constitucional da Colômbia fez dois importanes avanços jurisprudenciais sobre os direitos das pessoas LGBTI+. Em primeiro lugar, a sentença T-061 de 2024 declara a violação dos direitos fundamentais das pessoas LGBTI+ e ordena ao influenciador Luis Villa Westcol que retifique a publicação de conteúdo que promova discurso de ódio. Para o tribunal superior, a publicação ultrapassou os limites da liberdade de expressão e incitou o ódio contra pessoas LGBTI+. Em segundo lugar, o Tribunal Constitucional, através da sentença T-033 de 2024, declarou a violação dos direitos fundamentais de duas mães que foram interrogadas por um médico da Clínica Noel porque, segundo ele, apenas a mãe biológica poderia ser considerada a mãe “real”. A clínica pediu desculpas e reconheça o direito do casal à igualdade, rejeitando a discriminação com base na orientação sexual.

Ainda que haja um longo caminho a percorrer e estejamos vendo atualmente movimentos antidemocráticos visando o movimento LGBTI+, esses avanços demonstram a resiliência do movimento LGBTI+. Eles mostram que o progresso é possível mesmo em contextos adversos como Nicarágua e Cuba e que a inclusão LGBTI+ é essencial para garantir nossa democracia. É preciso sair do papel e que o progresso seja social e entre na consciência das pessoas para fazer uma mudança duradoura e transformadora. Os Estados e a sociedade em geral devem comprometer-se a tomar medidas contra a discriminação e a violência em todas as esferas da sociedade. Por essa razão, a Raça e Igualdade recomenda que os Estados, de acordo com os estândares internacionais de direitos humanos:

  1. Revogar leis que criminalizam relações sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo e assegurem os marcos legais de respeito à diversidade sexual e de gênero.
  2. Desenvolver normas e leis que garantam a igualdade e a não discriminação nos espaços públicos e privados.
  3. Punir crimes de ódio cometidos contra pessoas LGBTI+ e desenvolver protocolos para sua devida investigação. Da mesma forma, estabelecer, cumprir e monitorar as medidas de reparação correspondentes.
  4. Reconhecer a identidade de gênero de pessoas trans e de gênero diverso para que possam obter documentos de identidade que as representem, bem como acessar e exercer seus direitos básicos.

Implementar programas de treinamento e conscientização sobre direitos humanos, diversidade sexual e de gênero para policiais, pessoal de saúde, agentes penitenciários, professores, trabalhadores e funcionários públicos em geral, para que possam exercer suas funções sem humilhar, confundir, discriminar ou violar pessoas LGBTI+.

Visibilidade lésbica: um olhar sobre a força e presença pública lésbica

Washington, D.C., 26 de abril de 2024 – O mês de abril traz muita força lésbica. Esta data nos recorda o quão fundamental é o papel político das lésbicas na história, a coragem e a determinação de muitas mulheres lésbicas para enfrentar uma sociedade sexista, violenta e discriminatória. Essa força gerou um impacto inegável em todos os países da região; por isso, no Dia Internacional da Visibilidade Lésbica, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) destaca e reconhece a luta de milhares de lésbicas por visibilidade e para viver com dignidade, para que mais lésbicas possam estar presentes nos espaços públicos exercendo seus direitos humanos.

Como aponta o relatório regional da LESLAC[1] sobre a Situação das Mulheres Lésbicas, Bissexuais e Queer/Queer em Abya Yala, ao longo do tempo, as sociedades classificaram o lesbianismo apenas como uma prática sexual individual e privada. No entanto, as lésbicas muitas vezes demonstraram sua essência política e coletiva dentro das lutas sociais. Prova disso é o primeiro Encontro de Feministas Lésbicas da América Latina e Caribe (ELFLC), em 1987, no México; um espaço que surgiu da reflexão de feministas lésbicas para ter seus próprios encontros que representassem suas apostas políticas[2]. Em 1995, a Quarta Conferência da Mulher em Pequim,  discutiu a descriminalização de casais do mesmo sexo e a discriminação com base na orientação sexual como uma violação dos direitos humanos pela primeira vez em uma conferência das Nações Unidas, sendo, portanto, reconhecida no Sistema Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas[3].

Além da determinação em garantir sua participação na discussão e na ação política, as mulheres lésbicas estão empenhadas em documentar e visibilizar suas realidades. Com o apoio da Raça e Igualdade, este mês será lançado o primeiro relatório sobre a situação das mulheres lésbicas em Cuba: “Se não nos mencionam, não existimos: lesbofobia em Cuba”, que explica a invisibilidade das mulheres lésbicas na Ilha. “Ainda existe violência contra mulheres lésbicas, não aparecemos em nenhuma estatística de feminicídio ou violência de gênero. Não somos mencionadas em nenhuma das propostas que são feitas para uma lei abrangente [contra a violência de gênero]. Nem sequer aparecemos nas anedotas de mulheres vítimas de violência que são publicadas nas redes sociais”, diz María Matienzo, jornalista independente, ativista cubana e pesquisadora responsável pelo relatório.

Olguita Acuña, cantora, compositora e performer nicaraguense, artivista feminista, lésbica e membra do Coletivo de Produtores e Artistas Audiovisuais Latino-Americanos (COPAL), tem uma forma muito bonita de contribuir para a visibilidade lésbica através das artes. “O país tem uma dívida histórica com as mulheres e a população LGBTI+. Na Nicarágua, celebra-se a Miss Gay, Miss Trans, mas não o casamento igualitário e nem as famílias do mesmo sexo. Pessoalmente, canto no feminino. Escrevo minhas canções e poemas de forma óbvia e descarada para as mulheres que amo ou amei, da sensualidade e da ternura. Não nego, não escondo quem sou ou quem tenho a alegria de amar, diante de Deus e da sociedade”, diz.

Nessa linha, Pamela Almendra, musicista peruana, ressalta: “Nós, como artistas ou pessoas moderadamente públicas, temos uma tarefa [pedagógica] com a sociedade porque não somos extraterrestres, somos pessoas como qualquer outra”. Pamela é uma renomada guitarrista profissional no Peru, que através de seu talento e fama contribuiu para visibilizar e gerar conscientização sobre sua identidade como lésbica trans.

A contribuição das mulheres lésbicas para a visibilidade, a ocupação dos espaços públicos e a discussão sobre a melhor forma de viver tem sido realizada a partir de diversas áreas, coletiva e individualmente e com o propósito de caminhar em direção a uma sociedade mais justa.

Nesse sentido, cabe aos Estados implementar medidas concretas para garantir uma vida digna às lésbicas e o pleno exercício de seus direitos humanos:

  • Implementar políticas de Educação Sexual Integral sob uma abordagem de direitos humanos para que a diversidade sexual e as identidades de gênero sejam reconhecidas e respeitadas;
  • Garantir o tratamento digno das mulheres lésbicas em todos os serviços públicos e privados do país, através do fortalecimento de programas de capacitação de autoridades, operadores de justiça, agentes públicos e funcionários administrativos e da adequação de protocolos assistenciais.
  • Registrar, documentar e analisar a violência contra lésbicas para melhor ilustrar situações de violência e, posteriormente, formular políticas de prevenção e assistência.
  • Garantir o acesso à justiça por meio da investigação e punição de discriminação e crimes cometidos contra mulheres lésbicas. Da mesma forma, desenvolver mecanismos para evitar a criminalização de mães lésbicas em processos de guarda de seus filhos.
  • Garantir e defender os direitos civis e os direitos familiares das lésbicas através do acesso à igualdade no casamento e do reconhecimento legal para mães lésbicas e famílias diversas. Nesse sentido, também é preciso respeitar os direitos adquiridos no exterior.
  • Promover o acesso das lésbicas aos espaços políticos e posições de poder, de forma a garantir o direito à participação política não violenta e à representação de identidades.

[1] Rede de Organizações de Mulheres Lésbicas e Bissexuais na América Latina e Caribe – LESLAC

[2] Jornada Tripla (2004). Além da escolha sexual. Disponível em https://www.jornada.com.mx/2004/09/06/informacion/73_encuentro_lesbi.htm

[3] Comunidade de Madrid (2019). Estudo sobre as causas da invisibilidade e da dupla discriminação sofridas pelas lésbicas na Comunidade de Madrid. Disponível em https://www.comunidad.madrid/sites/default/files/doc/estudio_lebianas.pdf

Dia da Visibilidade Trans: Acesso à Saúde é um Direito Humano, não um privilégio

Washington D.C., 31 de março de 2024.- No Dia Internacional da Visibilidade Trans, o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) reconhece que pessoas trans, trans não-binárias e de gênero diverso continuam a enfrentar fortes barreiras institucionais, sociais e econômicas para exercer seu direito à saúde, ainda mais pessoas negras,  marginalizadas, migrantes ou profissionais do sexo.

De acordo com o Relatório Temático sobre pessoas trans e de gênero diverso e seus direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e sua Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA), a falta de reconhecimento legal e social da identidade de gênero das pessoas trans,  pessoas trans não-binárias e de gênero diverso geram diversas violações de seus direitos humanos, muitas vezes expondo-as a situações de risco.

Mesmo nos países latino-americanos que possuem legislação que reconhece a identidade de gênero, a falta de implementação, investimento, conscientização e treinamento abrangentes de autoridades e autoridades de saúde continua a produzir situações de discriminação e violência. No Brasil, por exemplo, “temos a Política Nacional de Saúde Integral LGBTQIA+, que é um documento fundamental, e temos o Processo de Transexualização, que é muito necessário para as demandas específicas das pessoas trans. No entanto, é fundamental que o governo destine mais investimentos para que o serviço realmente chegue a todas as pessoas que precisam”, afirma Yara Cavalcante, da Antra.

Alguns dos danos contra o direito à saúde de pessoas trans, não-binárias e de gênero diverso têm a ver com a impossibilidade de acesso aos serviços de saúde devido à sua identidade de gênero e ao risco de exposição à métodos inseguros, não-supervisionados e até clandestinos de modificação corporal (processos de hormonização, intervenções cirúrgicas). “No Peru, as pessoas transmasculinas não têm acesso a serviços especializados, como hormonioterapia, acompanhamento de tratamento ou cirurgias de afirmação de gênero; e muitos precisam optar por buscar alternativas no setor privado, que é caro e não acessível a todos, por isso muitos acabam se automedicando com medicamentos inadequados e colocando sua saúde em risco”, diz Bruno Montenegro, homem trans, fundador da Fraternidad TransMasculina do Peru.

Da mesma forma, o desconhecimento dos profissionais de saúde sobre as necessidades específicas de saúde das pessoas trans, os maus-tratos e a patologização nos serviços de saúde atrelados ao preconceito e ao estigma – também relacionados aos casos de HIV – geram ansiedade, medo e desmotivação para o retorno ao posto de saúde. Por outro lado, o pessoal médico que não é treinado e sensibilizado para atender às necessidades das pessoas trans pode levar a diagnósticos e tratamentos equivocados. Nos piores casos, podem incorrer em negligência, muitas vezes cometendo tortura, como é o caso das chamadas “terapias de conversão” em centros de saúde mental, como indicam os depoimentos no Relatório Corpos e resistências que transgridem a pandemia: transmasculinidades e pessoas não-binárias AMAN no Peru (2020).

Outro fator que dificulta o acesso das pessoas trans aos serviços de saúde é a falta de recursos. Em países como Cuba, por exemplo, a escassez de produtos para modificação corporal é um dos problemas enfrentados.  “A testosterona às vezes está em falta. Às vezes ficamos um mês ou até cinco meses sem tratamento”, enfatiza Carlos Hernández, cubano trans que coordena o projeto social e independente Por Siempre Trans.  

Além de tudo isso, que tem origem no modelo cisgênero hegemônico, nenhum grande progresso da medicina considerou as pessoas trans como uma população objetiva e específica. Como aponta Mateo Rodrigo, da organização Hombres Trans Diversos da Bolívia, “os tratamentos hormonais e outros procedimentos médicos aos quais as pessoas trans têm acesso não foram originalmente criados para pessoas trans. Também não há produção acadêmica suficiente que estude o impacto de longo prazo desses tratamentos na saúde de idosos trans.”

Diante dessas situações de violação e das preocupações dos parceiros trans em torno do direito à saúde, nasceu o Mi Salud Transmasculina Importa, um projeto regional gerido pela Fraternidade Transmasculina do Peru, Fraternidade Transmasculina do Equador, Rosa Rabiosa do Peru, Homens Trans Diversos da Bolívia e Instituto Brasileiro de Transmasculinidades – IBRAT do Brasil, com o apoio de Raça e Igualdade. Este espaço tem como objetivo contribuir para o bem-estar integral da população transmasculina na América Latina por meio da informação e comunicação.

Por tudo isso, Raça e Igualdade nos lembra que os Estados têm a obrigação de garantir o acesso à saúde para todas as pessoas sem discriminação. A esse respeito, destaca as seguintes recomendações sobre o direito de acesso à saúde para pessoas trans, não binárias e com diversidade de gênero, que foram estabelecidas pela CIDH no Relatório sobre Pessoas Trans e  de Gênero Diverso e seus Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (2020):

  • Promover a formação da equipe médica sobre as necessidades específicas das pessoas trans.
  • Combater preconceitos e estereótipos binários masculinos e femininos no acesso aos serviços de saúde.
  • Estabelecer diretrizes ou protocolos para o atendimento especializado de pacientes trans.
  • Garantir diretrizes sanitárias para tratamentos de afirmação de gênero, incluindo atendimento psicológico, endocrinológico e cirúrgico.
  • Os tratamentos de afirmação de gênero devem basear-se no consentimento livre, prévio e informado e avançar para a gratuidade.
  • Proibir e penalizar atividades que ofereçam “terapias” para “modificar”, “reorientar” ou “curar” a identidade de gênero das pessoas.

Junte-se aos nossos esforços

Apoie o empoderamento de indivíduos e comunidades para alcançar mudanças estruturais na América Latina.