#31M: Reconhecer e respeitar a identidade de gênero das pessoas trans para a garantia plena de seus direitos humanos

Washington D.C., 31 de março de 2022 – Neste Dia Internacional da Visibilidade Trans, o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) exalta a importância de reconhecer e respeitar a identidade de gênero das pessoas trans, como base para a plena garantia de seus direitos humanos, especificamente seus direitos econômicos e […]

Washington D.C., 31 de março de 2022 – Neste Dia Internacional da Visibilidade Trans, o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) exalta a importância de reconhecer e respeitar a identidade de gênero das pessoas trans, como base para a plena garantia de seus direitos humanos, especificamente seus direitos econômicos e sociais.  Na América Latina, pessoas com diversas expressões de gênero e identidade enfrentam grandes desafios no acesso a serviços básicos que, por sua vez, constituem direitos fundamentais que todos devem desfrutar sem sofrer qualquer tipo de discriminação ou violência.

Em pelo menos 11 países da América Latina e do Caribe, existem processos legais ou administrativos para que as pessoas trans retificem seus documentos de identificação de acordo com sua identidade de gênero.  Por exemplo, no Brasil — país com maior número de pessoas trans assassinadas no mundo — o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, em 2018, que pessoas trans e travestis maiores de 18 anos, independentemente de cirurgias de redesignação sexual, tratamentos hormonais ou apresentação de documentos médicos ou psicológicos, têm o direito de mudar de nome, gênero, ou ambos, em qualquer cartório de registro civil do território nacional, sem a presença de advogado ou defensor público.

Enquanto isso, no México, 14 dos 32 Estados deste país reconhecem em suas legalizações o direito à identidade de gênero, para que as pessoas trans possam acessar a modificação de seu sexo ou gênero através de um processo administrativo, sem ter que passar por um processo judicial. O Estado do México foi o último a incorporar esse reconhecimento, em julho de 2021, com uma votação no congresso que teve 59 votos a favor, um contra e oito abstenções. Os outros estados são Coahuila, Colima, Chihuahua, Hidalgo, Jalisco, Michoacán, Nayarit, Oaxaca, Quintana Roo, San Luis Potosí, Sonora e Tlaxcala.

Em países como Guatemala, Nicarágua, Panamá e República Dominicana, não há um arcabouço legal ou administrativo para que as pessoas trans retifiquem seus documentos de identidade, ou não haja jurisprudência a esse respeito e, portanto, se uma pessoa trans decidir iniciar o processo, fica a critério dos administradores da justiça, o que pode ser um caminho longo e caro, seja financeira e emocionalmente. É o caso de Mística Guerrero, uma mulher trans da Nicarágua que, até maio de 2021, não tinha um documento de identidade. Em 2012, ela começou o processo de mudança de nome perante o Supremo Tribunal de Justiça e, desde então, não houve uma decisão sobre seu caso, de acordo com o relato da mídia local.

A falta de reconhecimento da identidade de gênero das pessoas trans não é determinada apenas pela existência ou não de processos para realizar a mudança de nome, mas também pela vontade e capacidade de gestão das instituições do Estado que devem aplicar as regras em termos de registro civil. Apesar da existência desses processos em muitos países, ativistas e organizações LGBTI+ costumam registrar dificuldades para que as pessoas trans os acessem, devido a fatores como a falta de clareza e atitudes transfóbicas, o que gera atrasos e que as pessoas desistam do processo.

A isso deve-se acrescentar o fato de que são raras as pessoas trans que contam com o apoio de suas famílias nesses processos, pois o lar se configura como o primeiro espaço em que pessoas com expressão e identidade de gênero diversos vivenciam atos de rejeição, violência e discriminação; uma dinâmica que se mantém ao longo da vida.

“[…] Existem inúmeras barreiras que afastam pessoas trans e de gênero diversos de serem capazes de desenvolver todo o seu potencial e acessar direitos básicos desde cedo, que têm a ver com a rejeição e violência que recebem desde que começam a externalizar sua identidade de gênero. Nesta ordem, há inúmeros relatos que representam uma alta prevalência de adolescentes trans e de gênero diversos que sofrem expulsão de suas casas desde cedo”, diz o Relatório sobre Pessoas Trans e de Gênero Diversos e seus Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, publicado em agosto de 2020 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Identidade de gênero e direitos econômicos e sociais

O não reconhecimento da identidade de gênero tem sérias implicações para o exercício dos direitos humanos, incluindo os direitos econômicos e sociais. É importante ressaltar que os Estados têm a obrigação de cumprir e garantir esses direitos com base no princípio da igualdade e da não discriminação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

“A falta de garantia do direito ao reconhecimento da identidade de gênero tem como consequência o fato de que pessoas trans e de gênero diversos muitas vezes carregam documentos de identificação que não são correspondentes com sua identidade de gênero”, aponta a CIDH no referido relatório. Dessa forma, o acesso a direitos como saúde, educação, moradia e emprego é limitado e sujeito a preconceitos; além disso, aumentam as chances de as pessoas sofrerem situações de violência e discriminação.

Agatha Brooks, mulher trans da República Dominicana e membro da organização Trans Siempre Amigas (TRANSSA), sofreu discriminação ao tentar acessar espaços habitacionais. “Geralmente não nos alugam uma casa, porque pensam que somos pessoas depravadas e que somos maus exemplos para crianças ou famílias ao redor”, compartilha a ativista.

Além do problema do acesso a esses direitos, as pessoas trans também enfrentam violência e discriminação quando os exercem.  Arturo Nicolás, homem trans do Peru e membro da Diversidade Transmasculina, diz que são necessárias medidas urgentes no campo educacional para garantir o acesso integral das pessoas trans a esse direito. “Isso não significa apenas abrir os espaços por meio de cotas ou medidas similares. Os protocolos de atenção e contenção em caso de violência são pilares para apoiar pessoas trans ou de gênero diversos em espaços educacionais”, afirma.

Enquanto Bruno Pfeil, homem trans do Brasil e coordenador da Revista Estudos Transviades, compartilha sua experiência no acesso à saúde: “No campo da saúde, o (des)acesso que mais me pesa é a saúde ginecológica. Seja para fazer exames, ou apenas para fazer o check-up de rotina, é sempre uma dor de cabeça explicar que eu tenho um útero, que eu preciso de alguma consulta, e que o olhar que deve ser dado ao meu corpo não pode ser construído sob a prerrogativa da cisgeneridade.”

Em seu relatório sobre pessoas trans e de gênero diverso e seus direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, a CIDH faz um relato abrangente de como a impossibilidade de retificar a documentação pessoal foi identificada como um dos maiores obstáculos ao gozo efetivo de outros direitos humanos, tanto civis e políticos como econômicos, sociais e culturais, para os quais considera urgente que os Estados adotem medidas para garantir esse direito de acordo com as normas interamericanas e internacionais na matéria.

Embora reconheçamos e saudamos a adoção de processos judiciais e administrativos para o reconhecimento da identidade de gênero das pessoas trans em vários países da América Latina, acreditamos que isso não depende apenas de seu nome e/ou gênero serem retificados em seus respectivos  documentos de identidade, mas  também está  intimamente relacionado com a implementação de processos educativos e  políticas públicas  para eliminar  a LGBTIfobia na sociedade e garantir serviços eficazes ligados às suas necessidades, respectivamente.

Também apreciamos e apreciamos o papel do Especialista Independente das Nações Unidas em Orientação Sexual e Identidade de Gênero, Víctor Madrigal-Borloz, que através de relatórios — como a mais recente Lei de Inclusão e Práticas de Exclusão — e inúmeras intervenções perante a sociedade civil e os Estados, posicionou a questão da identidade de gênero como uma experiência determinante na vida das pessoas e, portanto, sujeita a um quadro de direitos que os Estados devem garantir.

Junto com isso, submetemos algumas recomendações aos Estados, muitas das quais foram apresentadas pela CIDH no referido relatório e que consideramos passos fundamentais para garantir os direitos humanos das pessoas trans na região:

  • Adotar leis de identidade de gênero que reconheçam o direito de pessoas trans e de gênero diversos de corrigir seu nome e o componente de sexo ou gênero em suas certidões de nascimento, documentos de identidade e outros documentos legais. Isso se baseia no Parecer Consultivo 24/2017 da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
  • Eliminar de sua legislação e políticas públicas qualquer forma de criminalização, direta ou indireta, da conduta das pessoas no exercício de sua identidade ou expressão de gênero.
  • Incluem proteções contra discriminação baseadas na identidade de gênero, nas esferas pública e privada.
  • Desenvolver e implementar políticas e programas para promover o respeito aos direitos das pessoas trans e de gênero diversos e sua aceitação e inclusão social. Estes devem ser abrangentes, transversais e baseados na abordagem dos direitos humanos e, particularmente, incluindo a perspectiva de gênero.
  • Desenvolver e implementar campanhas de informação para conscientizar e conscientizar a mídia pública e privada sobre a diversidade corporal e sexual e a abordagem de gênero.
  • Promover campanhas de informação para pessoas trans e de gênero diversas em todos os seus direitos humanos e mecanismos de proteção existentes.

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