Dia Internacional da Memória Trans: um chamado urgente para o combate à transfobia na América Latina

Washington D.C., 20 de novembro de 2021 – Em mais um ano de comemoração do Dia Internacional da Memória Trans, o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) tem por objetivo chamar a atenção dos Estados e da comunidade internacional para o assustador número de assassinatos de pessoas trans nas Américas, […]

Washington D.C., 20 de novembro de 2021 – Em mais um ano de comemoração do Dia Internacional da Memória Trans, o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) tem por objetivo chamar a atenção dos Estados e da comunidade internacional para o assustador número de assassinatos de pessoas trans nas Américas, uma realidade que, mais uma vez, coloca a região nas fatídicas listas de homicídios em todo o mundo. Ao mesmo tempo, Raça e Igualdade visa exortar os governos a colocar a situação de violência e discriminação contra pessoas de gênero diverso entre suas prioridades e adotar ações urgentes e eficazes para combater a transfobia.

Em 11 de novembro, o projeto de pesquisa Transrespeto versus Transfobia no Mundo (TT) da TGEU publicou um relatório do Observatório de Homicídios Trans (TMM), que é lançado todos os anos na véspera de 20 de novembro, o Dia Internacional da Memória Trans.  De acordo com os dados, entre 1º de outubro de 2020 e 30 de setembro de 2021, houveram 375 assassinatos de pessoas trans em todo o mundo, dos quais 311 ocorreram entre México, América Central e do Sul.  Em nível global, o total representa um aumento de 7% em relação ao relatório anterior (outubro de 2019 – setembro de 2020).

Tragédia transfóbica

Na América Latina, o Brasil continua sendo o país com mais assassinatos de pessoas trans, seguido pelo México (65), Honduras (53) e Colômbia(25)*.  Em relação aos números globais, o relatório do MMT destaca que 96% das pessoas mortas eram mulheres trans ou pessoas trans que expressavam o gênero feminino, e que 58% das pessoas trans assassinadas eram profissionais do sexo.   Esse é um  padrão muito fácil de ser corroborado na região através das denúncias feitas por organizações LGBTI+.

“Os dados indicam uma tendência preocupante quando se trata das intersecções entre misoginia, racismo, xenofobia e ódio contra profissionais do sexo, com a maioria das vítimas sendo mulheres trans negras, migrantes e profissionais do sexo”, adverte a TMM, que também alerta que esses números são apenas uma pequena amostra da realidade,   já que muitos assassinatos permanecem não relatados, ou são mal identificados.

Vidas tiradas

O Brasil, que tem 41% dos assassinatos de pessoas trans no mundo, comemora junto com o Dia Internacional da Memória Trans, o Dia Nacional da Consciência Negra.  Portanto, o dia 20 de novembro representa entre as organizações de direitos humanos do país, especialmente aquelas que atuam na defesa da população trans e da população negra, uma data para homenagear e tornar visível as duas populações, que coincidem com a intersecção de suas vulnerabilidades em meio a uma sociedade transfóbica e racista.

O país começou 2021 com o brutal assassinato de uma adolescente trans. Na madrugada de 4 de janeiro, Keron Ravach foi esfaqueada e espancada até a morte por um jovem de 17 anos que foi identificado como o autor do crime de ódio e foi preso.  A jovem, que estava passando por um processo de transição de gênero, foi definida por seus amigos como uma pessoa tímida, mas que ao mesmo tempo sonhava em ser digital influencer.  De acordo com o relatório do MMT, a média de idade das pessoas trans mortas no último ano é de 30 anos, com Keron sendo a mais jovem de todas as vítimas, com apenas 13 anos.

Indolência e impunidade

A maioria dos casos de pessoas trans assassinadas existe em um histórico de violência e ameaças, mas estes são ignorados pelas autoridades ou não são tratados em tempo hábil; portanto, quando o assassinato ocorre,  não há suprimentos suficientes para identificar a pessoa ou as pessoas responsáveis.    Trata-se   de uma denúncia frequentemente feita por organizações que promovem e defendem os direitos da população LGBTI+ e que se manifestou no assassinato de Gina Rodríguez Sinuiri em 21 de setembro, em Callao, Peru.

Gina, 28 anos, foi esfaqueada várias vezes em um quarto que ela alugou em um hotel na cidade e, embora tenha sido levada para um hospital, ela morreu 18 horas depois. O suspeito é um homem que regularmente solicitava serviços de profissionais do sexo trans e a contatou através de suas redes sociais usando nomes diferentes. De acordo com seus companheiros, não foi a primeira vez que o homem entrou em contato com Gina. Além disso, a Agência Presentes — responsável por tornar visível a situação da população LGBTI+ na América Latina e no Caribe — coletou declarações dos colegas de Gina, nas quais apontaram que, em várias ocasiões, se aproximaram da Polícia Nacional do Peru para denunciar os atos de violência sofridos, mas sempre são ignorades.

À negligência das autoridades, acrescenta-se o fato de que o Peru não possui uma Lei de Identidade de Gênero, de modo que as pessoas trans não podem fazer acordos com seu nome de identidade, e isso as expõe à discriminação e estigma em vários setores da sociedade. “Nós reportamos às autoridades e à polícia, mas eles não prestam atenção em nós e, é isso que nos dá mais frustração e raiva. Temos família, somos seres humanos que têm sentimentos. Toda vez que fazemos uma reclamação, quando nos viramos, eles arquivam. O pior é que eles riem e nos expulsam”, relatou uma colega de Gina na ocasião.

Morrendo em invisibilidade

Embora os assassinatos de pessoas trans se tornem invisíveis em geral, esse problema  geralmente é referido apenas em mulheres trans, pois as estatísticas mostram que são as principais vítimas,  o que,  sem dúvida, é uma realidade. No entanto, os homens trans também estão no centro da violência e da discriminação devido à transfobia e, como no caso das mulheres trans, isso pode se tornar mortal para eles. Um exemplo disso é o caso de Samuel Edmund Damian Valentin, um jovem transgênero que foi morto a tiros em 9 de janeiro em Trujillo Alto, Porto Rico.

Samuel Edmund era estudante na Atlantic University College,  em Guaynabo,  e no dia primeiro de janeiro havia escrito em sua página no Facebook: “um novo ano por vir, grato por todas as experiências que [me ensinaram] o quão fortes somos, para a vida, para o bem e para o mal e por toda a justiça que está por vir”.

“Sobre homens trans e invisibilização na esfera pública, a verdade é que essa é a violência que mais sofremos. A vida cotidiana é projetada para homens cisgêneros; não podem garantir saúde pública de forma digna e eficiente para nós. É importante que eles nomeiem nossas identidades, que homens trans ou pessoas transmasculinas engravidem. O que não é nomeado não existe. Se existimos em espaços, vamos existir napalavra”, diz Danilo Donato, ativista transmasculino e membro do Fundación GAAT, da Colômbia. De acordo com o registro desta organização sobre a morte de pessoas trans, até este momento em 2021, foram mortas 32 pessoas no país; 8 morreram por complicações decorrentes de cirurgias e intervenções artesanais e barreiras ao acesso a direitos.

Ódio no seu melhor

Kendra Contreras, conhecida como “Lala”, era uma mulher transexual de 22 anos que vivia na cidade de Somotillo, no oeste da Nicarágua. Aqueles que conheciam Lala dizem que ela era uma jovem sonhadora e trabalhadora com o desejo de melhorar e que queria que sua identidade de gênero fosse respeitada. Infelizmente, em 3 de março de 2021, dois homens deram fim a sua vida de forma atroz: eles a amarraram a um cavalo deixando-a ser arrastada por duas vezes, por pelo menos 400 metros, e depois apedrejaram-na. Esta é a expressão final do ódio às mulheres, corpos e identidades em uma sociedade altamente machista, como a Nicarágua.

Infelizmente, esta não foi a única vez que Lala foi morta, porque isso acontece toda vez que desrespeitam sua identidade de gênero e a chamam pelo seu “primeiro nome”, quando se referem a ela como “homem” em relatos de espaços de informação. Muitos meios de comunicação continuam a entender mal esses casos, focando em notícias e preconceitos que geram sensacionalismo e revitimizam as vítimas de transfobia e violência de gênero.

Chamada urgente

Como todos os anos, Raça e Igualdade aproveita esta data para lembrar aos Estados de sua obrigação de respeitar e garantir os direitos de todas as pessoas sem qualquer discriminação, e no que diz respeito à situação de violência e assassinatos contra pessoas trans, fazemos as seguintes recomendações:

  • Monitore e sancione publicamente os discursos transfóbicos que muitas vezes entram na mídia e que incorrem em apelos por discriminação e violência contra a população trans.
  • Adote as leis e políticas necessárias para garantir o reconhecimento, o respeito e a inclusão de pessoas com orientações sexuais diversas e identidade de gênero.
  • Estabeleça mecanismos especiais para responder às ações de violência e assassinatos contra LGBI e pessoas trans, que levem ao esclarecimento dos fatos e à punição dos responsáveis, bem como ao estabelecimento de garantias de não repetição.
  • Coletar dados sobre atos de violência e assassinatos contra pessoas trans, separados por identidade de gênero específica e identidade étnico-racial.
  • Promover por meio de instituições e canais oficiais uma campanha para educar e sensibilizar a população sobre orientação sexual e identidade de gênero, com vistas a gerar um contexto de reconhecimento e respeito à integridade e à vida de LGBI e das pessoas trans.

*No caso da Colômbia, a Fundação Grupo de Acción y Apoyo a Personas con Experiencia de Vida Trans (GAAT) registrou 32 assassinatos de pessoas trans até agora em 2021.

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