Dia Internacional da Visibilidade Trans: reconhecimento da luta pela defesa e proteção dos direitos da população trans da região
Washington DC, 29 de março de 2021 – Em virtude do Dia Internacional da Visibilidade Trans, que é comemorado no dia 31 de março, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), presta um reconhecimento especial àqueles que dia a dia lutam pela defesa e proteção dos direitos das pessoas trans na América Latina […]
Washington DC, 29 de março de 2021 – Em virtude do Dia Internacional da Visibilidade Trans, que é comemorado no dia 31 de março, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), presta um reconhecimento especial àqueles que dia a dia lutam pela defesa e proteção dos direitos das pessoas trans na América Latina e no Caribe, e reitera seu apelo aos Estados para que desenvolvam e assegurem a aplicação efetiva de políticas e leis que garantam o respeito, o reconhecimento e o pleno gozo dos direitos desta comunidade na região.
2021 vem a ser mais um ano em que a comemoração desta data é marcada pela falta de reconhecimento e proteção das pessoas trans, o que se traduz em ameaças, agressões físicas e verbais, perseguições, exclusão e, no pior dos casos, na morte de pessoas com expressões e identidades de gênero diversas. A região da América Latina foi responsável por 82% dos 350 assassinatos de pessoas trans ocorridos no mundo, entre 1º de outubro de 2019 e 30 de setembro de 2020, de acordo com a organização internacional Trans Respect vs Trans Phobia.
Essa situação se acentuou em 2020 em meio à pandemia de COVID-19. Por outro lado, a identidade de gênero das pessoas trans não foi levada em consideração entre as medidas que alguns países adotaram para conter as infecções, por isso foram excluídas e expostas a sanções por descumprimento das mesmas. Por outro lado, houve um aumento da violência policial e de grupos de ódio contra as pessoas trans, especialmente contra as mulheres trans que praticam o trabalho sexual.
No entanto, apesar desse contexto adverso, ativistas e organizações da sociedade civil continuam firmes e com total disposição para reforçar sua luta pelo reconhecimento e garantia dos direitos das pessoas trans. Portanto, em Raça e Igualdade esta é uma oportunidade de reconhecer e aplaudir o trabalho de defesa e proteção da comunidade trans na região, bem como de reafirmar nosso compromisso de apoiá-los em seus processos de capacitação e incidência junto ao Sistema Interamericano e às Nações Unidas.
Como forma de comemorar esta data, conversamos com ativistas de diversos países da América Latina e do Caribe sobre o que desejam neste Dia Internacional da Visibilidade Trans. Também oferecemos um breve relato da situação enfrentada pelas pessoas trans nos países onde Raça e Igualdade trabalha em parceria com organizações da sociedade civil. Os desafios são grandes, mas os sonhos e a vontade de continuar lutando também.
Reconhecimento e apoio
Como homem trans, o jornalista brasileiro Caê Vasconcelos pede que os homens trans sejam plenamente vistos pela sociedade. “Para que possamos trazer nossas narrativas de vida, de luta, de amor, de afeto, de toda potência que os corpos trans têm”, afirma. Vasconcelos destaca, em especial, que a falta de informação leva ao despreparo dos profissionais de saúde, visto que o universo ginecológico é totalmente voltado para a mulher. Para Caê, reconhecer que homens transmasculinos podem engravidar ou que necessitam de tratamento específico é tornar visível suas existências, reconhecer seus direitos e cidadania.
No Brasil, a falta de informação sobre as pessoas trans leva à invisibilidade e, consequentemente, à transfobia, uma vez que a negação da existência para além da cis-heteronormatividade estimula uma cultura de ódio e violência. Essa sombria realidade é fomentada por ideologias conservadoras aliadas a setores políticos da sociedade, o que faz do Brasil o país mais mata pessoas trans, de acordo com o dossiê sobre os assassinatos e violência contra travestis e transexuais no Brasil em 2020, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA).
“Pare de nos assassinar”, clamou a ativista de direitos humanos e ex-presa política Victoria Obando, da Nicarágua. Recentemente, neste país da América Central, o atroz assassinato de Anahís Contreras, uma mulher trans de 22 anos, conhecida como Lala, morreu após ser brutalmente espancada por dois homens, que a amarraram a um cavalo e foi arrastada por cerca de 400 metros. Este fato, na opinião de ativistas e organizações da sociedade civil nicaragüense, revela o nível de violência e exclusão que as pessoas trans enfrentam na Nicarágua.
Falar da população trans na Nicarágua é falar de Celia Cruz, cujo caso não só representa a violência com que as autoridades atuam contra as pessoas trans, mas também mostra o nível de arbitrariedade do Governo para perseguir e criminalizar aqueles que se manifestaram contra desde abril de 2018. Cruz é uma mulher trans que está confinada em uma prisão masculina, desde 21 de abril de 2020, e foi condenada em agosto daquele ano a dez anos de prisão, por crimes de obstrução à justiça de forma agravada e por sequestro extorsivo agravado.
Tomás Anzola, coordenador geral encarregado do Grupo de Ação e Apoio Trans (GAAT), da Colômbia, compartilha que seu desejo é “que as pessoas trans possam construir suas identidades e corporalidades em contextos de amor e segurança, na companhia de nossas redes de apoio”. Na Colômbia, a pandemia de COVID- 19 tem sido fundamental para aumentar a violência contra a vida das pessoas trans. Em 2020, foram registrados 28 assassinatos de pessoas trans (27 mulheres e 1 homem) e até 2021, foram registrados 6 assassinatos.
Com a abertura da discussão sobre a descriminalização do aborto na Colômbia, várias organizações trans indicaram a necessidade de que o acesso a este direito seja reconhecido sem implicar na negação de sua identidade. Da mesma forma, foi aberta uma discussão sobre a necessidade de reformar a Polícia Nacional, após o atentado cometido contra uma mulher trans em Soacha, em março deste ano, no qual um policial abusou sexualmente dela, além de ter sido insultada, atacada e assediada por outros.
Apesar disso, ainda não foram estabelecidas políticas públicas efetivas que garantam o reconhecimento e exercício dos direitos de pessoas transgêneras. Isso é extremamente preocupante porque, no dia a dia, os preconceitos alimentados pelo abandono do Estado deixam essa população em um cenário de alta vulnerabilidade.
Viva sem medo e com plenitude
Isabella Fernández, da organização Féminas, do Peru, expressa que neste dia seu desejo é que as pessoas trans possam crescer em lares livres de violência e discriminação. Globalmente, as pessoas trans ou com identidade e expressões de gênero diversas, têm maior probabilidade de deixar suas casas devido à rejeição de suas famílias, o que as expõe a uma maior discriminação e violência.
No Peru, organizações que lutam pelos direitos das pessoas LGBT, exigem a aprovação da lei de identidade de gênero, pois por não possuírem um documento de identidade que as represente perante instituições públicas e privadas, não podem acessar serviços básicos como saúde e educação, sendo que as opções de trabalho e moradia são muito limitadas.
Na República Dominicana, a ativista e membro da organização Trans Siempre Amigas (TRANSSA), Geisha Collins, compartilha que seu desejo é que as mulheres trans tenham direito a uma carteira de identidade que as representem como tal, e pedem ao Estado a aprovação de uma lei de identidade de gênero. Além do reconhecimento de suas identidades, também reivindicam que o direito à saúde seja respeitado levando-se em consideração suas necessidades, e que tenham garantido o acesso à educação, ao trabalho e à justiça sem discriminação.
Neste país caribenho, a TRANSSA também lidera uma campanha pela aprovação da Lei Geral de Igualdade e Não Discriminação, baseada no princípio da igualdade estabelecido no artigo 39 da Constituição da República Dominicana. Este projeto de lei inclui os temas de orientação sexual e identidade de gênero, o que, entre outras coisas, indica que constitui discriminação “negar o direito de ter a identidade de gênero de sua escolha, o que implica o direito à redesignação de gênero e imagem em documentos do Estado/públicos (…)”.
Ciente de que a falta de reconhecimento do Estado e da sociedade em geral submete a população trans a um quadro ininterrupto de violência e de violações de seus direitos, Raça e Igualdade defende e apoia as demandas dessa comunidade na América Latina e no Caribe. Também lembra aos Estados a obrigação de respeitar e garantir os direitos humanos de todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual e expressão e identidade de gênero. Em vistas disso, recomenda-se que apliquem ou aprimorem as seguintes ações:
- Adotar leis de identidade de gênero para permitir que pessoas trans exerçam a cidadania sob sua identidade de gênero sem quaisquer obstáculos e atrasos, de acordo com a Opinião Consultiva 24-17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH).
- Fortalecer os programas de capacitação de funcionários públicos – inclusive Policiais e operadores de justiça – para que tenham enfoque na identidade de gênero e gerem protocolos de atendimento
- Investigar e punir atos de violência contra pessoas trans, garantindo-lhes a devida proteção e diligência durante o processo.
- Realizar campanhas de educação e conscientização para promover o respeito às pessoas com orientações sexuais e identidade e expressão de gênero diversas.
- Criar protocolos de saúde específico sobre os cuidados para as pessoas trans e pessoas com expressão e identidade de gênero diversas.
- Coletar e publicar dados sobre violência contra pessoas LGBTI com uma abordagem interseccional.
- Assinar e ratificar a Convenção Interamericana contra Todas as Formas de Discriminação e Intolerância.