Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial: Os novos padrões internacionais sobre os direitos dos afrodescendentes e justiça racial, e a Convenção Interamericana contra o Racismo

Washington DC, 21 de março de 2022 – Desde os eventos como o assassinato do cidadão afro-americano George Floyd, os problemas do racismo e da discriminação racial foram posicionados na agenda mundial, gerando reações e medidas de proteção e reparação para as pessoas afrodescendentes. É inegável, por exemplo, o esforço que vem sendo feito no […]

Washington DC, 21 de março de 2022 – Desde os eventos como o assassinato do cidadão afro-americano George Floyd, os problemas do racismo e da discriminação racial foram posicionados na agenda mundial, gerando reações e medidas de proteção e reparação para as pessoas afrodescendentes. É inegável, por exemplo, o esforço que vem sendo feito no âmbito do Sistema Universal de Direitos Humanos para criar e fortalecer mecanismos internacionais de direitos humanos à essa população e à justiça racial.

Neste Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) reconhece os novos padrões internacionais em relação aos direitos dos povos afrodescendentes e da justiça racial, mas também faz um chamado para que esses mecanismos passem do papel à realidade e possamos vivenciar uma garantia plena de direitos para os povos afrodescendentes em todo o mundo.

Os mecanismos e seus mandatos

O referido contexto de conscientização e ações em prol dos direitos dos afrodescendentes também foi impulsionado pelo plano de atividades para a Década Internacional dos Afrodescendentes (2015-2024). Um de seus principais objetivos é aprovar e fortalecer os marcos legais nacionais, regionais e internacionais de acordo com a Declaração e Programa de Ação adotados na Conferência de Durban, e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, para assegurar sua implementação plena e efetiva.

Em 2021, as Nações Unidas adotaram dois mecanismos importantes. Um deles é o Fórum Permanente de Afrodescendentes, que foi aprovado em agosto por meio da Resolução 75/314 da Assembleia Geral das Nações Unidas, com a missão de ser um órgão consultivo do Conselho de Direitos Humanos. Entre seus mandatos está o de “contribuir para a plena inclusão política, econômica e social dos afrodescendentes nas sociedades em que vivem, em pé de igualdade com os demais cidadãos e sem discriminação de qualquer espécie, e ajudar a garantir o gozo em condições de igualdade de todos os direitos humanos”.

A resolução determina que o Fórum será composto por dez membros. Cinco desses membros são designados pelos governos e eleitos pela Assembleia Geral com base em uma distribuição geográfica equitativa, e mais cinco designados por organizações afrodescendentes. Outro ponto dos mandatos é avaliar uma possível declaração das Nações Unidas sobre a promoção, proteção e pleno respeito aos direitos humanos dos afrodescendentes, além de identificar as melhores práticas, desafios, oportunidades e iniciativas para abordar as questões relacionadas aos afrodescendentes

Por outro lado, em sua resolução adotada em 13 de julho de 2021, o Conselho de Direitos Humanos decidiu estabelecer um mecanismo internacional de peritos independentes, composto por três especialistas com experiência em aplicação da lei e direitos humanos, que devem ser designados pelo presidente do Conselho. O mandato deve examinar o racismo sistêmico e o uso excessivo da força e outras violações de direito internacional dos direitos humanos contra africanos e afrodescendentes por agentes da lei em todo o mundo.

O mandato deste mecanismo internacional de peritas e peritos independentes é de três anos, e está claramente definido em nove tarefas, entre as quais destaca-se a de “formular recomendações sobre a forma como os regimes jurídicos nacionais tratam o uso da força por agentes de aplicação da lei e como podem estar em conformidade com as normas de direitos humanos aplicáveis”. Além disso, entre os meios de ação estão contempladas visitas aos países e atividade de divulgação, e consultas inclusivas com os Estados, indivíduos e comunidades diretamente afetados e outras partes interessadas.

Em dezembro passado, soube-se que o mecanismo era formado pela juíza Yvonne Mokgoro da África do Sul, Tracie L. Keesee dos Estados Unidos e Juan Méndez da Argentina. Uma de suas próximas missões, de acordo com a resolução do Conselho de Direitos Humanos, é que, juntamente com o Alto Comissariado para os Direitos Humanos, elaborem relatórios anuais e os apresentem ao Conselho de Direitos Humanos a partir de sua 51ª sessão, prevista para ocorrer entre setembro e outubro deste ano. Isso é um marco no diálogo interativo, em que será dada prioridade à participação dos indivíduos e comunidades diretamente afetados, incluindo as vítimas e suas famílias.

Situação na América Latina

Na América Latina, o racismo e a discriminação racial são problemas estruturais e persistentes, com diversas manifestações e consequências que têm suas raízes na escravidão imposta pelo colonialismo europeu. A recente visibilidade da brutalidade policial, os episódios de perfilamento racial, a violência sistêmica contra afrodescendentes, e sua impunidade, são amostras de que esses males ainda estão latentes na sociedade do século XXI.

Diante dessa realidade, a Convenção Interamericana contra o Racismo, Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (CIRDI) configura-se como uma poderosa ferramenta de combate a esses problemas. Esta Convenção foi adotada pela Assembleia Geral da OEA em 5 de junho de 2013, tornando-se assim uma Convenção equivalente à Convenção Internacional para a Eliminação do Racismo e da Discriminação Racial (CERD) de 1965, o primeiro instrumento internacional de alcance universal a partir do qual foi priorizada a luta contra o racismo e a discriminação racial, e da qual fazem parte os 35 Estados membros da OEA.

Até o momento, apenas seis países das Américas (Antígua e Barbuda, Brasil, Costa Rica, Equador, México e Uruguai) aderiram integralmente à CIRDI, ou seja, assinaram e ratificaram. Enquanto isso, outros sete países (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Haiti, Panamá e Peru) apenas a assinaram, de modo que o instrumento ainda não vincula esses Estados. Raça e Igualdade, através da campanha CIRDI 2024 “Por uma região livre de discriminação racial”, propôs promover a ratificação e implementação da CIRDI na maioria dos países que compõem a OEA.

Em relação ao CERD, a CIRDI contém dispositivos inovadores, como colocar a definição do termo “racismo” em um instrumento legal, bem como estabelecer que atos de discriminação racial podem ocorrer tanto na esfera pública quanto na privada, enquanto o CERD limita esses atos fatos apenas para a esfera privada. A CIRDI também contempla a criação de uma Comissão Interamericana para a Prevenção e Eliminação do Racismo, Discriminação Racial e Todas as Formas de Discriminação e Intolerância. Este Comitê é encarregado de monitorar os compromissos assumidos na Convenção, servir de fórum para o intercâmbio de ideias e experiências, formular recomendações aos Estados Partes e receber relatórios dos Estados sobre o cumprimento das obrigações da Convenção. No entanto, a criação deste Comitê está sujeita à ratificação da Convenção por 10 países, o que ainda não aconteceu.

Relevância da CIRDI para a Colômbia e o Brasil

Na Colômbia, a Convenção Interamericana contra o Racismo, Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância iniciou seu processo de ratificação por meio da apresentação do Projeto de Lei para sua aprovação em 16 de dezembro de 2021. Esta Convenção pode significar uma contribuição substancial para a construção da paz na Colômbia com sua ratificação. Em particular, a CIRDI seria um instrumento jurídico vivo que daria suporte e fortalecimento ao arcabouço jurídico existente, especialmente no reconhecimento do racismo e da discriminação racial como fenômenos estruturais que têm sustentado as ações desproporcionais e diferenciadas contra os negros, afro-colombianos, população afro-colombiana, raizal e palenquera.

Os afrodescendentes sofreram os impactos desproporcionais do conflito armado na Colômbia. De acordo com a Unidade de Atenção Integral e Reparação às Vítimas (UARIV), 1.177.120 de pessoas afro-colombianas foram registradas como vítimas no Cadastro Único de Vítimas (RUV) até o momento. O Acordo Final de Paz reconheceu os impactos desproporcionais contra as comunidades afro-colombianas, especialmente por meio da inclusão do Capítulo Étnico, cujo objetivo é gerar garantias máximas para o pleno exercício dos direitos humanos das comunidades étnicas no país. Neste sentido, observa-se que o Acordo de Paz deve ser interpretado à luz do marco jurídico internacional, constitucional, jurisprudencial e legal existente, incluindo, por exemplo, a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD).

A ratificação da CIRDI implica que os países façam modificações em sua legislação para se adequar aos princípios e mandatos da Convenção, de modo que sua ratificação no Brasil em fevereiro de 2021, abriu um novo cenário para o discurso e ativismo antirracista neste país, onde 55 % da população é afrodescendente. Porém, ao mesmo tempo, configura-se um importante desafio, que é garantir sua efetiva implementação. Em Raça e Igualdade, assumimos o compromisso de prestar assistência técnica à sociedade civil e ao Estado para que a CIRDI se torne uma realidade no Brasil.

Cabe destacar que a brutalidade policial é responsável por uma grande parcela dos assassinatos de homens e mulheres afro-brasileiros, incluindo mulheres afro-transgêneras. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública documentou que “a taxa de mortalidade em 2019 devido a intervenções policiais foram 183,2% maior para afrodescendentes do que para brancos”. Na mesma linha, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública documentou que os afrodescendentes são as maiores vítimas da letalidade policial; em 2019, 79,1% das vítimas de intervenções policiais eram afrodescendentes, enquanto 20,8% eram brancos.

Vemos então que, tanto em nível universal quanto em nível interamericano, existem mecanismos fortalecidos e inovadores para a defesa e proteção dos direitos da população afrodescendente. Isto é, sem dúvida, um grande passo para a eliminação do racismo e da discriminação racial, pois para isso tem havido um processo de reflexão e comprovação das causas, manifestações e consequências desses males em diferentes âmbitos da sociedade. Estamos agora diante da tarefa de apropriar e implementar efetivamente esses instrumentos. Tal missão não corresponde apenas aos Estados como responsáveis ​​pela adesão e implementação dos mecanismos, como também da sociedade civil e da comunidade internacional, que devem ter a responsabilidade de acompanhar esses processos.

Em Raça e Igualdade reafirmamos o compromisso de continuar fortalecendo as capacidades das organizações da sociedade civil para que realizem processos de incidência e monitoramento. No caso particular da CIRDI, fazemos um chamado aos Estados para que ratifiquem e implementem essa Convenção tão importante em matéria de direitos humanos, bem como aos ativistas e organizações que estabeleçam rotas estratégicas para influenciar a ratificação e implementação da Convenção Interamericana em seus respectivos países.

Junte-se aos nossos esforços

Apoie o empoderamento de indivíduos e comunidades para alcançar mudanças estruturais na América Latina.