Dia Mundial de Luta contra Aids: Raça e Igualdade faz um chamado para que Brasil e Colômbia garantam equidade no tratamento do HIV

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Neste 1 de dezembro, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) presta solidariedade e homenageia todas as pessoas que vivem com HIV no Dia Mundial de Luta contra Aids. Instituído pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em outubro de 1987, com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU), a data visa […]

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Neste 1 de dezembro, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) presta solidariedade e homenageia todas as pessoas que vivem com HIV no Dia Mundial de Luta contra Aids. Instituído pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em outubro de 1987, com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU), a data visa despertar a conscientização e promover o diálogo sobre os direitos sexuais de forma inclusiva e responsiva na prevenção ao HIV. Além disso, essa data tem o objetivo de romper estigmas sobre a realidade das pessoas que vivem com o vírus, sendo um dia de visibilidade e solidariedade.

Brasil: Racismo e LGBTIfobia estrutural como barreiras no tratamento da Aids

No Brasil, durante todo mês de dezembro, celebra-se a campanha de conscientização “Dezembro Vermelho”, simbolizada por uma fita vermelha que, globalmente, representa um símbolo de solidariedade e de comprometimento na luta contra a Aids. Contudo, se o país já foi referência mundial no tratamento da Aids, atualmente enfrenta um desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS) acompanhado de retrocessos nas políticas públicas, como decretos do governo de Jair Bolsonaro que rebaixaram departamentos que tratam de vigilância e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, no qual se insere o HIV.

O dossiê “Qual é a cor do Invisível? A situação de direitos humanos da população LGBTI negra brasileira”, publicado por Raça e Igualdade, no capítulo 5, sobre direito à saúde, traz os dados que explicitam o preocupante avanço do HIV/Aids no país [1]. Conforme o documento aponta, o racismo e a LGBTIfobia estrutural somadas ao avanço do conservadorismo religioso, constituem-se como entraves para um tratamento de HIV equânime à toda população. A desresponsabilização do Estado frente a um discurso moralista, incita a sociedade a práticas preconceituosas e LGBTIfóbicas diante da falácia de que o HIV seria uma infecção de pessoas homossexuais. Com isso, o debate sobre educação sexual foi apagado das escolas.

Segundo o dossiê, entre os anos de 2007 e 2017, houve um aumento de 700% nas taxas de infecção por HIV entre pessoas com 15 a 24 anos. Dados referentes ao governo anterior, mas devido ao avanço do conservadorismo religioso, atualmente, constata-se explosões de casos de HIV entre jovens e adolescentes que não tiveram acesso às informações de saúde pública necessárias.  Ademais, o informe traz o impacto do racismo nos tratamentos de saúde, evidenciado pela grande discrepância na relação raça/cor e sexo no aumento de casos de infecção do HIV e desenvolvimento da Aids, entre 2008 e 2018.

Os dados epidemiológicos, explicitados pelo dossiê, mostram que tanto para homens quanto para mulheres, enquanto o número de óbitos decorrentes da AIDS diminuiu para as pessoas brancas, ele aumentou consideravelmente no caso de pessoas negras. Em 2018, foram 2885 (40,3%) mortes de homens brancos e 4219 (59%) mortes de homens negros. Para as mulheres, ocorre o mesmo movimento. Em 2008, houve 1804 (47,4%) óbitos de mulheres brancas e 1981 (52,1%) óbitos de mulheres negras. Em 2018, foram 1309 (37,7%) óbitos de mulheres brancas e 2136 (61,5%) mortes de mulheres negras.

O documento critica a invisibilidade das mulheres lésbicas, mulheres transexuais, travestis e homens trans nos dados do boletim epidemiológico. Colocados no padrão da cis-heteronormatividade universal, consequentemente, esses grupos deixam de ter políticas públicas de saúde que compreendam suas reais necessidades e, mais uma vez, são apagados e se tornam mais vulneráveis.

“Uma meta-análise realizada com base em dados de 15 países [2], estimou que 33,1% das mulheres trans no Brasil viviam com HIV, atrás apenas da Argentina (33,5%) e da Índia (43,7%), com dados atualizados até 2011. Essa mesma pesquisa apontou a alarmante estimativa de que mulheres trans tinham 49 vezes mais chances de contrair HIV do que outras pessoas”, revela o dossiê.

Nesse sentido, o dossiê traz à luz o impacto causado pelo racismo e a LGBTIfobia estrutural condenando grande parte da população brasileira a situações de extrema vulnerabilidade no atendimento e ao tratamento à uma condição digna de saúde. Com isso, o avanço do HIV/Aids no Brasil coloca novamente o país num risco pandêmico, uma vez que os desmantelamentos de programas sociais essenciais para a manutenção da saúde da população, servem de terreno para a proliferação não só de doenças, mas como também da desigualdade e da intolerância.

HIV/AIDS na Colômbia: uma história de sucesso sem vitórias

O relatório anual global do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), publicado em meados de 2020 [3], revela que a Colômbia é um dos poucos países da América Latina em que a taxa de infecções por HIV diminuiu na última década. Apesar disso, os números gerais escondem a falta de avanços no atendimento aos grupos mais vulneráveis, sendo que as altas taxas de mortalidade ainda persistem. No entanto, existem outras barreiras estruturais que impedem os mais vulneráveis ​​de aceder aos programas já propostos pelo Governo no âmbito desta estratégia global.

Em primeiro lugar, porque existe uma importante falha no acesso aos serviços de saúde, devido aos elevados índices de informalidade e desemprego no país, o que limita as possibilidades de acesso a um diagnóstico da doença, especificamente ao diagnóstico precoce para permitir uma ação pontual. Hoje, a epidemia concentra-se em algumas populações, sendo que duas delas pertencem ao coletivo LGBTI: “homens que fazem sexo com homens”, HSH (esta categoria inclui homens bissexuais e homens que não se autodenominam “gays”), e “mulheres trans ”, MT (pessoas trans que nascem do sexo masculino e atualmente são mulheres). Nestes grupos, os níveis de soropositividade são muito elevados.

Em Bogotá, em 2018, as taxas de contágio foram da ordem de 17% (HSH) e 20% (MT). Em contraste, a prevalência é de 0,5% para o resto da população de Bogotá, entre 15 e 49 anos [4]. A nível nacional, de acordo com o Ministério da Saúde, homens que fazem sexo com pessoas do mesmo sexo têm prevalência de infecção pelo HIV de 20,4% e mulheres transexuais de 23,4% [5]. Apesar destes números, não há programas específicos que permitam que esses grupos acessem testes rápidos ou informações relevantes nos meios de comunicação sobre o teste.

A segunda grande barreira é a discriminação e preconceitos que ainda persistem sobre o assunto. O estigma representado pelo HIV envolve indagações desrespeitosas e desnecessárias sobre a identidade sexual das pessoas, seu desempenho como profissional do sexo ou uso de drogas. Isto é especialmente chocante se levarmos em conta que nas principais cidades da Colômbia, em 2019, os casos de contágio aumentaram em mulheres trans em mais de 15%, e o trabalho sexual continuou a ser uma das formas mais comuns de fonte de renda [6]. Existe uma carga negativa associada à doença que transmite uma mensagem de morte e/ou indesejável à sociedade sobre as pessoas que vivem com HIV.

Ainda no ano passado, o Tribunal Constitucional da Colômbia eliminou a seção do código penal que criminaliza a transmissão do HIV, observando que a lei violava os princípios de igualdade e não discriminação, uma vez que discriminava as pessoas que vivem com o vírus, estigmatizando-as e limitando seus direitos [7]. Enquanto não forem criados programas específicos de acesso e eliminação de preconceitos para esses grupos e sobre a doença em geral, fica claro que o medo de se submeter ao tratamento médico e a resposta da sociedade prevalecerão sobre a busca pelo diagnóstico.

Por fim, voltando à ideia de que uma resposta preventiva por parte do Governo colombiano precisa ser fortalecida, é importante entender que o fenômeno do HIV/AIDS se apresenta como um grave problema de saúde pública mundial, no qual não só deve cobrir o contexto natural da doença, mas que tem de evolução de um processo que está envolvido em várias dimensões, como social, econômico e cultural.

O contexto da pandemia de COVID19 exacerbou as dificuldades. Apesar do UNAIDS ter recomendado a todos os países, durante a pandemia, não distribuir anti-retrovirais mês a mês aos pacientes, mas administrá-los por três meses, para evitar que saíssem de casa, a Colômbia não aceitou esta disposição [8]. Essa decisão, somada às difíceis condições socioeconômicas que afetavam de maneira diferenciada as pessoas LGBTI, atualmente limitam seu acesso aos serviços de saúde [9].

Desse modo, Raça e Igualdade faz um chamado aos Estados da região para que garantam equidade racial e sexual no tratamento do HIV, além de reforçar para a necessidade urgente de campanhas de educação sexual, seja nos ambientes escolares seja nos espaços públicos. É preciso quebrar estigmas e fortalecer a prevenção do HIV para que o mundo não seja assolado por uma outra pandemia que, como sabe-se, pode ser controlada. Sugerimos que os Estados adotem as seguintes recomendações:

  • Implemente as recomendações da CIDH que constam em seu relatório sobre Violência contra pessoas LGBTI (2015) e adotem medidas integrais que efetivamente combatam a discriminação e a violência enfrentadas pelas pessoas LGBTI que vivem na pobreza e na extrema pobreza; [10]
  • Que sejam elaboradas diretrizes para que as escolas de medicina e enfermagem abordem – em suas grades curriculares, em grupos de pesquisa e extensão e em seus eventos acadêmicos – temas como orientação sexual e identidade de gênero, para que, desde a sua formação, os profissionais da saúde conheçam as especificidades das pessoas LGBTI, em especial as pessoas trans.
  • Que se adotem medidas de sensibilização e capacitação dos profissionais que atuam na área da saúde, assegurando um tratamento igualitário para as pessoas LGBTI.

[1] Dossiê disponível em: http://oldrace.wp/es/es_publicaciones/

[2] Argentina, Austrália, Brasil, El Salvador, Espanha, Estados Unidos, Holanda, Índia, Indonésia, Itália, Peru, Paquistão, Tailândia, Uruguai e Vietnã.

[3] Disponível em: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/ 2020_global-aids-report_en.pdf

[4] Disponível em: https://www.revistaarcadia.com/periodismo-cultural—revista-arcadia/articulo/ lgbt-political-and-the-challenge-enfrentar-hivsida-in-colombia / 68263 /

[5] disponível em: https://www.radionacional.co/noticias/comunidad-lgbti-coronavirus

[6] disponível em: http://unradio.unal.edu.co/nc/detalle/cat/un-analisis/article/vih-en-america- latina.html

[7] Disponível em: https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2019/C-248-19.htm

[8]disponível em: https://www.unaids.org/sites/default/files/country/documents/COL_2020_countryreport.pdf

[9] disponível em: https://www.radionacional.co/noticias/comunidad-lgbti-coronavirus

[10] CIDH. Violência contra pessoas LGBTI. 2015, p. 227, par. 382. Disponível em: www.oas.org/pt/cidh/docs/pdf/ViolenciaPessoasLGBTI.pdf

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