Instituto Raça e Igualdade envia Carta de Alegações à ONU solicitando medidas protetivas para população negra, travesti e transexual durante a COVID-19 no Brasil
No mês de julho, o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) enviou uma Carta de Alegações aos Procedimentos Especiais das Nações Unidas, solicitando uma maior persuasão perante ao Estado brasileiro para que sejam tomadas medidas protetivas em relação a população negra, travesti e transexual, durante a pandemia de COVID-19 no […]
No mês de julho, o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) enviou uma Carta de Alegações aos Procedimentos Especiais das Nações Unidas, solicitando uma maior persuasão perante ao Estado brasileiro para que sejam tomadas medidas protetivas em relação a população negra, travesti e transexual, durante a pandemia de COVID-19 no país. Fundamentada nos direitos básicos, como proteção à vida, à saúde e à não discriminação, que fazem parte da obrigação do país como estado soberano e protetivo, a carta apresentada a ONU buscou ressaltar o contexto de urgência e abandono em que se encontram essas populações diante do surto pandêmico.
Através da Carta de Alegações é possível denunciar as violações de direitos humanos às Nações Unidas e, baseado no cenário sócio-político brasileiro atual, salientou-se, entre fatos e efeitos, a situação de descaso desses direitos pelo governo atual que não pode mais ser ignorada. Além disso, as recomendações ao combate da pandemia proferidas pelas instituições internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela própria ONU, serviram de apoio para ratificar a importância da influência que exercem a nível mundial. Portanto, a carta exerceu o papel democrático fundamental de visibilização e assistência aos/às cidadãos/ãs negros/as, travestis e transexuais do Brasil.
Desse modo, a carta apresentada à ONU amparou-se nos seguintes fatos que denunciam a irresponsabilidade do governo brasileiro e as consequências do negacionismo que tornaram evidentes a negligência política diante dos sujeitos e grupos vulnerabilizados:
a. Crises no Ministério da Saúde e posicionamentos contra o isolamento social: as consequentes demissões do cargo de Ministro da Saúde durante a pandemia e, com efeito, até hoje a pasta não possui ninguém chefiando um Ministério essencial para um período de crise sanitária. O desrespeito e menosprezo perante as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) [1], a quem Bolsonaro “acusou” de incentivar a masturbação e a homossexualidade para crianças de 0 a 4 anos de idade, numa tentativa LGBTIfóbica de desmoralização dessa organização. A insistência na defesa do isolamento vertical, ou seja, que apenas uma parcela da população deveria ficar isolada. Ao defender o isolamento vertical da população, Bolsonaro parece desconsiderar a realidade de grande parte da população brasileira, como o de muitas pessoas que moram em favelas, em geral em casas ou barracos extremamente pequenos, divididos por várias pessoas de uma mesma família [2]. Com efeito, em maio, confirmou-se que favelas do Rio de Janeiro, por exemplo, somavam mais mortes por COVID-19 do que 15 estados do Brasil. [3]
b. Efeitos sobre a população negra: A Sociedade Brasileira de Medicina da Família revela que 67% dos brasileiros que dependem exclusivamente do sistema público de saúde, o SUS (Sistema Único de Saúde), que é o primeiro a entrar em colapso, são pessoas negras, que são também a maioria dos pacientes com diabetes, tuberculose, hipertensão e doenças renais crônicas, todas consideradas agravantes para o coronavírus. Boa parte dessas comorbidades são ligadas a questões sociorraciais, como precariedade ou falta de saneamento básico, de condições de moradia ou alimentação inadequada [4]. Ou seja, o racismo estrutural impõe consequências negativas à saúde da população negra, que se agravam e se tornam mais nítidas em meio à pandemia.
c. Dados sobre violência contra mulheres no período da pandemia: Os números de feminicídios e homicídios femininos apresentaram crescimento, o que indica que o aumento da violência doméstica. Em São Paulo, por exemplo, comparando-se os meses de março de 2019 e março de 2020, houve um aumente de 46%. Na primeira quinzena de abril, os casos duplicaram. No Acre, no mesmo período, o crescimento foi de 67%. [5]
d. Problemas específicos da comunidade LGBTI, em especial travestis e transexuais: A situação da população travesti e transexual também confirma que as vulnerabilidades sociais têm sido agravadas durante a pandemia do coronavírus. Dados da ANTRA, informam que 90% das travestis e mulheres transexuais no Brasil utilizam o trabalho sexual como fonte primária de renda [6]. Com isso, torna-se impossível esperar que essa população consiga concretizar o isolamento social sem abrir mão de seu sustento para sobrevivência. Houve diversos relatos de grupos que exploram essas profissionais que não permitiram a interrupção de suas atividades, exigindo que as prostitutas travestis e mulheres transexuais continuassem a trabalhar nas ruas [7].
Os fatos apresentados acima, trazem à tona diversos “Brasis” que são cotidianamente deixados a própria revelia e que nunca fizeram parte do slogan “Pátria Amada, Brasil”, proclamado pelo governo federal. Sendo assim, essas informações consubstanciam-se em provas irrefutáveis para que os organismos internacionais de proteção aos direitos humanos, ajam na defesa dessa parcela da população desprotegida pelas instituições que deveriam ampará-las. Com isso, diante da falta de ações do Estado Brasileiro e do agravamento da pandemia, que já ultrapassou o número de mortes causados pela explosão da bomba atômica de Hiroshima, em 1945 – 90 mil mortes versus mais de 94 mil mortes no Brasil [8] – O Instituto Raça e Igualdade solicitou a ONU:
1- Que os procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas mencionados acima abordem o Estado do Brasil em relação à sua falta de devida diligência, exortando-o a adotar imediatamente as medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde
2 – Instar o Estado a ser transparente na divulgação de informações sobre a COVID-19, permitindo acesso fácil a informações de fontes oficiais para a imprensa independente, e tomando todos os esforços para que sejam divulgados os números reais de mortos e adoecidos.
3 – Instar o Estado brasileiro a indicar, imediatamente, um novo titular para o Ministério da Saúde, que dê conta de liderar o enfrentamento à pandemia e coordenar a ação com as demais unidades federativas.
4 – Instar o Estado do Brasil a tomar as medidas necessárias em conformidade com normas internacionais para garantir o acesso igual à saúde e os direitos humanos de seus habitantes, sem discriminação, incluindo o respeito ao nome de travestis e transexuais para o acesso a esses equipamentos.
5 – Exortar o Estado brasileiro a tomar todas as medidas necessárias para a ampla concessão do auxílio emergencial às populações mais vulnerabilizadas, adotando estratégias específicas para a população negra e periférica e a população LGBTI, com especial atenção à população travesti e transexual.
[1] https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public
[5] forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-v3.pdf