Memória trans: interseccionalidade nos assassinatos de pessoas trans da América Latina

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No Dia da Memória Trans, destacamos que os crimes de ódio contra pessoas trans têm raça, classe e gênero: a maioria das vítimas são mulheres trans negras, migrantes e profissionais do sexo. Washington DC, 20 de novembro de 2022.– No mundo, há pessoas que morrem por transfobia e indiferença, muitas no anonimato e na impunidade. […]

No Dia da Memória Trans, destacamos que os crimes de ódio contra pessoas trans têm raça, classe e gênero: a maioria das vítimas são mulheres trans negras, migrantes e profissionais do sexo.

Washington DC, 20 de novembro de 2022.– No mundo, há pessoas que morrem por transfobia e indiferença, muitas no anonimato e na impunidade. Hoje, no Trans Memorial Day, o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) quer comemorar as existências trans ajudando a manter viva a memória e reivindicando o direito à igualdade, à não discriminação e a uma vida sem violência motivada pelo ódio.

O dia 20 de novembro ficou marcado no calendário em homenagem a Rita Hester, uma mulher trans afrodescendente que foi cruelmente assassinada em 28 de novembro de 1998 em seu apartamento localizado em Boston, conforme relata NBC News, 2 dias antes de completar 35 anos. Após o terrível evento, Gwendolyn Ann Smith, outra mulher trans e ativista americana, lançou uma vigília em seu nome, onde cerca de 250 pessoas se reuniram. Até então, várias pessoas LGBTI já haviam sido assassinadas nos Estados Unidos, várias delas mulheres trans negras.

Rita Hester tornou-se um símbolo de memória e reconhecimento de todas as pessoas trans que foram mortas por não cumprirem as expectativas sociais e as normas relacionadas ao gênero.

Os assassinatos têm um componente racial

Como todos os anos, na véspera do dia 20 de novembro, o Observatório de Pessoas Trans Assassinadas (TMM) do TGEU, publicou o seu relatório anual sobre assassinatos de pessoas trans e com gênero diverso em todo o mundo. Segundo os dados, entre 1º de outubro de 2021 e 30 de setembro de 2022, houve 327 assassinatos em todo o mundo, dos quais 95% do total de assassinatos foram de mulheres transexuais e travestis e mais da metade estavam envolvidas no trabalho sexual. Além disso, o relatório observa que 35% das pessoas mortas na Europa eram migrantes. No entanto, a região que mais notificou nos últimos anos é a América Latina e o Caribe, onde se concentram 68% das mortes.

Outros detalhes importantes que o relatório fornece são raça e idade. Pessoas trans não brancas respondem por 65% dos assassinatos registrados e a maioria das vítimas de assassinato tinha entre 31 e 40 anos. O local mais comum onde ocorreram os homicídios foi a rua e, em segundo lugar, a própria residência. Vale a pena mencionar que muitos dos assassinatos continuam sem denúncia ou são classificados erroneamente. Na maioria dos países, os Estados não contam com sistemas de registro que incluam as categorias ‘identidade de gênero ou orientação sexual’, de modo que as organizações civis de direitos humanos são as que coletam esses dados.

Cuba e Nicarágua: não há informações sobre regimes autoritários

Enquanto algumas organizações da sociedade civil da região fazem esforços para coletar e notificar crimes cometidos contra pessoas trans e de gênero diverso. Em governos autoritários como os de Cuba e Nicarágua, a situação política dificulta. Organizações LGBTI+ e de direitos humanos em geral são perseguidas, pois têm grande incidência em denúncias de violações de direitos humanos.

Embora haja um estudo de 2016 da Oficina Nacional de Estatísticas e Informação (ONEI) de Cuba que diz haver mais de 3000 pessoas trans vivendo na ilha, não existe um sistema oficial que registre violências contra elas. Por outro lado, organizações LGBTI+ não podem coletar livremente essa informação.

A Nicarágua está em uma situação semelhante. Embora não haja registro oficial de assassinatos, o último informe de Observatório de vVolações de Direitos Humanos de pessoas LGTBIQ+ na Nicarágua – um projeto do Coletivo La Corriente – aponta que, durante o segundo trimestre de 2022, 10 mulheres trans e 1 pessoa não binária foram vítimas de violência. No entanto, o número de pessoas trans mortas é desconhecido.

Brasil, México e Colômbia: os países mais perigosos da região para pessoas trans

No início deste mês, alguns moradores de Ibicaraí, no sul da Bahia (Brasil), ajudaram Kauana Vasconcelos, uma adolescente trans de 16 anos, que havia sido esfaqueada e abandonada em um terreno baldio. Ela foi encaminhada ao Hospital Municipal Arlete Marón, mas não resistiu. A identidade do atacante é desconhecida.

De acordo com os números levantados pelo Observatório de Pessoas Trans Assassinadas, o Brasil responde por 29% dos assassinatos no mundo, o maior percentual globalmente. Do total de 327 assassinatos, 96 ocorreram no Brasil. No ano passado, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) registrou 140 assassinatos de pessoas trans, dos quais 81% eram negras e 78% do total eram profissionais do sexo. Em janeiro do próximo ano, para o mês da visibilidade trans, ANTRA divulgará números atualizados sobre assassinatos de pessoas trans.

Na Colômbia, em julho deste ano, Ana Paula Albino foi assassinada em sua própria casa. Ela foi violentamente atacada com uma arma afiada e depois sufocada. O assassino, identificado por câmeras de segurança, está sendo indiciado. Depois do Brasil (96) e do México (56), a Colômbia é um dos países mais perigosos da região para pessoas trans. Até agora neste ano, há um recorde de 28 pessoas trans assassinadas.

Justiça para Seb e Rodri

O mundo inteiro ficou chocado com a morte suspeita de Rodrigo Ventocilla enquanto estava sob custódia policial na Indonésia. Ele e seu marido Sebastian Marallano, dois jovens ativistas peruanos, viajaram para Bali no dia 6 de agosto deste ano para comemorar sua lua de mel. Na Indonésia, Rodrigo foi detido arbitrariamente depois que agentes de segurança do aeroporto de Denpasar viram que seu documento de identificação diferia de sua expressão de gênero. Ele foi revistado e acusado de tráfico de drogas ao encontrar em seus pertences remédios para sua saúde mental, apesar de ter receita médica. Embora não houvesse acusações contra Sebastian, ambos foram levados sob custódia pela polícia local. No dia 9 de agosto, os dois foram transferidos para o Hospital da Polícia por sofrerem uma suposta descompensação, porém, Os médicos não realizaram exames de sangue ou urina por falta de equipamentos, conforme indicaram. Os companheiros de Harvard Kennedy School de Rodrigo, que estava fazendo mestrado em Administração Pública, assim como seus advogados, foram impedidos de vê-los. Rodrigo morreu no dia 11 de agosto em circunstâncias que as autoridades indonésias não puderam esclarecer. No total, eles passaram cinco dias sob custódia. As famílias denunciam extorsão e tortura por transfobia e racismo.

No Peru, também não se sabe ao certo quantas pessoas trans são assassinadas, já que crimes baseados em preconceito não são caracterizados como tal pela justiça peruana. Muitas pessoas trans e LGBI+ são criminalizadas, patologizadas e discriminadas por instituições estatais. Apenas o Observatório de Pessoas Trans Assassinadas registrou três mortes este ano. O discurso de ódio e a cobertura negativa e preconceituosa da mídia alimentam a estigmatização e a exclusão social contra pessoas trans.

República Dominicana 

No início deste mês, a organização TRANSA (Trans Siempre Amigas) publicou um  comunicado com a Red Sin Violencia LGBTI e o Observatório dos Direitos Humanos das Pessoas Trans (ODHPT) para alertar as autoridades sobre desaparecimentos e assassinatos de pessoas LGBTI+ no país. “Exigimos que as autoridades dêem prioridade a este problema, sabemos que o número de pessoas desaparecidas aumentou, mas o número de pessoal e os recursos tecnológicos ainda são insuficientes para encontrar a busca rápida e eficaz…”. Até agora neste ano, TRANSSA registrou o assassinato de uma pessoa trans.

Medidas urgentes

Raça e Igualdade aproveita para recordar aos Estados a sua obrigação de respeitar e garantir os direitos de todas as pessoas sem qualquer tipo de discriminação. Por isso, fazemos as seguintes recomendações:

  • Coletar sistematicamente dados sobre atos de violência e homicídios contra pessoas transexuais, desagregados por identidade de gênero, orientação sexual, identidade étnico-racial e faixa etária.
  • Adotar leis e políticas necessárias para garantir o reconhecimento, respeito e inclusão de pessoas trans e de gênero diverso.
  • Estabelecer mecanismos especiais de resposta a ações de violência e homicídios contra pessoas LGBTI+ e trans, que levem ao esclarecimento dos fatos e à punição dos responsáveis, bem como ao estabelecimento de garantias de não repetição.
  • Monitorar e punir publicamente os discursos transfóbicos reproduzidos em instituições públicas e privadas e na mídia que incorrem em denúncias de discriminação e violência contra a população trans.
  • Promover, no âmbito institucional e nos canais oficiais, uma campanha de educação e conscientização sobre orientação sexual e identidade de gênero entre a população em geral, funcionários públicos e servidores públicos, a fim de gerar um contexto de reconhecimento e respeito à integridade e à vida de pessoas LGBTI+, trans e de gênero diverso.

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