Sentença da Corte Interamericana sobre o caso Vicky Hernández e outros Vs. Honduras: reparação sem precedentes para a comunidade trans da região

Washington DC, 1º de julho de 2021 – Em 28 de junho de 2021, dia em que se comemora o orgulho e a luta pelos direitos da comunidade LGBTI+, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) proferiu a sentença no caso Vicky Hernández e outros Vs. Honduras. Esta decisão é apenas a quinta sobre […]

Washington DC, 1º de julho de 2021 – Em 28 de junho de 2021, dia em que se comemora o orgulho e a luta pelos direitos da comunidade LGBTI+, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) proferiu a sentença no caso Vicky Hernández e outros Vs. Honduras. Esta decisão é apenas a quinta sobre os direitos LGBTI+ na América Latina e a segunda sobre as pessoas trans, representando um marco histórico para a região. A decisão reconhece, pela primeira vez, que as mulheres trans e travestis estão protegidas pela Convenção de Belém do Pará e, entre das reparações, a Corte Interamericana ordena ao Estado hondurenho que implemente uma lei de identidade de gênero nos próximos dois anos, um reparo sem precedentes em nossa região.

Vicky Hernández era uma mulher trans, defensora dos direitos LGBTI+ e profissional do sexo que foi assassinada em 2009, durante o golpe de Estado em Honduras. Em 28 de junho de 2009, foi declarado toque de recolher e, segundo algumas mulheres que acompanhavam Hernández naquele dia, elas estavam na zona vermelha fazendo trabalho sexual, quando foram descobertas por uma patrulha que tentou prendê-las. Todas correram em direções diferentes e, no dia seguinte, Hernández foi encontrado morta. Sua morte ocorreu em um contexto de detenções arbitrárias, dentre outros homicidios, devido às manifestações que ocorreram durante e após o golpe de Estado.

Entre os fatos assinalados na sentença, a Corte retoma a avaliação do perito peruano Carlos Zelada, sobre a existência em Honduras de “um contexto de contínua violência contra pessoas LGBTI que remonta pelo menos ao ano de 1994” e que, em o meio do golpe de estado foi intensificado, especialmente contra as mulheres transexuais profissionais do sexo. Ademais, o órgão regional também destaca que, desde 2008, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) tem expressado preocupação com a violência e a discriminação enfrentada pela população LGBTI+ na região. Essa população,  conforme a OEA ressalta, continua desprotegida e invisível nas Américas.

Em sua sentença, a Corte Interamericana apresenta um olhar sobre a situação vivida por Hernández antes de ser assassinada, pois afirma que em diversas ocasiões ela foi vítima de violentos ataques policiais. A sentença cita Claudia Spellmant Sosa, Diretora do Coletivo Unidad Color Rosa, que explicou que Hernández costumava comparecer ao Coletivo denunciando prisões arbitrárias e agressões físicas. A Corte Interamericana considerou o Estado responsável pela perícia, destacando o contexto do golpe no qual a polícia e os militares tiveram total controle das ruas, além da situação dos direitos LGBTI+ em Honduras, somada a discriminação e violência exercida pelos políciais contra as mulheres trans.

O Estado hondurenho aceitou parcialmente sua responsabilidade internacional de acordo com os artigos 8.1 (garantias judiciais) e 25 (proteção judicial) da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, pelas irregularidades durante o processo de investigação. No entanto, a Corte Interamericana destacou vários pontos importantes sobre as responsabilidades do Estado com relação a esses artigos, entre eles, a necessidade de levar em conta a identidade de gênero da vítima, seu ativismo e o possível papel dos agentes do Estado em seu assassinato. A Corte Interamericana também reiterou as normas do Acordo Gutiérrez Hernández e Outros v. Guatemala; e Azul Rojas Marín e outro vs. Peru; a respeito dos estereótipos de gênero e como estes afetam a parcialidade dos funcionários públicos.

Finalmente, a Corte Interamericana desenvolveu normas sobre o direito a um nome para pessoas trans e pessoas de diferentes identidades de gênero. A Corte reconheceu “que os Estados devem respeitar e garantir a toda pessoa a possibilidade de registrar e/ou modificar, retificar ou adaptar seu nome e os demais componentes essenciais de sua identidade como a imagem, ou a referência ao sexo ou gênero, sem interferência de autoridades públicas ou de terceiros ”. Com esse reconhecimento, abrem-se as portas para que mais Estados garantam o direito à identidade de gênero.

Em Raça e Igualdade celebramos esta decisão da Corte Interamericana, que consideramos histórica porque não apenas determina a responsabilidade do Estado no assassinato de uma mulher trans, profissional do sexo e defensora dos direitos das pessoas LGBTI+, mas também estabelece medidas de reparação que, se assumidas e implementadas, marcarão um importante avanço e precedente no reconhecimento e proteção dos direitos desta população, tanto em Honduras como em toda região.

Esperamos que o julgamento do caso Vicky Hernández y Outros vs. Honduras se torne uma referência para a demanda por justiça nos casos de violência e assassinato contra pessoas LGBTI+ na região. No caso da sociedade civil e das organizações de direitos humanos, temos certeza que esta decisão será uma ferramenta para sustentar padrões de violência e discriminação contra a população LGBTI+ nos processos de busca de justiça e proteção, enquanto, no caso do Estados, confiamos que esta decisão irá promover a adoção de políticas e leis específicas em benefício das pessoas LGBTI+.

Raça e Igualdade aplaude cada uma das reparações estabelecidas pela Corte Interamericana, especialmente aquelas referentes à implementação de uma lei de identidade de gênero e a coleta de dados sobre a violência contra pessoas LGBTI+ “desagregando os dados por comunidades, origem étnica, religião ou crenças, estado de saúde, idade e classe ou imigração ou situação econômica ”.

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