A violência contra a mulher e a importância de enfrentá-la numa perspectiva intersetorial
Washington DC, 24 de novembro de 2023 – A violência contra a mulher é tão comum quanto complexa em suas manifestações. Da mesma forma, seu impacto sobre as vítimas é […]
Washington DC, 24 de novembro de 2023 – A violência contra a mulher é tão comum quanto complexa em suas manifestações. Da mesma forma, seu impacto sobre as vítimas é determinado pela diversidade de fatores que convergem em suas vidas, desde sua idade e etnia até seu status social. É por isso que, no âmbito do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, que se comemora todo dia 25 de novembro, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) apela para a importância de abordar a violência contra as mulheres desde uma perspectiva interseccional, ao mesmo tempo em que apresentamos recomendações aos Estados para esse fim.
Nesse sentido, é necessário partir de uma definição de violência contra a mulher, quais são suas principais manifestações, bem como explicar o que é interseccionalidade, remetendo a exemplos do alcance da abordagem interseccional no nível do Sistema das Nações Unidas e do Sistema Interamericano. A ONU Mulheres – organização das Nações Unidas dedicada a promover a igualdade de gênero e o empoderamento feminino – observa que a violência contra as mulheres e meninas é definida como qualquer ato de violência de gênero que resulte ou seja provável que resulte em dano ou sofrimento físico, sexual ou mental a elas.
Em relação aos tipos de violência, a organização refere-se à violência física, psicológica, econômica, emocional e sexual, e dentro desta última inclui o assédio sexual, o estupro, o estupro corretivo e a cultura do estupro. Há também tráfico de pessoas, mutilação genital feminina, casamento infantil e violência online ou digital, incluindo cyberbullying, sexting e doxing. E, claro, a forma mais extrema de violência contra a mulher, o feminicídio.
Sobre a abordagem interseccional
Kimberle Crenshaw, advogada e acadêmica americana especializada em raça e gênero, foi a primeira a abordar o conceito de interseccionalidade de gênero para entender a desigualdade estrutural, definindo-a como “uma metáfora para entender as maneiras pelas quais múltiplas formas de desigualdade ou desvantagem às vezes se combinam e criam obstáculos que, na maioria dos casos, não são compreendidos nas formas convencionais de pensar”.[1]
Inicialmente, o termo foi amplamente criticado por gerar uma ideia de visão favorável a determinadas pessoas ou grupos em termos de direitos, afastando-se do conceito de igualdade. No entanto, até o momento, o termo interseccionalidade é plenamente aceito e incorporado aos sistemas de direitos humanos, não apenas em termos de gênero, mas também como uma ferramenta necessária para fornecer respostas abrangentes a situações de discriminação.
No âmbito do Sistema Interamericano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) utilizou pela primeira vez o conceito de “interseccionalidade” na análise da discriminação sofrida por uma menina no acesso à educação no caso Gonzales Lluy et al.[2] A esse respeito, a Corte afirmou que, no caso em estudo, “múltiplos fatores de vulnerabilidade e risco de discriminação associados à sua condição de menina, mulher, pessoa em situação de pobreza e pessoa com HIV convergiram de forma interseccional”. “A discriminação que ela sofreu […] Não só foi causada por múltiplos fatores, mas resultou em uma forma específica de discriminação que resultou da intersecção desses fatores, ou seja, se algum desses fatores não tivesse existido, a discriminação teria sido de natureza diferente. Com efeito, a pobreza teve um impacto no acesso inicial aos cuidados de saúde que não foi de qualidade e, pelo contrário, levou à infecção pelo HIV. A situação de pobreza também teve impacto nas dificuldades de encontrar melhor acesso ao sistema educacional e ter moradia digna” [3], argumentou o Tribunal.
Para Raça e Igualdade, a abordagem interseccional é uma de suas principais ferramentas de trabalho com organizações da sociedade civil. Por meio de um projeto lançado recentemente, nos propusemos a garantir que as prioridades e necessidades de diversas mulheres na América Latina sejam refletidas, respeitadas e defendidas nos mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos. Trabalhamos especificamente com mulheres do México, Honduras, Colômbia e Brasil e, em particular, com mulheres indígenas, LBTI+ e afrodescendentes que estão em situação de especial vulnerabilidade por serem mulheres e por pertencerem a alguns desses grupos que são alvo de discriminação. Buscamos fortalecer suas capacidades para que ressoem suas vozes nos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, bem como em nível nacional, e para compartilhar suas experiências entre elas.
Acreditamos que a proteção e defesa dos direitos humanos das mulheres é essencial para avançar em direção a uma sociedade justa e igualitária. Assim, para garantir a inclusão da abordagem interseccional nas políticas dessa área, fazemos as seguintes recomendações aos Estados:
- Realizar campanhas de conscientização para quebrar os estereótipos de gênero sobre as mulheres;
- Fornecer treinamento aos funcionários do Estado, especialmente aos funcionários judiciais, sobre a importância de adotar uma abordagem interseccional da discriminação, para que possam ser fornecidas respostas que abordem de forma abrangente as situações enfrentadas pelas mulheres;
- Revisar e desenvolver legislação que permita que os funcionários abordem e respondam com uma abordagem interseccional. Sem uma legislação que estabeleça a abordagem interseccional, é difícil implementar políticas nesse sentido;
- Envolver mulheres de diferentes grupos em processos de troca de experiências, levantando suas vozes sobre os tipos de violência a que estão sujeitas devido às suas condições de vida. Essa interação possibilita enriquecer perspectivas e políticas possíveis;
- Implementar programas especiais para garantir o acesso das mulheres a serviços básicos, bem como educação e trabalho;
- Coletar dados sobre violência contra a mulher sob indicadores de interseccionalidade, incluindo orientação sexual e identidade de gênero;
- Acompanhar a implementação e o âmbito das políticas relativas aos direitos das mulheres e à igualdade entre homens e mulheres no âmbito de uma abordagem interseccional.
[1] VOX, As Guerras da Interseccionalidade, https://www.vox.com/the-highlight/2019/5/20/18542843/intersectionality-conservatism-law-race-gender-discrimination
[2] Cf. Caso Gonzales Lluy et al. Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 1º de setembro de 2015. Série C nº 298.
[3] Cf. Caso Gonzales Lluy et al.v. Equador, supra, parágrafo 290.