Visita da Relatora da ONU sobre Racismo ao Brasil: Racismo Sistêmico e a Violência contra Mulheres de Grupos Raciais e Étnicos são destaques de seu Relatório

Visita da Relatora da ONU sobre Racismo ao Brasil: Racismo Sistêmico e a Violência contra Mulheres de Grupos Raciais e Étnicos são destaques de seu Relatório

Brasil, 23 de agosto de 2024 – “Racismo sistêmico demanda respostas sistêmicas”. Assim enfatizou Ashiwini K.P., Relatora Especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, durante a coletiva de imprensa com as conclusões preliminares sobre sua visita ao Brasil. Entre os dias 05 e 16 de agosto, a Relatora passou por Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro, onde se encontrou com autoridades do poder executivo federal e de governos estaduais, além de diversas organizações do movimento negro, indígena, quilombola e povos romani.

Em preparação à visita, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) junto ao Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), organizou uma capacitação virtual com entidades da sociedade civil para apoiá-las na preparação do documento com recomendações a serem entregues à Relatora. Além disso, a capacitação apresentou o escopo e objetivos da visita com o propósito de orientá-las no diálogo e nas ações de incidência perante este procedimento especial da ONU.

“A visita da Relatora sobre o racismo acontece em um momento importante para o país, afinal, estamos em mais um ano de eleições e de pleitear por políticas públicas interseccionais. Em nossa perspectiva, destacamos a importância de brindar as organizações brasileiras sobre a relação da ONU com o governo, pois a partir do relatório que será apresentado o Estado deve se comprometer a implementar reparações concernentes ao racismo”; destaca Rodnei Jericó da Silva, Diretor de Raça e Igualdade no Brasil.

Conclusões Preliminares: Destaques Importantes

Raça e Igualdade apresenta alguns pontos-chave das conclusões preliminares destacados pela Relatora sobre sua experiência no país, e que serão apresentados no relatório final ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho de 2025. Esse relatório será entregue ao governo brasileiro que, como país signatário da ONU, aceitou a visita oficial como uma forma de avaliação de suas políticas públicas.

Nesse sentido, Ashiwini K.P. ressaltou que identificou pontos positivos em algumas ações do governo, tais como o reconhecimento do racismo como fenômeno sistêmico; a criação do Ministério da Igualdade Racial, do Ministério dos Povos Indígenas, e da Secretaria dos Povos Romani, dentro do Ministério da Igualdade Racial; as propostas sólidas sobre políticas afirmativas; e a existência de uma unidade de saúde na Bahia para tratamento de anemia facilforme. No entanto, a Relatora enfatizou que o progresso no governo caminha a passos lentos, pois, ao reconhecer que o passado colonialista gera uma exclusão de grupos marcados pela violência estrutural, o Brasil deve adotar uma abordagem sistêmica para garantir uma justiça reparatória.

A ausência de dados desagregados foi uma questão apontada como urgente pela Relatora. Com destaque para a ausência de dados sobre os povos romani, pessoas LGBTI+, migrantes, refugiados e pessoas com deficiência, que enfrentam discriminações múltiplas. Aponta também sobre o crescimento de células neonazistas, especialmente em Santa Catarina, onde ela citou que há um apagamento de dados sobre este último tema. Dessa maneira, sublinhou que o Brasil deve garantir que as pesquisas e políticas públicas devem ser apoiadas e consultadas pelos grupos em situação de vulnerabilidade.

Assim, entre as suas propostas está o desenvolvimento de uma Instituição Nacional independente de Direitos Humanos em conformidade com os princípios referentes ao status das instituições nacionais de promoção e proteção dos direitos humanos (os Princípios de Paris), visando o monitoramento e a implementação de medidas antirracistas.

A  Relatora enfatizou que as comunidades indígenas e quilombolas estão à mercê de inúmeros retrocessos capitaneados pelo legislativo e pelo Congresso Nacional. Em suas críticas, ressaltou a morosidade estatal frente ao processo de demarcação territorial destas comunidades; a gravidade da tese do marco temporal; o racismo ambiental como um motor de exclusão e de vulnerabilização; e o descaso em relação à saúde destas populações frente o avanço do garimpo ilegal (agrotóxicos e doenças urbanas). Ainda, expressou sua preocupação com a violência sofrida pelos povos indígenas e quilombolas, destacando o recente caso Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e outros conflitos na Bahia. Assim, a Relatora exortou o governo a tomar uma postura urgente diante da intimidação com os povos indígenas e quilombolas, alertando a gravidade da consequente violência ambiental, e que devem ser tomadas ações mais contundentes, além de ressaltar o compromisso internacional do Brasil perante a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“É necessário um plano nacional coordenado para as questões indígenas e quilombolas, pois a proteção de suas terras é essencial para enfrentarmos a crise climática”, ressaltou Ashiwini K.P.

O entendimento do racismo religioso como uma prática persecutória e reprodutora de violência contra os praticantes de religiões de matriz africana foi um dos destaques de suas conclusões. Nesse sentido, a Relatora citou casos que lhes chegaram através da sociedade civil, como transportes privativos que se recusam a levar pessoas com suas vestimentas religiosas, a perda de guarda de filhos por mulheres de axé, aos ataques físicos organizados aos terreiros. Em seu entendimento, destacou que o Estado permite tais práticas misóginas e racistas e sugeriu que o governo crie um programa de proteção para tratar deste tema.

“Mesmo que haja o Disque 100, a falta de investimento do Estado manda uma mensagem de impunidade e de que o governo não irá tomar nenhuma medida sobre o racismo religioso”, avaliou.

Sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, a Relatora apresentou sua consternação diante da gravidade das ameaças e da brutalidade policial que estes grupos estão expostos. Mesmo reconhecendo a importância da criação do Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta, para elaborar propostas para a Política e o Plano Nacional de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, ela destacou a falta de recursos para direitos humanos e a efetividade dos que já existem. Desse modo, ela exortou o Brasil a implementar as ações sobre o tema feitas pela Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Mary Lawlor, após sua visita ao Brasil, em abril deste ano.

Frente à situação das mulheres negras e as interseccionalidades de gênero, como as mulheres LBT, foi destacado o precário acesso ao sistema de saúde e a violência obstétrica, a questão das trabalhadoras domésticas, a violência sexual e o feminicídio que vitimiza desproporcionalmente estas mulheres; com isso, ponderou a necessidade de uma orientação psicológica como política pública governamental. A Relatora demonstrou muita preocupação com os dados apresentados que comprovam que mulheres negras estão mais expostas ao feminicídio, destacando a violência que ocorre com mulheres negras lésbicas e transexuais. Ademais, a criminalização do aborto foi observada na sua avaliação, além das barreiras enfrentadas por mulheres que buscam até mesmo o aborto legal, em conformidade com o Código Penal. Nesse sentido, ela enfatizou a preocupação com a Proposta de Emenda Constitucional 1904/2024, que aumenta para até 20 anos de prisão as penas para as mulheres que realizarem aborto. Nesse ponto, foi destacada a importância do Governo implementar as recomendações do Comitê CEDAW, que avaliou o Brasil esse ano, para descriminalizar o aborto e garantir o acesso seguro para todas, respeitando os direitos e a autonomia corporal das mulheres. No que tange a economia do cuidado, observou também a exploração econômica sofrida pelas trabalhadoras domésticas.

Sobre a violência policial, a Relatora abordou que são especialmente mães afrodescendentes que perdem os seus filhos em razão da brutalidade policial, e que além de vítimas, estas também são criminalizadas.  Por isso, seu relatório terá um ponto importante em que se devem tomar medidas mais efetivas frente ao sistema carcerário e, mesmo reconhecendo que o uso de câmeras policiais seja um passo importante para uma política de segurança antirracista, sinalizou que há relatos de que essas câmeras não são utilizadas e que medidas de perfilamento racial estão sendo utilizadas pelo governo sem base científica. Desta forma, instou o governo a criar leis para o uso da inteligência artificial para que não seja utilizada de forma racista.

A Relatora também destacou a segregação espacial especialmente nos grandes centros, ocupadas majoritariamente por pessoas afrodescendentes, e que possuem acesso precários à infraestrutura. Ademais, evidenciou a falta de apoio às pessoas sem moradia.

O avanço da extrema direita e o crescimento de células neonazistas foi um dos pontos de extrema preocupação da Relatora, que salientou que há uma negação do estado de Santa Catarina sobre esses grupos e que devem ser implementadas políticas de cotas e ações afirmativas que empoderem a legislação local para combater o negacionismo. A partir desse viés, ressaltou também sua inquietação sobre a falta de esforços do legislativo brasileiro diante de projetos de lei que visam retroceder alguns dos direitos já conquistados.

Por fim, expressou preocupação com o crescimento da violência política de gênero e do discurso de ódio, e instou o governo a tomar passos cuidadosos nesta seara. Ressaltou que a baixa representatividades dos grupos em situação de vulnerabilidade em espaços de tomada de decisão é um reflexo do racismo sistêmico integeracional. Ademais, essa falta de representatividade também pode ser constatada dentro do judiciário.

Raça e Igualdade agradece o apoio e interesse de Ashiwini K.P., no comprometimento de sua relatoria para fomentar ações antirracistas e de justiça racial ao Estado brasileiro. Destacamos como um importante valor o reconhecimento do racismo religioso como prática racista e discriminatória perante a um mecanismo internacional de direitos humanos. Seguimos na luta pela defesa e garantia dos direitos humanos para o enfrentamento das desigualdades estruturadas pelo sistema racista. É urgente que o Estado brasileiro se comprometa com as demandas da sua população por justiça e equidade. Um governo cuja proposta é “União e Reconstrução” deve ter a reparação histórica como prioridade.

Sendo assim, compartilhamos algumas das recomendações entregues à Relatora sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata pelas organizações brasileiras:

  • Aprimoramento de políticas públicas de acesso à assistência jurídica e serviços de apoio as vítimas de violência doméstica e familiar, a partir do levantamento dos casos registrados nos últimos anos, com o objetivo de amparar e proteger as mulheres vítimas de violência e racismo (em especial o racismo religioso), entre outras ações a serem indicadas, a partir da colaboração de grupos feministas, lideranças religiosas, gestores públicos e especialistas no tema.
  • Exigir a implementação da Política Nacional de Saúde para a População LGBTI+ por meio da criação de equipamentos de saúde especializados para atender às demandas de alta complexidade demandas de alta complexidade na saúde das mulheres lésbicas;
  • Recomendar ao Estado brasileiro que resolva efetivamente todas as barreiras à justiça enfrentadas pelas vítimas de crimes racistas, acelerando os processos judiciais, revisando os padrões de provas para fortalecer a responsabilização por atos discriminatórios e monitorar as disparidades raciais no acesso à justiça, especialmente para mulheres afrodescendentes e pessoas LGBTI+.
  • Pleitear que o Estado brasileiro busque implementar devidamente medidas de reparação para as vítimas e familiares afetados pela violência do Estado, o que deve incluir suporte psicológico, assistência médica e compensação financeira, além outras que forem necessárias na análise do caso em concreto.
  • Assegurar que o Estado brasileiro também cumpra as recomendações elaboradas pelos Comitês CERD e CEDAW, órgãos de tratados que recentemente revisaram o país, e pontuaram preocupações semelhantes.
  • Recomendar a participação política dos povos indígenas e das comunidades quilombolas no desenvolvimento de políticas públicas que afetam seus territórios e nas políticas de defesa ambiental. Outrossim, instar o Estado brasileiro pela garantia da demarcação e titulação das terras quilombolas e indígenas, além de rechaçar a tese do Marco Temporal.

Conheça os temas prioritários da Relatora da ONU sobre Racismo, Ashiwini K.P., em sua visita ao Brasil

Brasil, 07 de agosto de 2024 – Entre os dias 5 e 16 de agosto, a Relatora Especial da ONU sobre formas contemporâneas de Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, Sra. Ashiwini K.P., realiza uma visita oficial ao Brasil. Em sua agenda, estão previstas reuniões fechadas com autoridades do poder executivo federal e de governos estaduais. Ademais, a Relatora se reunirá com a sociedade civil em diversas regiões do país, que contemplam as cidades de Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro.

O objetivo destes encontros é, através de uma escuta atenta sobre as problemáticas raciais, captar informações e recomendações concretas para subsidiar o relatório público que será emitido pela Relatora com o resumo de sua visita, e apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho de 2025.

Salientamos que esta visita acontece em um momento oportuno, tendo em vista as crescentes ocorrências e denúncias de violações de direitos humanos no país, sobretudo em face das populações mais vulnerabilizadas, nas quais o espectro racial e discriminatório lhes vitimizam e revitimizam na ausência de seus direitos básicos.

Raça e Igualdade destaca os temas propostos pela sociedade civil que contemplam a agenda da Relatora: (i) Racismo e Gênero; (ii) Racismo e população LGBTQIA+; (iii) Acesso à justiça e privação de liberdade; (iv) Racismo e comunidades romanis; (v) Racismo ambiental e comunidades tradicionais; (vi) Racismo e população negra; (vii) Racismo, justiça e política de drogas; (viii) Racismo e comunidades quilombolas; (ix) Racismo e Povos Indígenas; (x) Racismo religioso; (xi) Memória.

Os temas acima propostos possuem interface direta com o racismo, e os dados de instituições públicas brasileiras, como o IBGE e IPEA, confirmam este diagnóstico. Ressaltamos que os dados produzidos por organizações da sociedade civil, também trazem à luz as múltiplas discriminações que reproduzem a violência do racismo nas populações de terreiro e LGBTI+. Portanto, o racismo em face das religiões de matriz africana é um tema que consideramos relevante a ser considerado em seu relatório sobre o país.

Além disso, ressaltamos a pertinência da inclusão dos povos quilombolas e indígenas, haja visto que a atenção sobre a questão territorial destas comunidades se faz urgente, pois o debate sobre o marco temporal e a não titulação de terras quilombolas por todo o território nacional, vem ocasionando um número crescente de mortes por interesses do agronegócio.

Desta forma, Raça e Igualdade tem por perspectiva de que a visita de Ashiwini K.P.,  reverbere em uma postura proativa e reparatória do Estado brasileiro em lidar e pensar em formas mais efetivas de combate ao racismo em suas diversas vertentes.

Recomendação Geral No. 5 do MESECVI: Uma nova frente no enfrentamento à violência de gênero contra as mulheres afrodescendentes nas Américas

Washington D.C., 25 de julho de 2024 – Neste Dia da Mulher Negra Latino-americana, Caribenha e da Diáspora, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) une esforços para apoiar a divulgação e promover a implementação da Recomendação Geral nº 5: Violência de gênero contra mulheres afrodescendentes, reconhecendo que se trata de uma ferramenta de ação inovadora e abrangente para a proteção de mulheres, adolescentes e meninas afrodescendentes nas Américas frente a esse flagelo.

Como uma organização que trabalha para promover e defender os direitos humanos da população afrodescendente com base em enfoques étnico-raciais e de gênero, saudamos o fato de que o Sistema Interamericano de Direitos Humanos tenha esta recomendação geral, que fornece orientações amplas e claras para os Estados e para a sociedade civil na prevenção e tratamento da violência de gênero contra mulheres afrodescendentes.

Antecedentes

No Plano de Ação para a Década dos Afrodescendentes nas Américas 2016-2026, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), encarregou o Mecanismo de Acompanhamento da Convenção de Belém do Pará (MESECVI), de incluir o enfoque sobre afrodescendentes na agenda de prevenção da violência contra as mulheres como parte do objetivo de promover o acesso à justiça para a população afrodescendente do hemisfério.

Por sua vez, o MESECVI é um sistema de avaliação e monitoramento criado para garantir a efetiva implementação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção do Belém do Pará, que foi adotada em 1994, sendo um dos instrumentos jurídicos mais importantes na luta contra a violência de gênero na América Latina e no Caribe.

O MESECVI elaborou esta recomendação geral em uma aliança estratégica com a Rede de Mulheres Latino-Americanas, Caribenhas e da Diáspora (RMAAD) e o Fundo de População das Nações Unidas para a América Latina e Caribe (UNFPA). Para a Coordenadora Geral da RMAAD, Paola Yáñez, este documento é um marco histórico, embora reconheça que sua disseminação e implementação em nível nacional representam uma tarefa desafiadora.

Racismo e interseccionalidade, dois pontos-chave

A Recomendação Geral nº 5: Violência de Gênero contra Mulheres Afrodescendentes, foi aprovada em 28 de abril e apresentada em 12 de junho na IX Conferência dos Estados Partes do MESECVI, realizada em Santiago, Chile.

Essa recomendação se destaca por reconhecer o racismo como um fator que aprofunda e perpetua a violência enfrentada pelas mulheres afrodescendentes. Ademais, esta recomendação conta com uma perspectiva interseccional que visibiliza o problema e propõe respostas levando em consideração a diversidade das mulheres afrodescendentes e os diferentes tipos de violência que sofrem.

“Essa recomendação reconhece que o racismo é um fator determinante para que as mulheres enfrentem a violência. Ao longo de suas vidas, as mulheres afrodescendentes estão mais expostas do que outros grupos de mulheres às múltiplas formas de violência, incluindo a violência simbólica, derivada dos estereótipos negativos associados à racialização de seus corpos, cor da pele, cabelo, sexualidade, cultura e religião”, destacou Paola Yáñez, coordenadora geral da Rede de Mulheres Afro-Caribenhas, Afro-Latinas e Afro-Caribenhas, cultura e religião”, destacou Paola Yáñez, durante sua participação no Fórum Interamericano contra a Discriminação, organizado por Raça e Igualdade no âmbito da 54ª Assembleia Geral da OEA.

Na seção sobre interseccionalidade, a recomendação abarca as mulheres afrodescendentes com diversidade sexual, que vivem com algum tipo de deficiência, migrantes ou em situação de mobilidade humana, privadas de liberdade e sob conflitos armados.

Sobre as recomendações

As recomendações contidas no documento são dirigidas principalmente aos Estados, pois reconhece que eles são responsáveis por adotar e implementar ações para transformar o sistema patriarcal que legitima e tolera a violência contra as mulheres. Outra particularidade é que propõe a implementação de medidas diferenciadas e específicas para proteger as mulheres afrodescendentes, incluindo políticas públicas que respondam às suas necessidades particulares e que enfrentem diretamente os estereótipos étnico-raciais.

Em termos de prevenção e atenção à violência de gênero, as recomendações vão desde o desenvolvimento de programas de conscientização em uma abordagem étnico-racial e de gênero até o registro de dados estatísticos e administrativos sobre casos de violência contra mulheres afrodescendentes de forma desagregada.

As recomendações também refletem a importância de prevenir e enfrentar o problema a partir dos sistemas educacionais, com medidas como: elaborar estudos sobre discriminação e o impacto dos estereótipos étnico-raciais e de gênero vivenciados por meninas, adolescentes e mulheres afrodescendentes em todo o sistema educacional; estabelecer protocolos para o manejo de casos de violência de gênero contra meninas e adolescentes em centros educacionais; conceber e implementar periodicamente programas de educação com enfoque étnico-racial e de gênero e direitos humanos dirigidos ao pessoal de gestão, docente e administrativo do sistema educativo; e promover reformas curriculares de programas, conteúdos e textos educativos, assegurando a recuperação histórica e a inclusão da cultura e das contribuições das populações afrodescendentes para as sociedades atuais,  especialmente mulheres.

Da apresentação à disseminação e implementação

Para a sociedade civil, a Recomendação Geral nº 5: Violência de gênero contra mulheres afrodescendentes, representa uma nova ferramenta de advocacy para garantir o respeito e a proteção dos direitos humanos de meninas, adolescentes e mulheres afrodescendentes na região, razão pela qual celebramos sua aprovação.

O Instituto Raça e Igualdade está empenhado em apoiar sua disseminação e promover a implementação da Recomendação nº. 5 do MESECVI, com o objetivo de contribuir para a prevenção, atenção e punição da violência de gênero contra mulheres, adolescentes e meninas afrodescendentes nas Américas. Apelamos aos Estados para que atuem em conjunto com a sociedade civil para tornar possível cada uma das medidas propostas neste documento.

Acesse, baixe e compartilhe o documento completo, AQUI.

“PROTEJA SEUS DIREITOS”: a campanha que busca proporcionar ferramentas pedagógicas que ajudem a reduzir a violência contra os defensores do meio ambiente na região

Brasil, 18 de junho de 2024 –  O Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) se uniu à American Bar Association – ABA ROLI e diversos grupos de organizações da sociedade civil [1] que trabalham pelos direitos dos Defensores Ambientais (DE) na América Latina, para lançarem a campanha “PROTEJA SEUS DIREITOS”. Esta iniciativa faz parte do Programa de Apoio aos Defensores do Meio Ambiente na América Latina e tem como objetivo contribuir para a redução da violência contra os DE na região amazônica da Colômbia, Equador, Bolívia, Brasil, Venezuela e Peru; fornecendo ferramentas pedagógicas que promovam o fortalecimento das capacidades das organizações da sociedade civil e DE, para acessar os sistemas de justiça a fim de promover e proteger os direitos humanos através do trabalho de incidência e litígio estratégico a nível regional e internacional.

A América Latina é conhecida por sua diversidade biológica em nível mundial, mas também é uma das regiões mais perigosas para os defensores do meio ambiente. Segundo o relatório da Global Witness [2], em 2022, 88% dos assassinatos a nível mundial ocorreram na América Latina, com a Colômbia liderando o ranking mundial com 60 assassinatos. No Brasil, 34 defensores do meio ambiente perderam a vida, em comparação com os 26 de 2021. (incluir 6 países).

No âmbito de seu programa regional, ABA ROLI promove o fortalecimento das capacidades regionais para realizar intervenções coordenadas que respondam, protejam e previnam violações dos direitos humanos dos Defensores Ambientais na região amazônica. Através do programa de Apoio aos Defensores Ambientais na América Latina, ABA ROLI está implementando atividades para fortalecer as capacidades dos DE em responsabilizar o setor privado e os governos pelo cumprimento das leis ambientais, assim como na proteção e prevenção de violações dos direitos humanos contra os DE. Além disso, busca-se promover a implementação dos compromissos estabelecidos em acordos regionais e internacionais.

Graças à experiência coletiva e ao trabalho existente da ABA ROLI na região, os defensores e suas redes de organizações da sociedade civil foram incluídos no fortalecimento de suas capacidades em litígio estratégico, incidência e estratégias de autoproteção. A população-alvo do programa tem um foco interseccional que inclui principalmente mulheres defensoras, pessoas agricultoras, afrodescendentes, indígenas e/ou pessoas em situação de deficiência, assim como jovens (a partir de 16 anos) e pessoas LGBTQI+ e OSC que trabalham com defensores do meio ambiente.

 

 [1] Amazonia mía, Asociacion Civil Kape-Kape, Arayara, Carita, CONAINE,  Comunidad de Juristas Akubadaura, Derechos Humanos y Medio Ambiente (Dhuma), Encontro das Juventudes por Escazú 2024, ERI – EarthRights International, Guardián Amazónico,  La Paz querida, Observatorio DDHH y Justicia de Ecuador, Universal Rights Grou, Instituto Raça e Igualdade – Brasil, Terra de Direitos.

[2]  incluir detalhes do relatório. https://www.globalwitness.org/es/standing-firm-es/

 

 

Assembleia Geral da OEA: Raça e Igualdade Dialoga com a Sociedade Civil e Especialistas sobre Discriminação Racial, Violência de Gênero e Segurança Hemisférica nas Américas

Washington D.C., 14 de junho de 2024 – Em vistas da 54ª sessão da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos humanos na região com a realização de três eventos paralelos. O primeiro evento, o Fórum Interamericano contra a Discriminação, que faz parte do calendário institucional desde 2005, reunirá lideranças de diferentes países para um diálogo sobre reparação e as principais demandas da população afrodescendente, indígena e LGBTI+. O segundo evento abordará a crise dos direitos humanos na Nicarágua e o apoio financeiro internacional; e o terceiro evento, coordenado pelo Consórcio Latino-Americano de Direitos Humanos, reunirá atores-chave de diferentes países para discutir os direitos humanos como pilar da segurança hemisférica nas Américas. 

A Assembleia Geral da OEA será realizada de 26 a 28 de junho na Conmebol, localizada na cidade de Assunção, no Paraguai, sob o lema “Integração e Segurança para o Desenvolvimento Sustentável da Região”. Para Raça e Igualdade, a Assembleia Geral da OEA é um espaço de amplo diálogo e intercâmbio de boas práticas da sociedade civil da região, assim como uma oportunidade para fortalecer suas demandas por meio da escuta das delegações formadas pelos Estados-Membros e seu Secretariado. Dessa forma, os eventos paralelos alcançam o propósito de uma efetiva incidência política perante esse mecanismo internacional de direitos humanos. 

 

Fórum Interamericano contra a Discriminação

Este ano, o Fórum Interamericano contra a Discriminação será realizado na terça-feira, 25 de junho, e será composto por quatro painéis com os seguintes temas: “O papel dos sistemas de proteção dos direitos humanos na reparação de diferentes grupos discriminados na região”; “Experiências de reparação na região e sua abrangência em relação a grupos racializados, móveis ou em deslocamento, minorias sexuais, religiosas, linguísticas, políticas, entre outros”; “Reparação no contexto de gênero”; e, por fim, o painel “A população étnica e a 54ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral da OEA”.

O painel de abertura do Fórum contará com a participação de Gloria De Mees, Relatora da OEA sobre os Direitos dos Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial. Nos painéis seguintes, lideranças da região participarão do debate com informações sobre seus contextos e suas lutas por reparação, restituição e garantias de não repetição. Além disso, no contexto da reparação de gênero, várias ativistas apresentarão e discutirão as implicações da recomendação geral do Mecanismo de Acompanhamento da Convenção de Belém do Pará (MESECVI) sobre as mulheres afrodescendentes.

No âmbito do Fórum anual, também será discutido o fortalecimento da Coalizão Afrodescendente das Américas e da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (CIRDI).

Para participar, inscreva-se aqui: https://tinyurl.com/2fx7uc29 

 

O apoio internacional à Nicarágua e a crise democrática e dos direitos humanos

Na tarde da terça-feira, 25 de junho, o Raça e Igualdade reunirá especialistas da OEA, do meio acadêmico e da sociedade civil para discutir a responsabilidade das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) em relação aos crimes contra a humanidade e às violações de direitos humanos na Nicarágua. Da mesma forma, será analisada a relevância estratégica dessas instituições no uso da diligência prévia em direitos humanos para lidar com os impactos negativos de seus projetos de desenvolvimento.

Em um regime historicamente marcado por violações sistemáticas de direitos humanos, a continuidade do apoio financeiro internacional traz à tona diversas questões para a sociedade civil. De 2018 até hoje, o regime autoritário de Daniel Ortega, Rosario Murillo e seus seguidores realizaram ataques generalizados e sistemáticos contra a população civil nicaraguense na oposição por razões políticas. Desde 2021, a crise democrática e de direitos humanos se agravou significativamente. Em 9 de fevereiro de 2023, 222 pessoas foram libertadas da prisão, depois banidas para os Estados Unidos e arbitrariamente destituídas de seus direitos de nacionalidade e cidadania. Entre os grupos mais vulneráveis estão defensores de direitos humanos, jornalistas, líderes religiosos, mulheres, povos indígenas e afrodescendentes e pessoas LGBTI+.

No entanto, as abundantes evidências da crise democrática e de direitos humanos na Nicarágua não foram suficientes para que as Instituições Financeiras Internacionais decidissem mudar sua estratégia em relação ao país, fortalecer sua diligência prévia em direitos humanos ou suspender e/ou cancelar a execução de seus projetos no país. Em fevereiro de 2024, o Grupo Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, o Grupo Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Centro-Americano de Integração Econômica apoiaram 97 projetos em implementação na Nicarágua, com a aprovação de US$ 5.082,43 milhões, de acordo com informações disponíveis em seus sites. Destes, 57 projetos foram aprovados, num total de US$ 2.784,43 milhões, após o início da crise, em 2018.

Para participar, inscreva-se aqui: https://tinyurl.com/57r4b22m 

 

Direitos Humanos como Pilar da Segurança Hemisférica nas Américas

O Consórcio Latino-Americano de Direitos Humanos – formado por Raça e Igualdade, Freedom House e Fundação Pan-Americana para o Desenvolvimento (PADF) – realizará o evento “Direitos Humanos como Pilar da Segurança Hemisférica nas Américas” na quarta-feira, 26 de junho. Este evento visa visibilizar as violações dos direitos humanos em Cuba, Nicarágua, El Salvador e Venezuela, como a força motriz por trás do debate sobre segurança na região. Nesses países com contextos inseguros e repressivos, desigualdades em termos de liberdade e segurança são geradas com efeito diferenciado sobre os grupos mais vulneráveis, como afrodescendentes, mulheres, crianças, população LGBTI+ e pessoas privadas de liberdade por razões políticas.

Assim, novas preocupações e desafios, incluindo a situação política, social, econômica, ambiental e de direitos humanos dos Estados Membros da OEA, levaram essa organização a redefinir seu entendimento de segurança hemisférica. Assim, em 28 de outubro de 2003, os Estados das Américas promulgaram a “Declaração sobre Segurança nas Américas”, propondo um novo conceito de segurança multidimensional que reconhece que o objetivo da segurança hemisférica é a “proteção dos seres humanos”.

Em seu comunicado, a OEA considerou que “a democracia representativa é condição indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento dos Estados do Hemisfério” e que é “responsabilidade dos fóruns especializados da OEA, bem como dos fóruns interamericanos e internacionais, desenvolver mecanismos de cooperação para enfrentar essas novas ameaças com base nos instrumentos aplicáveis”.

Nesse contexto, o Relator Especial da CIDH para a Liberdade de Expressão, Pedro Vaca; a vice-diretora do Programa América Latina e Caribe da Freedom House, Alejandra Argueta; o advogado da organização Cubalex, Alain Espinoza; da organização Cubalex; a profissional jurídica da Unidade de Defesa Legal da Nicarágua, Arlette Serrano; o jornalista venezuelano do Voces de la Memoria, Víctor Navarro; e o cofundador da associação Tracoda (Transparência, Controladoria Social, Dados Abertos) de El Salvador, Luis Villatoro, discutirão estratégias para fortalecer a segurança e a proteção da população e dos defensores de direitos humanos, entre os desafios atuais enfrentados por regimes autoritários nas Américas.

Para participar, inscreva-se aqui: https://tinyurl.com/537cdu3w 

 

Saiba mais sobre eventos

Fórum Interamericano contra a Discriminação

Data e hora: Terça-feira, 25 de junho, das 9h às 12h30 (Assunção e Washington D.C.) / das 10h às 13h30 (horário de Brasília)

Localização: Hotel Dazzler, Avenida Aviadores del Chaco

Transmissão ao vivo via Zoom e Facebook Live @RaceandEquality

Inscrições: https://tinyurl.com/2fx7uc29 

Tradução simultânea em espanhol, português e inglês.

 

O Apoio internacional à Nicarágua e a crise democrática e dos direitos humanos

 

Data e hora: terça-feira, 25 de junho, das 17h às 19h30 (Assunção e Washington D.C.) / das 18h às 20h30 (horário de Brasília)

Localização: Hotel Dazzler, Avenida Aviadores del Chaco

Transmissão ao vivo via Zoom e Facebook Live @RaceandEquality

Das Inscrições: https://tinyurl.com/57r4b22m 

Tradução simultânea em espanhol, português e inglês.

 

Direitos Humanos como Pilar da Segurança Hemisférica nas Américas

Data e hora: Quarta-feira, 26 de junho, das 17h às 19h30 (Assunção e Washington D.C.) / das 18h às 20h30 (horário de Brasília)

Localização: Hotel Esplendor, Avenida Aviadores del Chaco

Transmissão ao vivo via Zoom e Facebook Live @RaceandEquality

Das Inscrições: https://tinyurl.com/537cdu3w

Tradução simultânea em espanhol, português e inglês.

No Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, fazemos um apelo urgente para combater a discriminação e o racismo religioso nas Américas

Washington D.C, 21 de março de 2024.– Ao comemorar neste 21 de março o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) apela urgentemente aos Estados para que adotem medidas para combater as crescentes manifestações de discriminação e racismo religioso nas Américas, que afetam significativamente grupos populacionais racializados, como afrodescendentes e indígenas.

Na América Latina e no Caribe, esses grupos enfrentam desafios persistentes para expressar suas tradições sagradas, ancestrais e culturais sem enfrentar restrições, estigma, repúdio ou violência.  Essas práticas incluem a perseguição de seus membros, bem como a violência contra locais de culto e símbolos religiosos associados a essas tradições. A discriminação religiosa e o racismo também podem se manifestar por meio de estereótipos e preconceitos que difamam as crenças e práticas dessas pessoas, perpetuando sua exclusão e marginalização.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) afirma que, no caso da população afrodescendente, sua identidade cultural implica a preservação dos saberes ancestrais e a conservação de seu legado histórico, de modo que tradições e crenças como as religiões Lumbalú, Candomblé, Abakuá, Umbanda, Hoodoo, entre outras, que têm suas raízes na África, fazem parte do patrimônio imaterial da diáspora africana e fazem parte do processo social de resistência desenvolvido por pessoas escravizadas nas Américas.

No caso dos povos indígenas, em termos do direito à liberdade de religião e crença, as Nações Unidas faz uma referência a um espectro mais diverso e complexo de culturas e crenças, uma vez que, de acordo com o direito à autodeterminação, os povos indígenas são livres para definir e determinar sua própria identidade espiritual, aponta para o relatório “Povos indígenas e o direito à liberdade de religião ou crença”, apresentado em outubro de 2022 pelo então relator especial sobre liberdade de religião ou crença, Ahmed Shaheed.

“Muitos conceituam a espiritualidade como um ‘modo de vida’: a conformação das emoções, hábitos, práticas ou virtudes distintas, a formação de diferentes crenças e maneiras de pensar e um modo particular de viver juntos e se comunicar. Portanto, a espiritualidade está relacionada ao transcendente e é intrínseca às experiências e práticas cotidianas dos povos indígenas. Além de sua singularidade, a espiritualidade e a cultura indígenas são muitas vezes baseadas na comunidade, identidade e relações com terras tradicionais”, detalha o relatório.

Um problema crescente com raízes na discriminação racial

O fato de grupos de populações afrodescendentes e indígenas serem os mais afetados pela discriminação e pelo racismo religioso, isso está intrinsecamente relacionado à discriminação racial e ao racismo sistêmico que persiste nas Américas.

No recente webinar “O Legado das Práticas Religiosas Africanas e os Preconceitos e Preconceitos Sociais que Enfrentam”, organizado pela Secretaria de Acesso a Direitos e Equidade da Organização dos Estados Americanos (OEA) no âmbito da VII Semana dos Afrodescendentes nas Américas, representantes da sociedade civil associaram a rejeição,  perseguição e até criminalização dessas práticas a processos históricos carregados de ignorância, estigmatização e preconceito por não serem consideradas “civilizadas”.

A CIDH relata repetidas denúncias de perseguição e ataques contra a vida e a integridade de líderes e praticantes de religiões de matriz africana em diferentes estados da região, bem como denúncias de destruição de templos e espaços sagrados de comunidades afrodescendentes. No Brasil, a Raça e Igualdade tem conhecimento de casos de intolerância religiosa contra religiões de matriz africana que desencadearam conflitos jurídicos, com o preocupante resultado de que fiéis perderam a guarda de seus filhos.

Na Bahia, a Secretaria de Estado de Promoção da Igualdade Racial registrou 19 casos de racismo religioso entre janeiro e 21 de julho de 2021, que representou 65% do total de casos registrados em 2020.Tags. Da mesma forma, no Rio de Janeiro, a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) recebeu denúncias de 19 casos contra religiões de matriz africana, incluindo dois envolvendo crianças, até o mês de maio do mesmo ano.

Por outro lado, no México, um relatório da organização Christian Solidarity Worldwide (CSW) revela que as  mulheres indígenas no país sofrem mais discriminação religiosa do que seus parentes homens. As mulheres que se recusam a aderir à fé católica romana majoritária enfrentam assédio e exclusão do sistema de justiça, programas e serviços de benefícios do governo e cuidados de saúde pré-natais.

O relatório observa que, embora a Constituição mexicana garanta a liberdade de religião ou crença e outros direitos humanos a todos os seus cidadãos, na prática, as violações são comuns em certas regiões: em particular, para as comunidades indígenas regidas pela Lei de Usos e Costumes.

Estândares Internacionais no Quadro do Direito Internacional

No Sistema Interamericano, o direito à liberdade de religião e crença está consagrado na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Artigo III) e na Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 12). Considerando que, ao nível do Sistema Universal dos Direitos do Homem, este está estipulado no artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 18º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, tendo sido aprofundado na Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Conviccções, em 1981.

Um dos instrumentos interamericanos mais notáveis sobre o tema é a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (CIRDI), que afirma que os Estados devem prevenir, proibir e punir qualquer restrição ou limitação ao uso da língua, tradições, costumes e cultura das pessoas em atividades públicas ou privadas.

O “Estudo sobre Liberdade de Religião e Crença. Normas Interamericanas”, da CIDH, revela um amplo arcabouço para a proteção desse direito, onde também destaca instrumentos e jurisprudência aplicáveis aos povos indígenas e afrodescendentes. Também aponta a vulnerabilidade de alguns grupos, como pessoas LGBTI, crianças e adolescentes, defensores de direitos humanos e pessoas privadas de liberdade, e, portanto, fornece um conjunto adicional de aspectos do direito à liberdade de religião e crença em relação a eles.

Um apelo à ação

Raça e Igualdade integrou a luta contra a discriminação religiosa e o racismo em suas linhas de trabalho. Desde 2021, no Brasil, desenvolvemos um projeto que visa promover a tolerância religiosa e a redução da violência e da discriminação contra praticantes de religiões afrodescendentes, por meio do fortalecimento de organizações afro-brasileiras para que possam documentar casos de violência com base em crenças religiosas, prepará-los para litígios internacionais estratégicos e fomentar uma cultura de respeito à liberdade religiosa,  além de qualificar entidades para que possam prestar apoio jurídico às vítimas deste flagelo. Enquanto isso, em Cuba, apoiamos a elaboração do relatório “Obstáculos enfrentados por líderes e membros de religiões afro-cubanas em Cuba”.

Com base nos princípios dos direitos humanos, e levando em conta que a discriminação e o racismo religioso são um problema crescente na região, Raça e Igualdade convoca os Estados das Américas a adotarem medidas para enfrentá-lo e contê-lo, um dos mais vitais dos quais é a ratificação e implementação da Convenção Interamericana contra o Racismo, Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. Em termos de monitoramento, é importante ter estatísticas e informações qualitativas sobre práticas religiosas e culturais de afrodescendentes e indígenas, respectivamente. Da mesma forma, que sejam promovidas informações desprovidas de preconceito e estigma em torno dessas práticas e, claro, que qualquer ação que as atrapalhe e implique em violações de direitos humanos, sejam penalizadas.

8M: A Força Antirracista na Luta pelos Direitos de Todas as Mulheres

Washington D.C, 8 de março de 2024. – Desde sua criação, o movimento pelos direitos das mulheres tem sido alimentado por diferentes perspectivas, ampliando sua visão e missão em diferentes esferas da sociedade. Uma delas é a perspectiva antirracista que, apesar de encontrar uma série de obstáculos para a sua plena integração, tem sido a base de importantes contribuições para a luta.

Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, através do Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), queremos exaltar a perspectiva antirracista, levando em conta que machismo e racismo são formas de opressão que se entrelaçam e afetam exclusivamente mulheres de diferentes origens étnicas e raciais.  No caso das Américas, mulheres afrodescendentes e indígenas em particular.

Conversamos com líderes e ativistas de diferentes partes da América Latina para que elas mesmas pudessem perceber a importância da perspectiva antirracista na luta pelos direitos das mulheres, suas contribuições para o movimento feminista e os desafios que persistem em diferentes níveis para incorporar plenamente essa visão no trabalho de defesa e promoção dos direitos das mulheres.

O racismo como gatilho para múltiplas formas de violência

“A perspectiva antirracista na luta pelos direitos das mulheres é necessária se concebemos o racismo como uma violência que permeia o sistema, o Estado e as estruturas sociais, a família, nossos corpos, e que faz com que a violência aumente; Ou seja, o racismo reconhecido como violência estrutural também replica e reproduz múltiplas formas de violência”, diz Patricia Torres Sandoval, mulher indígena do Grupo P’urhépecha, que integra a coordenação geral da Coordenadoria Nacional de Mulheres Indígenas (Conami) no México.

“A perspectiva antirracista dentro dos feminismos é essencial porque entende que a categoria de mulheres é muito mais ampla ou complexa do que apenas nos identificarmos como mulheres, engloba tudo o que seria a visibilidade da situação e das experiências das mulheres afrodescendentes, indígenas, trans, traz a análise interseccional que é pensar nas múltiplas formas de opressão como o racismo, machismo, classe, processos migratórios, etc.”, diz Gilma Vieira da Silva, coordenadora regional da Rede de Jovens Afrodescendentes da América Latina e Caribe (REDJUAFRO).

Vieira da Silva acrescenta que a interseccionalidade não pode ser pensada sem um contexto étnico-racial, e lembra que esse conceito foi formulado por uma mulher afrodescendente: a advogada e acadêmica estadunidense Kimberlé Crenshaw, que dedicou grande parte de seu trabalho para compreender a desigualdade estrutural em questões de gênero.

A violência de gênero não é individual

Já Torres Sandoval ressalta que as mulheres indígenas têm contribuído para o reconhecimento da violência coletiva. Ela explica que a frase “Meu corpo, meu território” – que foi apropriada como slogan pelo movimento feminista – vem de mulheres indígenas como forma de dizer que violar seus corpos também viola a terra e o território. “Como mulheres e povos indígenas, nos reconhecemos como parte integrante do território e da Mãe Terra, contrariando a perspectiva ocidental de que somos donos da terra”, diz.

Para Gahela Cari, feminista trans indígena da Federação Nacional das Mulheres Camponesas, Artesãs, Indígenas, Indígenas e Assalariadas do Peru, o feminismo é essencial para os processos de mudança, no entanto, ela ressalta que não basta se não for antirracista. Em suas palavras, o feminismo antirracista “se posiciona em meio a uma sociedade com tantas desigualdades” e mostra que, além do gênero, outros sistemas de opressão impossibilitam viver com dignidade.

“Temos que construir processos de escuta, diálogo, construção coletiva. Mesmo quando não entendemos totalmente o que a outra pessoa está colocando na mesa”, aponta sobre uma tarefa necessária na luta feminista para trabalhar a partir de uma abordagem antirracista. Nesse sentido, ela destaca a importância de fechar o caminho para processos autoritários no país, como o que está acontecendo com o atual regime político no Peru.

Educar a partir de uma perspectiva antirracista, uma tarefa dupla

Nesse sentido, Fernanda Gomes, assistente social e integrante da Articulação Brasileira de Lésbicas (ABL) no Brasil, questiona o fato de que é preciso educar constantemente sobre a perspectiva antirracista para pessoas e grupos que não têm essa visão adequada ou que, até mesmo, a excluem.

“É um grande desafio porque a gente perde tempo pensando em uma política pública, escrevendo um manifesto, para educar essas pessoas. Temos que estar constantemente dizendo ‘ah, fulano de tal, eu não sou seu professor, pesquise no Google, pergunte a um amigo branco seu’. O movimento de mulheres negras, lésbicas e feministas também é um movimento de educação. Estamos educando pessoas brancas o tempo todo e é exaustivo”, diz.

Contribuições e desafios

Brisa Bucardo, jornalista do povo Miskito da Nicarágua, destaca o papel que os movimentos de mulheres têm desempenhado no contexto da costa caribenha do país, pois não apenas fornecem apoio fundamental às mulheres vítimas de violência, mas também lideraram as denúncias das cidadãs e fortaleceram as capacidades das mulheres tanto individual quanto coletivamente. Além disso, desmantelaram conceitos arraigados de violência historicamente justificados sob o rótulo de “cultura”.

Em termos de contribuições para a luta pelos direitos das mulheres, Dunia Medina Moreno, mulher afrodescendente e membro da Rede de Mulheres de Cuba, destaca o papel que as mulheres afrodescendentes têm desempenhado na promoção e defesa dos direitos humanos, o que resultou em uma proteção mais abrangente dos direitos de todas as pessoas em sua diversidade de identidades.

“Devemos criar um feminismo onde todas as mulheres se encaixem, um feminismo interseccional onde todas as mulheres se integrem e possamos cobrir todas as dimensões de discriminação que experimentamos”, diz Leticia Dandre Pie, ativista de direitos humanos na República Dominicana e membro do Movimento de Mulheres Dominicano-Haitianas (MUDHA).

Apesar dos avanços na introdução da perspectiva antirracista na luta pelos direitos das mulheres, ainda há desafios para uma real integração que se traduza não apenas em ativismo mais inclusivo, mas também na formulação de políticas públicas mais abrangentes. “Sabemos que a militância hoje tem que ser reconhecida como um trabalho, o nosso tempo que colocamos na luta tem que ser reconhecido, mas muitas vezes as mulheres afrodescendentes recebem pouquíssimos recursos, isso inclui também mulheres trans, mulheres com deficiência, mulheres indígenas”, diz Gilma Vieira da Silva, da REDJUAFRO.

“São muitos os desafios para se considerar a perspectiva antirracista tanto no Estado, na academia e na sociedade em geral, há sobretudo um imaginário geral que ainda coloca o eurocentrismo como a ideia do melhor, de aspirar a ser esse estereótipo branco hegemônico voltado a certos parâmetros da beleza estética, mas que não só existe no imaginário geral como consegue também permear as instituições.”  diz Patricia Torres Sandoval, da CONAMI México.

Do “feminismo branco” à interseccionalidade

Uma das grandes críticas aos feminismos originários, ou o que podemos chamar de “feminismo branco”, é que eles universalizaram a experiência das mulheres brancas[1]. Ou seja, no início a luta do feminismo era reduzida apenas às necessidades das mulheres que, de uma forma ou de outra, estavam em situação de privilégio.

A perspectiva antirracista no feminismo é crucial porque desafia essa visão eurocêntrica e androcêntrica que permeou muitos campos acadêmicos e movimentos sociais por meio do feminismo branco[2]. As mulheres racializadas que passaram a desafiar esses padrões forneceram análises críticas a partir de suas experiências situadas, questionando as estruturas de poder e defendendo uma compreensão mais completa das interseções entre raça, gênero e classe na luta contra a opressão.

Em particular, elas têm questionado a homogeneização da categoria “mulher” nos movimentos feministas, apontando que as experiências das mulheres variam significativamente de acordo com sua raça, etnia, classe e orientação sexual[3]. Essa abordagem interseccional tem enriquecido a compreensão das interconexões entre diferentes sistemas de opressão.

Você sabia?

Existem instrumentos de proteção e promoção de direitos com abordagem antirracista ou com perspectiva de gênero-raça. Alguns deles são:

  1. Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH): É o documento internacional que estabelece os direitos fundamentais de todas as pessoas sem qualquer discriminação baseada em raça ou gênero, entre outros.
  2. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) é o instrumento internacional que trata especificamente da discriminação de gênero e leva em conta as dimensões de raça e outros fatores. Reconhece a interseccionalidade das discriminações enfrentadas pelas mulheres.
  3. Convenção Internacional pela Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (CERD): Este tratado das Nações Unidas proíbe a discriminação racial em todas as suas formas e promove a igualdade racial. Embora não focalize exclusivamente a perspectiva de gênero, reconhece a interseccionalidade da discriminação.
  4. Declaração e Plataforma de Ação de Pequim sobre a Mulher: Esta convenção, que foi adotada na Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher em 1995, destaca a interseccionalidade e reconhece a importância de abordar a discriminação com base em gênero e raça.
  5. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará): é o tratado regional interamericano que tem como foco a violência de gênero e reconhece a interseccionalidade das formas de discriminação enfrentadas pelas mulheres, incluindo o racismo.
  6. Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes: Esta é a convenção que aborda os direitos dos povos indígenas e reconhece a importância de abordar a discriminação com base na raça.
  7. Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas: reconhece o direito das mulheres indígenas ao reconhecimento, proteção e gozo de todos os direitos humanos sem discriminação de qualquer natureza, estabelecendo o dever dos Estados de erradicar todas as formas de violência contra as mulheres indígenas.
Recomendações

A fim de assegurar a integração efetiva de uma perspectiva racial nas políticas e resoluções relativas aos direitos das mulheres, os Estados e os órgãos de direitos humanos devem:

  • Formular políticas de igualdade de gênero que incluam explicitamente a perspectiva interseccional na formulação de políticas de igualdade de gênero.
  • Promover a diversidade em todos os níveis de liderança para refletir diferentes experiências.
  • Implementar programas educacionais que destaquem a importância de compreender as complexidades da interseccionalidade. Em particular, promover a conscientização da importância da interseccionalidade em todas as áreas do governo, bem como nos órgãos decisórios e judiciais, para que essa perspectiva seja replicada nas decisões.
  • Apoiar e promover organizações que trabalham na intersecção de gênero e raça.
  • Avaliar regularmente a eficácia das políticas, garantindo que várias camadas de discriminação sejam abordadas.

 

[1] Parra, Fabiana (2021). El feminismo será antirracista o no será. Joselito Bembé. Revista Político Cultural, nro. 2, p. 42, disponível em: https://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/art_revistas/pr.12875/pr.12875.pdf

[2] Curiel, Ochy (2007). Crítica pós-colonial às práticas políticas do feminismo antirracista. Nomads, ISSN 0121-7550, ISSN-e 2539-4762, No. 26, p. 93, disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3997720

[3] Boddenberg, Sophia (2018). Mulheres indígenas e afrodescendentes, interseccionalidade e feminismo decolonial na América Latina. Revista Búsquedas Políticas, Universidad Alberto Hurtado, disponível em: https://politicaygobierno.uahurtado.cl/wp-content/uploads/sites/8/2018/06/sophia_boddenberg_mujeres_indigenas.pdf

CONAQ E RAÇA E IGUALDADE LANÇAM EDITAL DE SELEÇÃO PARA JOVEM QUILOMBOLAS PARA FORMAÇÃO EM LITIGÂNCIA ESTRATÉGICA

Brasil, 05 de março de 2024 – A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) em parceria com o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), torna pública a abertura de inscrições do processo seletivo para Jovens líderes de comunidades quilombola (LGBTQI+, mulheres e pessoas com deficiência) para Formação em litigância estratégica, que fortalecerão habilidades, conhecimentos e redes para promover igualdade, equidade e inclusão em suas comunidades.

 As inscrições estarão abertas no período de 06 a 28 de março de 2024. As candidaturas devem ser encaminhadas integralmente ao e-mail: adv.quilombolas@gmail.com, com assunto “INSCRIÇÃO 2024”, contendo documentação e anexos em PDF descritos no item 4 do presente edital e seus subitens.

No ato de inscrição, deverão ser enviados, pelo(a) candidato(a), todos os documentos listados, sendo esta condição obrigatória para a devida homologação da mesma, não lhe cabendo posterior complementação de entrega ou mesmo troca de item qualquer da documentação apresentada, restando, portanto, o indeferimento de inscrição com documentação incompleta.

Somente serão aceitas inscrições recebidas até às 23h59 do dia 28 de março de 2024, no e-mail disponibilizado. São responsabilidade e obrigatoriedade do candidato tomar conhecimento de todas as datas, normas e procedimentos indicados neste Edital.

ATENÇÃO, O FORMULÁRIO DE INSCRIÇÃO ESTÁ DISPONÍVEL NA VERSÃO PARA IMPRESSÃO E NA VERSÃO ONLINE DENTRO DO EDITAL. O PREENCHIMENTO DO FORMULÁRIO É OBRIGATÓRIO E O NÃO PREENCHIMENTO CAUSARÁ A DESCLASSIFICAÇÃO IMEDIATA. 

Acesse o edital clicando no link abaixo:

https://x.gd/O8yeE

A versão para impressão do formulário de inscrição está disponível no link abaixo:

https://docs.google.com/forms/d/1yVzrjcr-M86iZT0guXnlW66cKMVCrve5j87mfHqklWM/viewform?edit_requested=true

 

Texto original – Fonte: CONAQ Quilombos

Operação Verão x Operação Escudo: Raça e Igualdade condena a letalidade da Segurança Pública de São Paulo

Brasil, 21 de fevereiro de 2024 – Seguindo a mesma lógica violenta de 2023, a política de segurança pública aplicada pelo Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e pelo seu Secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite; celebra seu êxito com um fatídico número de mortes. A Operação Verão realizada na Baixada Santista alcançou 28 mortes em 16 dias, ou seja, com 23 dias a menos que Operação Escudo, ocorrida na mesma época no ano passado. O expressivo número de mortes atingido em menos dias de operação, demonstra a alta letalidade sem qualquer fundamento mais objetivo e dentro da legalidade. Ressaltamos também, que a impunidade diante dos fatos ocorridos em 2023 revela a falta de transparência nas investigações e na descredibilidade do sistema de justiça.

O Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) rechaça a estratégia de implementação de uma política de terror e de morte que ignora quaisquer direitos de vida e dignidade humana. Desse modo, condenamos a ação de forças policiais que consideram viável responder com requintes de vingança a morte de um policial na região. Com o mesmo argumento, a atual Operação Verão, foi estabelecida em sua terceira fase, após a morte do policial Samuel Wesley da Costa, no dia 02 de fevereiro, em Santos.

Mesmo diante das denúncias da população de desrespeito às leis, da invisibilidade dos moradores da região perante os agentes de segurança pública e da vitimização de inocentes, a Polícia Militar e seus superiores justificam a Operação Verão como “um esquema especial diante dos munícipes e turistas”. No entanto, Policiais Militares que atuam nas comunidades seguem aplicando execuções extrajudiciais e não fazem uso de câmeras nos seus uniformes. Segundo relatos do Ouvidor da Polícia de São Paulo, esta operação está sendo considerada uma das mais letais da história.

Em dezembro de 2023, o Brasil recebeu a visita do Mecanismo de Especialistas Independentes para Promoção da Justiça e Igualdade Racial na Aplicação da Lei (EMLER), das Nações Unidas, que se pronunciou sobre as chacinas ocorridas no Rio de Janeiro e São Paulo, alertando sobre as execuções extrajudiciais que têm como atravessamento o “racismo perverso e presente”, que evidencia as desigualdades na aplicação da lei. Segundo o Mecanismo, “a impunidade é generalizada no sistema penal e as pessoas têm medo de retaliação”.

Deste modo, em mais um ano, seguimos urgindo aos sistemas internacionais de proteção de direitos humanos que intervenham perante as ações da polícia de São Paulo que com sua política de morte, fere o devido processo legal, o direito de defesa e nega a vida sem qualquer critério objetivo, executando pessoas sob um suposto argumento de legalidade das ações letais e que de forma inequívoca resultam em violações de direitos humanos. Prestamos nossa solidariedade às famílias da região da Baixada Santista e seguimos pleiteando por estratégias de vida e de proteção do povo brasileiro, pois sabemos que o perfilamento racial e a questão territorial têm grande influência no perfil das vítimas. Assim, recomendamos ao Estado brasileiro:

  • Estabeleça a obrigatoriedade do uso de câmeras nos uniformes policiais em qualquer operação deflagrada por agentes da força de segurança pública.
  • Investigação e responsabilização de Governadores e Secretários envolvidos em execuções extrajudiciais em seus mandatos, além dos agentes de segurança envolvidos em ambas as operações.
  • A aplicação da Convenção Interamericana contra o Racismo e Formas Correlatas de Intolerância (CIRDI) que como um instrumento de pacto jurídico internacional prevê ações efetivas antidiscriminatórias com força de lei;

 

Visita do EMLER ao Brasil: Mecanismo da ONU exorta por reparação frente ao racismo sistêmico e a brutalidade policial

Brasil, 22 de dezembro de 2023 – De 27 de novembro a 08 de dezembro, o Mecanismo de Especialistas Independentes para Promoção da Justiça e Igualdade Racial na Aplicação da Lei (EMLER), das Nações Unidas, esteve em Missão no Brasil com visita às cidades de Brasília, Salvador, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro. O Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) junto às organizações parceiras, se mobilizou para entregar ao Mecanismo, um documento com recomendações gerais e específicas sobre os temas atravessados pelo perfilamento racial antinegro no país, em busca de reparação e de justiça racial.

Previamente à visita, Raça e Igualdade organizou uma capacitação com entidades da sociedade civil em sua sede, no Rio de Janeiro, para facilitar a elaboração conjunta do documento, além de apresentar um panorama dos objetivos da visita, o funcionamento do Mecanismo e de apoiá-los para um oportuno diálogo com os Relatores. As entidades que assinaram o documento entregue ao EMLER foram: ONG Criola, Grupo de Estudos Novos Ilegalismos (GENI), Instituto Juristas Negras, Instituto Marielle Franco (IMF), Articulação Brasileira de Lésbicas (Rede ABL); Resistência Lésbica da Maré; Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), Ilê Axé Omiojuarô e Raça e Igualdade.

“Como uma organização de capacitação institucional, vemos como crucial oferecer apoio à sociedade civil diante das especificidades dos mecanismos internacionais de direitos humanos. A visita do EMLER se fez como uma oportunidade única e urgente neste ano de retomada democrática, pois o país passou por um grande retrocesso nesta matéria e a aplicação da justiça racial e o enfrentamento ao racismo estrutural e sistêmico é urgente no Brasil”; analisa Rodnei Jericó da Silva, Diretor de Raça e Igualdade no Brasil.

Sobre o EMLER e a visita ao Brasil

 O EMLER é um mecanismo criado em 2021, pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, através a RESOLUÇÃO DA ONU 47/21. Este mecanismo atua especificamente na promoção e proteção dos direitos humanos e liberdade fundamentais de africanos e afrodescendentes contra o uso excessivo da força policial, entre outras violações dos direitos humanos por agentes da lei, visando mudanças transformadoras para a justiça e igualdade racial. Junto ao EMLER e peça-chave na organização desta visita ao Brasil, a Coalizão Antirracista da ONU (UNARC), foi responsável por acompanhar e facilitar os encontros dos Relatores no país.

Durante a Missão, os Especialistas se reuniram diretamente com o Estado e suas autoridades, incluindo as instâncias responsáveis pela aplicação da lei e as suas agências de supervisão. Ademais, nas cidades visitadas realizaram oitivas com a sociedade civil, incluindo um diálogo direto com as vítimas e/ou seus familiares, as comunidades afetadas, defensores e defensoras dos direitos humanos. Em Salvador, tiveram a oportunidade de visitar a Penitenciária Lemos de Brito e, no Rio de Janeiro, a Cadeia Pública José Frederico Marques.

Em uma coletiva de imprensa realizada virtualmente, no dia 08 de dezembro, os Membros do EMLER, Tracie Keesee e Juan Mendez, compartilharam suas impressões preliminares sobre a experiência no país, enfatizando que o relatório final será apresentado na 57ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em setembro de 2024 e, até esta data, estão abertos para receber mais informações e materiais sobre a situação racial no Brasil. Esse relatório será entregue ao governo brasileiro que, como país signatário da ONU, deve comprometer-se com uma resposta ao Mecanismo.

Na abertura da coletiva, os Especialistas fizeram referência às boas práticas adotadas pelo país, assim como o reconhecimento da existência do racismo sistêmico, fator determinante em termos de concepção de políticas públicas. Além disso, citaram a criação do Ministério da Igualdade Racial e a sua replicação em diversos estados; as iniciativas do sistema de cotas raciais; o uso de câmeras nos uniformes policiais adotados por alguns estados; o reconhecimento da importância da perspectiva interseccional e a atuação da defensoria pública no acompanhamento de familiares de vítimas da violência policial e estatal no país.

Entre os desafios, “o racismo perverso e presente”, destacaram, entre a vigência de leis que perpetuam a desigualdade em relação à saúde e o acesso ao trabalho. “As desigualdades resistem na aplicação da lei”, enfatizaram. Assim como criticaram a falta de representação de pessoas negras no judiciário e no poder público, e chamaram atenção para a marginalização do racismo religioso e as diversas denúncias recebidas sobre discurso de ódio e assassinatos de lideranças religiosas (em especial lideranças de religiões de matriz africana) e quilombolas.

Sobre as chacinas ocorridas no Rio de Janeiro e São Paulo, os membros do EMLER alertaram para as violações extrajudiciais referentes as ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) vigentes e ignoradas pelo poder público. Ademais, a partir da escuta de pessoas LGBTI+, constataram que são constante vítimas dos agentes da lei, além da falta de reconhecimento de seus nomes sociais pelos mesmos e pelas instituições públicas.

“A impunidade é generalizada no sistema penal e as pessoas têm medo de retaliação”, observou o Mecanismo. O tema da impunidade foi visto com grande preocupação, tal como avaliaram que este fato gera uma desconfiança geral sobre o sistema de justiça. Desse modo, apontaram que as câmeras devem ser obrigatórias nos uniformes dos agentes de segurança pública. Destacaram que as famílias enfrentam muitas represálias quando precisam do apoio do Estado, sendo que a maior parte dessas famílias são chefiadas por mulheres negras. Para os Relatores, a falta de transparência nas investigações legitima o impacto racial nos processos em curso.

Em relação ao sistema prisional enfatizaram a grande proporção de pessoas negras nas prisões e como este fato é provado estatisticamente, pois o Brasil possui mais de 800 mil pessoas encarceradas. Sobre este tema destacaram a alimentação inadequada, saneamento precário e as diversas denúncias de torturas e maus-tratos. “Violações que equivalem a tortura e levam a mortes”, alarmaram. Nesse sentido, advertiram que a falta de mão de obra adequada e capacitada leva a manutenção das precárias condições, sendo importante o apoio à saúde mental destes funcionários, pois essa debilidade do sistema reverbera, consequentemente, nas pessoas negras.

“O Brasil precisa adotar uma segurança pública nos padrões dos direitos humanos, incluindo a aplicação da lei e os padrões de segurança para reparação racial”, afirmaram os Especialistas. Nesse sentido, pontuaram a responsabilidade do judiciário para desmantelar o sistema vigente e retirar a experiência do racismo nessas relações institucionais e nas forças policiais.

Assim, Raça e Igualdade segue apoiando veementemente a luta antirracista no país, buscando agregar e colaborar com a sociedade civil para enfrentar a brutalidade e toda a violência derivada das desigualdades enraizadas nas diferenças raciais. O racismo precisa ser combatido nas leis, na democratização do acesso às informações e no combate a fake news, no negacionismo, nas políticas e na estrutura do capital racial que, historicamente, se firmou no controle e descartabilidade de pessoas negras por forças policiais estruturadas em relações de poder coloniais e escravagistas que se perpetuam até hoje.

Por fim, compartilhamos algumas das recomendações entregues ao EMLER pelas organizações brasileiras em nosso documento conjunto:

  • Condenação pública da violência policial e dos desaparecimentos forçados: O Estado brasileiro deve emitir uma declaração pública condenando veementemente a violência policial e os desaparecimentos forçados. Essa posição firme demonstrará o compromisso do Estado em proteger os direitos humanos e garantir a segurança de seus cidadãos.
  • Investigação rigorosa dos assassinatos de jovens negros por agentes do Estado: O Estado brasileiro deve garantir que todos os casos de assassinatos de jovens negros por agentes do Estado sejam investigados de forma completa, imparcial e transparente. A justiça deve prevalecer e os responsáveis devem ser responsabilizados.
  • O Estado brasileiro deve adotar medidas específicas para garantir a presença de policiais femininas na abordagem de mulheres cis e trans. Além disso, deve haver treinamento obrigatório para as policiais femininas sobre questões de gênero, a fim de que atuem de forma profissional e respeitosa.
  • O Estado brasileiro deve adotar medidas legislativas para garantir a celeridade e a transparência das investigações em casos que envolvam o Estado como autor do crime, especialmente em casos que envolvam discriminação racial e questões de gênero.
  • O Estado brasileiro, por meio de seus Ministérios, deverá realizar, no prazo de um ano, um diagnóstico e avaliação da situação das políticas públicas de combate ao preconceito e à discriminação religiosa (racismo religioso), verificando sua aplicação, orçamento, efetividade das delegacias especializadas em crimes dessa natureza, com a criação de um Observatório da Violência contra os Povos Tradicionais de Matriz Africana.

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