Visita do EMLER ao Brasil: Mecanismo da ONU exorta por reparação frente ao racismo sistêmico e a brutalidade policial

Visita do EMLER ao Brasil: Mecanismo da ONU exorta por reparação frente ao racismo sistêmico e a brutalidade policial

Brasil, 22 de dezembro de 2023 – De 27 de novembro a 08 de dezembro, o Mecanismo de Especialistas Independentes para Promoção da Justiça e Igualdade Racial na Aplicação da Lei (EMLER), das Nações Unidas, esteve em Missão no Brasil com visita às cidades de Brasília, Salvador, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro. O Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) junto às organizações parceiras, se mobilizou para entregar ao Mecanismo, um documento com recomendações gerais e específicas sobre os temas atravessados pelo perfilamento racial antinegro no país, em busca de reparação e de justiça racial.

Previamente à visita, Raça e Igualdade organizou uma capacitação com entidades da sociedade civil em sua sede, no Rio de Janeiro, para facilitar a elaboração conjunta do documento, além de apresentar um panorama dos objetivos da visita, o funcionamento do Mecanismo e de apoiá-los para um oportuno diálogo com os Relatores. As entidades que assinaram o documento entregue ao EMLER foram: ONG Criola, Grupo de Estudos Novos Ilegalismos (GENI), Instituto Juristas Negras, Instituto Marielle Franco (IMF), Articulação Brasileira de Lésbicas (Rede ABL); Resistência Lésbica da Maré; Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), Ilê Axé Omiojuarô e Raça e Igualdade.

“Como uma organização de capacitação institucional, vemos como crucial oferecer apoio à sociedade civil diante das especificidades dos mecanismos internacionais de direitos humanos. A visita do EMLER se fez como uma oportunidade única e urgente neste ano de retomada democrática, pois o país passou por um grande retrocesso nesta matéria e a aplicação da justiça racial e o enfrentamento ao racismo estrutural e sistêmico é urgente no Brasil”; analisa Rodnei Jericó da Silva, Diretor de Raça e Igualdade no Brasil.

Sobre o EMLER e a visita ao Brasil

 O EMLER é um mecanismo criado em 2021, pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, através a RESOLUÇÃO DA ONU 47/21. Este mecanismo atua especificamente na promoção e proteção dos direitos humanos e liberdade fundamentais de africanos e afrodescendentes contra o uso excessivo da força policial, entre outras violações dos direitos humanos por agentes da lei, visando mudanças transformadoras para a justiça e igualdade racial. Junto ao EMLER e peça-chave na organização desta visita ao Brasil, a Coalizão Antirracista da ONU (UNARC), foi responsável por acompanhar e facilitar os encontros dos Relatores no país.

Durante a Missão, os Especialistas se reuniram diretamente com o Estado e suas autoridades, incluindo as instâncias responsáveis pela aplicação da lei e as suas agências de supervisão. Ademais, nas cidades visitadas realizaram oitivas com a sociedade civil, incluindo um diálogo direto com as vítimas e/ou seus familiares, as comunidades afetadas, defensores e defensoras dos direitos humanos. Em Salvador, tiveram a oportunidade de visitar a Penitenciária Lemos de Brito e, no Rio de Janeiro, a Cadeia Pública José Frederico Marques.

Em uma coletiva de imprensa realizada virtualmente, no dia 08 de dezembro, os Membros do EMLER, Tracie Keesee e Juan Mendez, compartilharam suas impressões preliminares sobre a experiência no país, enfatizando que o relatório final será apresentado na 57ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em setembro de 2024 e, até esta data, estão abertos para receber mais informações e materiais sobre a situação racial no Brasil. Esse relatório será entregue ao governo brasileiro que, como país signatário da ONU, deve comprometer-se com uma resposta ao Mecanismo.

Na abertura da coletiva, os Especialistas fizeram referência às boas práticas adotadas pelo país, assim como o reconhecimento da existência do racismo sistêmico, fator determinante em termos de concepção de políticas públicas. Além disso, citaram a criação do Ministério da Igualdade Racial e a sua replicação em diversos estados; as iniciativas do sistema de cotas raciais; o uso de câmeras nos uniformes policiais adotados por alguns estados; o reconhecimento da importância da perspectiva interseccional e a atuação da defensoria pública no acompanhamento de familiares de vítimas da violência policial e estatal no país.

Entre os desafios, “o racismo perverso e presente”, destacaram, entre a vigência de leis que perpetuam a desigualdade em relação à saúde e o acesso ao trabalho. “As desigualdades resistem na aplicação da lei”, enfatizaram. Assim como criticaram a falta de representação de pessoas negras no judiciário e no poder público, e chamaram atenção para a marginalização do racismo religioso e as diversas denúncias recebidas sobre discurso de ódio e assassinatos de lideranças religiosas (em especial lideranças de religiões de matriz africana) e quilombolas.

Sobre as chacinas ocorridas no Rio de Janeiro e São Paulo, os membros do EMLER alertaram para as violações extrajudiciais referentes as ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) vigentes e ignoradas pelo poder público. Ademais, a partir da escuta de pessoas LGBTI+, constataram que são constante vítimas dos agentes da lei, além da falta de reconhecimento de seus nomes sociais pelos mesmos e pelas instituições públicas.

“A impunidade é generalizada no sistema penal e as pessoas têm medo de retaliação”, observou o Mecanismo. O tema da impunidade foi visto com grande preocupação, tal como avaliaram que este fato gera uma desconfiança geral sobre o sistema de justiça. Desse modo, apontaram que as câmeras devem ser obrigatórias nos uniformes dos agentes de segurança pública. Destacaram que as famílias enfrentam muitas represálias quando precisam do apoio do Estado, sendo que a maior parte dessas famílias são chefiadas por mulheres negras. Para os Relatores, a falta de transparência nas investigações legitima o impacto racial nos processos em curso.

Em relação ao sistema prisional enfatizaram a grande proporção de pessoas negras nas prisões e como este fato é provado estatisticamente, pois o Brasil possui mais de 800 mil pessoas encarceradas. Sobre este tema destacaram a alimentação inadequada, saneamento precário e as diversas denúncias de torturas e maus-tratos. “Violações que equivalem a tortura e levam a mortes”, alarmaram. Nesse sentido, advertiram que a falta de mão de obra adequada e capacitada leva a manutenção das precárias condições, sendo importante o apoio à saúde mental destes funcionários, pois essa debilidade do sistema reverbera, consequentemente, nas pessoas negras.

“O Brasil precisa adotar uma segurança pública nos padrões dos direitos humanos, incluindo a aplicação da lei e os padrões de segurança para reparação racial”, afirmaram os Especialistas. Nesse sentido, pontuaram a responsabilidade do judiciário para desmantelar o sistema vigente e retirar a experiência do racismo nessas relações institucionais e nas forças policiais.

Assim, Raça e Igualdade segue apoiando veementemente a luta antirracista no país, buscando agregar e colaborar com a sociedade civil para enfrentar a brutalidade e toda a violência derivada das desigualdades enraizadas nas diferenças raciais. O racismo precisa ser combatido nas leis, na democratização do acesso às informações e no combate a fake news, no negacionismo, nas políticas e na estrutura do capital racial que, historicamente, se firmou no controle e descartabilidade de pessoas negras por forças policiais estruturadas em relações de poder coloniais e escravagistas que se perpetuam até hoje.

Por fim, compartilhamos algumas das recomendações entregues ao EMLER pelas organizações brasileiras em nosso documento conjunto:

  • Condenação pública da violência policial e dos desaparecimentos forçados: O Estado brasileiro deve emitir uma declaração pública condenando veementemente a violência policial e os desaparecimentos forçados. Essa posição firme demonstrará o compromisso do Estado em proteger os direitos humanos e garantir a segurança de seus cidadãos.
  • Investigação rigorosa dos assassinatos de jovens negros por agentes do Estado: O Estado brasileiro deve garantir que todos os casos de assassinatos de jovens negros por agentes do Estado sejam investigados de forma completa, imparcial e transparente. A justiça deve prevalecer e os responsáveis devem ser responsabilizados.
  • O Estado brasileiro deve adotar medidas específicas para garantir a presença de policiais femininas na abordagem de mulheres cis e trans. Além disso, deve haver treinamento obrigatório para as policiais femininas sobre questões de gênero, a fim de que atuem de forma profissional e respeitosa.
  • O Estado brasileiro deve adotar medidas legislativas para garantir a celeridade e a transparência das investigações em casos que envolvam o Estado como autor do crime, especialmente em casos que envolvam discriminação racial e questões de gênero.
  • O Estado brasileiro, por meio de seus Ministérios, deverá realizar, no prazo de um ano, um diagnóstico e avaliação da situação das políticas públicas de combate ao preconceito e à discriminação religiosa (racismo religioso), verificando sua aplicação, orçamento, efetividade das delegacias especializadas em crimes dessa natureza, com a criação de um Observatório da Violência contra os Povos Tradicionais de Matriz Africana.

Ativistas afrodescendentes do Brasil, Colômbia e Cuba realizaram reuniões estratégicas em Washington D.C. para desenvolver ações de enfrentamento ao racismo

Nos dias 14 e 15 de novembro, ativistas afrodescendentes do Brasil, Colômbia e Cuba estiveram em Washington D.C. realizando reuniões estratégicas para reconhecer o progresso no combate ao racismo e à discriminação racial, além de preparar recomendações para ações mais eficazes.

A delegação participou de discussões com a Open Society Foundation sobre colaborações conjuntas e oportunidades de financiamento. Ademais, realizaram uma reunião separada com o Setor de Liberdade Religiosa do Departamento de Estado, discutindo recomendações sobre como investir em treinamento político para líderes de religiões afrodescendentes. Destacou-se a necessidade de reforçar essas recomendações no Plano de Ação Conjunta para a Eliminação da Discriminação Racial e Étnica (JAPER) e no Plano de Ação EUA-Colômbia para a Igualdade Racial e Étnica (CAPREE). Isso inclui garantir a expansão de projetos de pesquisa liderados por universidades de ambos os países para coletar e interpretar dados sobre racismo religioso no Brasil e em outras partes da região, a fim de aprimorar a troca de experiências e melhores práticas.

Durante a visita, a delegação também se reuniu com o Diretor do DRL e com a Representante Especial para Equidade Racial e Justiça do Departamento de Estado, concentrando-se nas recomendações para a eficácia do JAPER e do CAPREE e em seu possível papel no combate ao racismo religioso nas Américas. Discussões posteriores na embaixada brasileira se concentraram no tema do racismo religioso, incluindo ataques a líderes religiosos e praticantes de terreiro e a perda da guarda dos filhos por mães praticantes de religiões de matriz africana, juntamente com recomendações para o JAPER e iniciativas regionais contra a discriminação racial.

No Congresso, a delegação se aprofundou nas transformações que estão ocorrendo na Colômbia e no Brasil, destacando o compromisso de abordar a discriminação racial por meio do JAPER e do CAPREE. Abordou-se os ataques persistentes a líderes e templos de religiões de origem africana. A visita culminou em um painel de discussão com a sociedade civil americana que destacou os aspectos críticos da abordagem do racismo religioso, o impacto da defesa internacional, a educação antirracista, o genocídio negro e o papel influente da arte nessas conversas vitais.

 

Direitos LGBTI+ no Brasil: Impressões após visita de Roberta Clarke, Relatora da CIDH

Brasil, 06 de outubro de 2023 – Em visita promocional ao Brasil facilitada pelo Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), Roberta Clarke, Relatora dos Direitos das Pessoas LGBTI da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), teve a oportunidade de dialogar com organizações da sociedade civil e ativistas LGBTI+ de Brasília, Fortaleza e Rio de Janeiro. Durante a visita que aconteceu de 18 a 22 de setembro, a Relatora da CIDH pode acompanhar de perto a realidade da população LGBTI+ brasileira que, entre avanços e retrocessos, segue unida como movimento social e na luta pela preservação dos direitos conquistados.

A trajetória da visita de Roberta Clarke além do eixo Rio-São Paulo foi uma estratégia adotada por Raça e Igualdade após diversas escutas da sociedade civil que, constantemente, pleiteava por atenção as diferentes realidades da população LGBTI+ no país. Assim, junto ao apoio do Ministério dos Direitos Humanos, através da Secretária Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat, a cidade de Brasília foi crucial para reuniões com gabinetes ministeriais e encontros com o movimento LGBTI+ do Distrito Federal. Vale ressaltar que o estado do Ceará, um dos primeiros na lista de assassinatos de pessoas LGBTI+, com destaque para o assassinato de pessoas trans, segundo o dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), também fez parte do roteiro para uma escuta ativa com ativistas da região nordeste, e por possuir a Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes, voltada exclusivamente para a população carcerária LGBTI+.

Reconhecendo que ainda é cedo para apontar pareceres e conclusões sobre a visita da Relatora LGBTI ao país, Raça e Igualdade traz ao seu público um panorama das impressões compartilhadas por Roberta Clarke após conversar com mais de 15 organizações do movimento LGBTI+ nos estados visitados. As impressões da Relatora sobre a situação da população LGBTI+ no país também foram relatadas durante o evento público realizado no Rio de Janeiro; “Construindo Pontes: Direitos das Pessoas LGBTI+ em Perspectiva Interseccional”, realizado por Raça e Igualdade.

Durante a semana em que a Comissionada esteve no Brasil duas pautas sobre direitos LGBTI+ – já conquistados – estavam em discussão em âmbito nacional. Uma delas refere-se ao casamento civil igualitário que, por inserção do avanço de políticos de extrema direita no Congresso Nacional, voltou a ser questionado em sua validade. Desde 2011 e 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) equipararam a união civil homoafetiva com a heteroafetiva; no entanto, o Projeto de Lei nº 5.167/2009 visa anular esse direito. Embora tenha sido adiada duas vezes devido à pressão de Deputades LGBTI+, a votação segue suspensa, mas pode voltar a pauta no Senado. A outra pauta que estava em discussão, refere-se a uma manipulação também orquestrada pela crescente ideologia anti-gênero que criou um movimento para atacar o uso dos banheiros unissex. O fomento da intolerância por parte de atores políticos conservadores criou uma falsa ideia de que essa era uma pauta urgente em votação.

Fatos estes que, para a Comissionada, refletiram uma outra realidade brasileira, uma vez que dentre os países da região, o Brasil se destaca entre os que mais avançou sobre os direitos LGBTI+. Nesse sentido, Roberta Clarke manifestou preocupação com o que está acontecendo no país e, particularmente, com o tema da violência política de gênero, um tema que tem sido denunciado recorrentemente à CIDH. Para ela, a propagação do discurso de ódio e o crescimento do movimento anti-gênero leva a necessidade de reflexão e de um trabalho em união do movimento social e de lideranças LGBTI+. Isto é, organizar-se estrategicamente para perceber quando vale despender esforços aos ataques de conservadores que visam somente propagar fake news para desarticular a sociedade civil e interromper os encaminhamentos da agenda política LGBTI+.

Diante destes retrocessos, a Comissionada demonstrou sua solidariedade e destacou que a possibilidade de ter vivenciado diferentes contextos pelo país a fez entender, de forma interseccional, os diversos tipos de violência que afetam diferencialmente a comunidade LGBTI+. Mesmo reconhecendo os progressos alcançados através da luta histórica pela visibilidade e direitos, a escuta atenta dos ativistas revelou que ainda há muito por avançar. O momento atual do país demonstrou a existência de uma forte pressão por parte da extrema direita para destruir o progresso alcançado através de políticas de equidade de gênero e de reconhecimento de direitos LGBTI+, e como por meio da propagação de discursos de ódio, pessoas trans sentem-se cada vez mais ameaçadas e sem acesso a direitos básicos.

Assim, Roberta afirmou o compromisso da CIDH na atenção do que estará se passando no país nos próximos meses, visto que o Brasil é um país de dimensão continental e o que se passa em seu território influencia politicamente toda região.

Entre seu diálogo com o movimento social, a Relatora declarou preocupação com as dificuldades relatadas nas documentações exigidas para o processo de retificação civil de nome e de gênero; as diversas formas de violência contra as mulheres lésbicas e a lacuna na provisão de políticas públicas que atendam às suas especificidades, desde a falta de recolhimento de dados à ausência de políticas na área de saúde. Ademais, as mulheres lésbicas relataram veementemente a exclusão social que vivenciam ao demonstrarem afetos em público, práticas de estupro corretivo e de terapias de conversão, além da expulsão de seus lares ao assumirem sua orientação sexual.

A partir da conversa com transmasculinos e transmasculines, a Comissionada pode perceber como a violência enfrentada entre eles/elus é atravessada principalmente pelas questões de raça, classe e território, principalmente no que se refere à violência policial. No Ceará, o tema da educação foi um grande mote entre os ativistas LGBTI+, destacando-se a necessidade de políticas de inclusão escolar já que, diversos estudantes LGBTI+ abandonam suas instituições de ensino, seja por práticas de LGBTIfobia, bullying, desrespeito a identidade de gênero, entre outras formas de discriminação, e nem sequer chegam a concluir o ensino fundamental. Nesse contexto, no dia 19 de setembro, o Conselho Nacional pelos Direitos da População LGBTQIA+, publicou uma resolução estabelecendo diretrizes para garantir a inclusão e respeito à identidade de gênero nas instituições de ensino.

Em Brasília, além da agenda com gabinetes ministeriais, Roberta Clarke encontrou-se com a diretoria do Conselho Nacional LGBTQIA+ e teve a oportunidade de conhecer as atuais demandas da agenda política LGBTI+, em vistas da retomada democrática no país. A reunião com ativistas da região aconteceu no Distrito Drag com uma mesa redonda que debateu temas como a necessidade de políticas de assistência social para a população LGBTI+, como o fomento das casas de acolhimento e o acesso à saúde da população trans na questão hospitalar.

Durante sua passagem pelo Rio de Janeiro, a Comissionada recebeu o relatório da Articulação Brasileira de Lésbicas (ABL) que versa sobre a situação das mulheres lésbicas no país; e recebeu o ‘Dossiê sobre o Lesbocídio’, após conversar com uma das autoras. Ademais, lhe foi entregue os dossiês sobre assassinato e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2022; além do dossiê ‘Trans Brasil’, sobre a situação destas no sistema prisional, sendo ambos documentos realizados pela ANTRA.

Por fim, Raça e Igualdade agradece profundamente ao movimento LGBTI+ brasileiro que mobilizou ativistas de diversas regiões do país para que pudessem transmitir à Relatora da CIDH suas experiências de vida e suas trajetórias de lutas por direitos em um país que ser e existir como pessoa LGBTI+ é um ato de coragem. Além disso, agradecemos à CIDH por aceitar o nosso convite e dialogar com o movimento civil LGBTI brasileiro. Diante da nossa missão, incentivar a vinda de relatores e especialistas de mecanismos internacionais concretiza-se como mais um passo na garantia de visibilidade, não discriminação e a plena realização dos direitos humanos. Deste modo, solicitamos à CIDH que considere as seguintes recomendações ao Estado brasileiro:

1 – Criação de um Conselho Nacional para o enfrentamento ao discurso de ódio e disseminação de notícias falsas com viés interseccional, tendo em vistas à violência e os ataques sofridos pela população LGBTI+ no país;

2 – Estabelecimento de políticas e projetos de lei que garantam constitucionalmente o casamento igualitário homoafetivo, além da garantia de segurança de pessoas trans em banheiros públicos conforme suas identidades de gênero e a pluralidade de banheiros unissex;

3 – Levantamento de dados desagregados referentes à população LGBTI+, seja através do Censo Nacional ou através de pesquisas que fomentem a criação de políticas públicas específicas para esta população.

4 – Treinamento e políticas de educação destinadas à força de segurança pública para que estas possam garantir a segurança das pessoas LGBTI+ brasileiras.

5 – Construção de uma política de enfrentamento à violência política de gênero, com previsão de medidas de proteção a parlamentares LGBTI+.

 

Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes: Caminhando rumo à reparação das vítimas de racismo na região

Washington D.C., 31 de agosto de 2023 – Na América Latina e no Caribe, região em que uma a cada quatro pessoas se identifica como afrodescendente, o racismo estrutural e a discriminação racial se refletem no acesso desigual à educação de qualidade, nas estatísticas de desemprego e em uma maior incidência de pobreza. Assim, de acordo com o relatório Afrodescendentes na América Latina, as pessoas afrodescendentes latino-americanas possuem 2,5 vezes mais chances de viver em condições de pobreza crônica.

Neste Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) reafirma seu compromisso de garantir e proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais das pessoas afrodescendentes, conforme estabelecido na Declaração e Programa de Ação de Durban, na Década Internacional para os Afrodescendentes (2015-2024) e no Plano para a Década dos Afrodescendentes nas Américas (2016-2025).

Nosso trabalho na região

Raça e Igualdade trabalha com organizações parceiras na América Latina e no Caribe promovendo processos de documentação, denúncia e incidência perante o Sistema Interamericano e o Sistema Universal de proteção dos direitos humanos, incluindo espaços recentemente criados; como o Fórum Permanente de Afrodescendentes (PFPAD) e o Mecanismo de Especialistas para Promover a Justiça e a Igualdade Racial no Contexto da Lei (EMLER, pela sigla em inglês). Da mesma forma, o Instituto é reconhecido por incentivar nossos parceiros a realizarem incidência política em eventos de alto nível, como a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA). Tudo isso para apoiar a participação plena e igualitária em todos os aspectos da sociedade e promover uma reparação integral para as vítimas. 

No Brasil, onde 56% da população se declara afrodescendente, Raça e Igualdade trabalha com organizações da sociedade civil a partir de uma perspectiva interseccional, entendendo que as questões raciais são atravessadas pela vulnerabilidade de gênero, territorial, econômica e social.

Através do projeto de Justiça Racial, Raça e Igualdade em parceria com o Selo Juristas Negras atua na busca por justiça para as mulheres, em especial as mulheres negras em situação de privação de liberdade, adotando medidas para que saiam dos centros de detenção e suas posteriores reinserção social, familiar e profissional. A esse respeito, durante a jornada de advocacy este ano em Washington D.C., organizamos reuniões do Selo Juristas Negras com congressistas afro-americanos do Congressional Black Caucus.

Na Colômbia, 599.580 mulheres negras sofreram as consequências do conflito armado, sendo o grupo populacional mais afetado. Atualmente, essas mulheres estão agrupadas na Coordenação de Mulheres Afro-Colombianas Deslocadas em Resistência “LA COMADRE”, e Raça e Igualdade lhes fornece acompanhamento em ações de litígio estratégico internacional para o processo de reconhecimento como sujeitos de reparação coletiva étnica e a respectiva reparação como vítimas do conflito armado. 

 

Este é um longo processo que começou em 2014 e permanece sem solução, portanto, Raça e Igualdade segue realizando ações de advocacy perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), que resultaram em medidas cautelares para garantir a proteção da vida e da integridade pessoal de duas membras do LA COMADRE. Também fora realizadas ações de advocacy internacional, por meio da participação de uma liderança da LA COMADRE no Fórum Permanente de Afrodescendentes; e ações para investigar e documentar violações dos direitos das mulheres afro-colombianas que mostram um padrão de violações sistemáticas de seus direitos.

No México, onde a população afrodescendente é a segunda que mais enfrenta atos de discriminação com base em suas condições ou características fenotípicas, Raça e Igualdade promoveu o evento “Estratégia de Desenvolvimento de Capacidade para a campanha do Censo México 2020“, que impulsionou um projeto de mídia nacional focado no fortalecimento da autoidentificação afrodescendente com as categorias raciais incluídas no Censo 2020 e resultou em mais de 2,5 milhões de pessoas autodeclaradas afrodescendentes.

Por outro lado, em 2018 e 2019 acompanhamos ativistas afro-mexicanos na primeira e segunda audiência temática sobre a população afrodescendente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e na sessão da Comissão para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD). Esses espaços foram fundamentais para afirmar que o Estado mexicano deve “redobrar esforços e garantir às pessoas afrodescendentes pleno acesso à proteção e recursos efetivos nos tribunais nacionais e instituições estatais contra qualquer ato de discriminação e racismo, além de adotar todas as medidas legais e eficazes para combatê-lo”, segundo a ativista Gina Diédhiuo, da organização Afrodescendencias.

Em Cuba, Raça e Igualdade fornece capacitação a ativistas afrodescendentes de organizações independentes da sociedade civil na Ilha. Através de vários cursos de formação, promovemos estratégias para os afro-cubanos visibilizarem o racismo e a discriminação racial que enfrentam, além das obrigações que o Estado cubano assumiu na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. 

No Uruguai, apoiamos organizações da sociedade civil afrodescendente na preparação de relatórios alternativos ao Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD). Esses documentos abordam as desigualdades étnico-raciais, as barreiras ao acesso à justiça em casos de discriminação racial, a criminalização do racismo religioso, a preocupação com o percentual significativo da população afrodescendente privada de liberdade e a demanda por reparação integral pelos deslocamentos forçados sofridos pela comunidade afrodescendente em tempos de terrorismo de Estado.

Também promovemos a participação de organizações afro-uruguaias na última sessão do CERD, na qual o Estado Uruguaio foi examinado no início deste mês de agosto. Naquela época, Raça e Igualdade apoiou os membros da Organização Social Salvador na realização de reuniões de trabalho e no diálogo com representantes do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e com membros do Comitê CERD, em Genebra.

Na  República Dominicana, o Estado aprovou leis que endossam a deportação arbitrária e outras violações dos direitos das populações migrantes haitianas e dominicano-haitianas. Em vista disso, Raça e Igualdade trabalha com o Movimento Sociocultural dos Trabalhadores Haitianos (MOSCTHA), fornecendo apoio técnico para promover a justiça racial através de capacitação, documentação e fortalecimento do trabalho de litígio racial a uma rede de advogados. 

Este ano, apoiamos o MOSCTHA na sua participação ativa no Fórum Permanente de Afrodescendentes e em uma jornada de advocacy em Washington D.C., realizando visitas ao Congresso dos Estados Unidos. Para María Martínez, advogada do MOSCTHA, também é importante destacar que, graças ao trabalho conjunto  “fazemos parte da UNAR – que trabalha com justiça racial – e da RegionaR, duas coalizões formadas para promover a reparação de afrodescendentes vítimas do tráfico transatlântico e da discriminação estrutural”

Nossa campanha por uma região livre de racismo

Desde 2021, com a campanha “CIRDI 2024, Rumo a uma região livre de discriminação racial”, Raça e Igualdade adotou o compromisso regional de promover em maior escala a ratificação e implementação da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (CIRDI). No âmbito desta campanha, capacitamos as organizações locais para superar os desafios específicos que impedem a ratificação e a plena implementação da CIRDI, tais como as brechas presentes na falta de recursos, de capacidade humana e de conhecimentos técnicos.

Além disso, este ano celebramos o décimo aniversário da CIRDI com representantes dos governos dos Estados Unidos e do Brasil, especialistas e lideranças afrodescendentes, indígenas e LGBTI+ da região, em evento paralelo à Assembleia Geral da OEA. Além disso, realizamos vários workshops, como o webinar “Principais ferramentas para monitorar a implementação de uma Convenção Interamericana”, do qual participaram especialistas em direito internacional dos direitos humanos do Brasil e do México, acompanhados por Paul Spencer, que atua como Assessor Sênior para Assuntos do Caribe da CIDH.

Essas ações, juntamente com as ações de advocacy de nossos parceiros, alcançaram o resultado em que mais de três países da região estejam discutindo fortemente a ratificação desse importante instrumento.

Pronunciamento

Neste 31 de agosto, Raça e Igualdade, insta aos Estados a adotarem medidas concretas e práticas por meio da aprovação e aplicação efetiva de marcos legais e políticas nacionais e internacionais contra o racismo, a discriminação racial e formas correlatas de intolerância. É imperativo que os Estados das Américas assinem e ratifiquem e implementem a CIRDI, como sinal de um verdadeiro compromisso para enfrentar esses flagelos.  

Finalmente, tendo em vista a realização da Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro, Raça e Igualdade apela urgentemente à proclamação da segunda Década Internacional dos Afrodescendentes para o período 2025-2034, que contribuirá para a adoção de novas medidas de combate à discriminação estrutural e às desigualdades históricas que esta população tem enfrentado, a fim de alcançar o pleno reconhecimento, justiça e desenvolvimento dos afrodescendentes em todo o mundo. Da mesma forma, incidimos pela participação ativa e efetiva desta população no Fórum Permanente de Afrodescendentes (PFPAD).

25J: Mulheres negras latino-americanas, caribenhas e da diáspora em espaços de proteção e defesa dos direitos da população afrodescendente

Washington D.C., 25 de julho de 2023 – A criação de novos mecanismos internacionais de proteção e promoção dos direitos das pessoas afrodescendentes, marca uma oportunidade fundamental e histórica para superar o racismo e a discriminação enfrentados por essa população. Por isso, neste Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana, Caribenha e da Diáspora; o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), reivindica para que esses espaços levem em conta as perspectivas de gênero e interseccionais, através do trabalho de monitoramento da situação e formulação de recomendações aos Estados.

25 de Julho e a luta por justiça racial

O dia 25 de julho foi instituído como o Dia Internacional das Mulheres Negras Latino-Americanas, Caribenhas e da Diáspora durante o Primeiro Encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas, Caribenhas e da Diáspora, que foi realizado nesta mesma data em 1992, em Santo Domingo (República Dominicana). Desse modo, marca o reconhecimento ao trabalho realizado pelas mulheres negras na luta contra a discriminação racial, sexismo, pobreza e marginalização.

Em nossa linha de trabalho sobre igualdade racial, buscamos incorporar abordagens de gênero e interseccionais nas ações realizadas (litígio estratégico, capacitação e documentação), pois acreditamos que por meio dessas perspectivas é possível garantir a inclusão das mulheres e de todas com orientação sexual e identidade de gênero diversas.

Da mesma forma, diante da criação de mecanismos internacionais sobre a população afrodescendente, temos apoiado a participação de mulheres afrodescendentes em novos espaços, como o Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes para Promover a Justiça Racial e a Igualdade no Contexto da Aplicação da Lei (EMLER) e o Fórum Permanente de Afrodescendentes (PFPAD). Importante mencionar outros de longa data, como o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD) e o Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW).

Mulheres afrodescendentes marcando a agenda em novos mecanismos

Na segunda sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas de Afrodescendentes, que aconteceu de 30 de maio a 2 de junho em Nova York; organizações de mulheres afrodescendentes do Brasil, Colômbia e República Dominicana formaram uma Delegação de Justiça Racial para denunciar a violência racial e de gênero na América Latina. Com o apoio de Raça e Igualdade e da Aliança Negra pelo Fim da Violência (Fundo Elas), a delegação também levantou a necessidade de construir agendas e projetos para combater, por meio de uma perspectiva interseccional, as diferentes formas pelas quais a violência racista afeta a vida das mulheres na região.

“O importante de estar presente nesse espaço foi poder carregar as vozes de várias mulheres silenciadas. Grada Kilomba, (artista, escritora e intelectual negra), diz que o homem branco está no topo da pirâmide social, depois vem a mulher branca, depois o homem negro, e a mulher negra está invisível na base da pirâmide. E queremos mudar isso”, diz Monique Damas, Advogada e Diretora Executiva do Selo Juristas Negras, uma das entidades que compuseram a delegação.

Erlendy Cuero, Vice-Presidente da Associação de Afro-Colombianos Deslocados (Afrodes) e que também fez parte da Delegação de Justiça Racial no Fórum Permanente de Afrodescendentes das Nações Unidas, avalia que garantir a perspectiva de gênero nesses espaços é essencial devido à persistência de ações de racismo e discriminação que visam prejudicar a integridade, não só por serem mulheres, mas também por serem mulheres e igualmente porque são mulheres afrodescendentes.

“Somos nós que sofremos o impacto desproporcional do conflito armado quando nossos corpos continuam sendo abusados sexualmente como estratégias de banimento e desenraizamento de nossos territórios, quando não podemos acessar educação, emprego, moradia digna, saúde etc.”, diz Erlendy.

Sobre o que se espera com a participação das mulheres afrodescendentes nesses novos mecanismos, assim como em outros que estão em funcionamento há várias décadas, como o CERD e o Comitê CEDAW, Cecilia Ramírez, Diretora Executiva do Centro para o Desenvolvimento das Mulheres Negras Peruanas (CEDEMUNEP), afirma: “Sociedades mais justas, igualitárias e equitativas,  garantia da autonomia das mulheres afrodescendentes; além disso, aumentar as capacidades das jovens afrodescendentes e proporcionar-lhes as oportunidades necessárias para que possam desenvolver todo o seu potencial”.

“Esperamos que nossos Estados possam gerar ações afirmativas e políticas públicas com orçamentos que garantam reduzir as desigualdades que enfrentamos não só pela nossa condição de gênero, mas também pela nossa etnia”, completa Ramírez. Vale ressaltar que ativistas afro-peruanos participaram pela primeira vez da revisão do Comitê CEDAW no Peru, em 2022, através do CEDEMUNEP com o apoio da Raça e Igualdade.

De Cuba, Marthadela Tamayo, do Comitê Cidadão para a Integração Racial (CIR), destaca a abordagem de gênero e a interseccionalidade como ferramentas fundamentais nos espaços sobre a população negra. “Porque são espaços necessários para que essas populações expliquem ou narrem as realidades que vivem a partir de todos os cruzamentos que atravessam em seu cotidiano em seus bairros ou comunidades”, afirma.

“Além disso, esses espaços podem ser cenários muito positivos para as mulheres se articularem, se desenvolverem e participarem da vida política e pública de um país”, completa.

A partir de Raça e Igualdade continuaremos a promover a participação das mulheres afrodescendentes nos mecanismos regionais e internacionais existentes para a proteção e promoção dos direitos das pessoas afrodescendentes. É essencial que a perspectiva de gênero e interseccional seja levada em conta na coleta de dados, na análise da situação e na formulação de recomendações aos Estados.

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