Visita da Relatora da ONU sobre Racismo ao Brasil: Racismo Sistêmico e a Violência contra Mulheres de Grupos Raciais e Étnicos são destaques de seu Relatório

Visita da Relatora da ONU sobre Racismo ao Brasil: Racismo Sistêmico e a Violência contra Mulheres de Grupos Raciais e Étnicos são destaques de seu Relatório

Brasil, 23 de agosto de 2024 – “Racismo sistêmico demanda respostas sistêmicas”. Assim enfatizou Ashiwini K.P., Relatora Especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, durante a coletiva de imprensa com as conclusões preliminares sobre sua visita ao Brasil. Entre os dias 05 e 16 de agosto, a Relatora passou por Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro, onde se encontrou com autoridades do poder executivo federal e de governos estaduais, além de diversas organizações do movimento negro, indígena, quilombola e povos romani.

Em preparação à visita, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) junto ao Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), organizou uma capacitação virtual com entidades da sociedade civil para apoiá-las na preparação do documento com recomendações a serem entregues à Relatora. Além disso, a capacitação apresentou o escopo e objetivos da visita com o propósito de orientá-las no diálogo e nas ações de incidência perante este procedimento especial da ONU.

“A visita da Relatora sobre o racismo acontece em um momento importante para o país, afinal, estamos em mais um ano de eleições e de pleitear por políticas públicas interseccionais. Em nossa perspectiva, destacamos a importância de brindar as organizações brasileiras sobre a relação da ONU com o governo, pois a partir do relatório que será apresentado o Estado deve se comprometer a implementar reparações concernentes ao racismo”; destaca Rodnei Jericó da Silva, Diretor de Raça e Igualdade no Brasil.

Conclusões Preliminares: Destaques Importantes

Raça e Igualdade apresenta alguns pontos-chave das conclusões preliminares destacados pela Relatora sobre sua experiência no país, e que serão apresentados no relatório final ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho de 2025. Esse relatório será entregue ao governo brasileiro que, como país signatário da ONU, aceitou a visita oficial como uma forma de avaliação de suas políticas públicas.

Nesse sentido, Ashiwini K.P. ressaltou que identificou pontos positivos em algumas ações do governo, tais como o reconhecimento do racismo como fenômeno sistêmico; a criação do Ministério da Igualdade Racial, do Ministério dos Povos Indígenas, e da Secretaria dos Povos Romani, dentro do Ministério da Igualdade Racial; as propostas sólidas sobre políticas afirmativas; e a existência de uma unidade de saúde na Bahia para tratamento de anemia facilforme. No entanto, a Relatora enfatizou que o progresso no governo caminha a passos lentos, pois, ao reconhecer que o passado colonialista gera uma exclusão de grupos marcados pela violência estrutural, o Brasil deve adotar uma abordagem sistêmica para garantir uma justiça reparatória.

A ausência de dados desagregados foi uma questão apontada como urgente pela Relatora. Com destaque para a ausência de dados sobre os povos romani, pessoas LGBTI+, migrantes, refugiados e pessoas com deficiência, que enfrentam discriminações múltiplas. Aponta também sobre o crescimento de células neonazistas, especialmente em Santa Catarina, onde ela citou que há um apagamento de dados sobre este último tema. Dessa maneira, sublinhou que o Brasil deve garantir que as pesquisas e políticas públicas devem ser apoiadas e consultadas pelos grupos em situação de vulnerabilidade.

Assim, entre as suas propostas está o desenvolvimento de uma Instituição Nacional independente de Direitos Humanos em conformidade com os princípios referentes ao status das instituições nacionais de promoção e proteção dos direitos humanos (os Princípios de Paris), visando o monitoramento e a implementação de medidas antirracistas.

A  Relatora enfatizou que as comunidades indígenas e quilombolas estão à mercê de inúmeros retrocessos capitaneados pelo legislativo e pelo Congresso Nacional. Em suas críticas, ressaltou a morosidade estatal frente ao processo de demarcação territorial destas comunidades; a gravidade da tese do marco temporal; o racismo ambiental como um motor de exclusão e de vulnerabilização; e o descaso em relação à saúde destas populações frente o avanço do garimpo ilegal (agrotóxicos e doenças urbanas). Ainda, expressou sua preocupação com a violência sofrida pelos povos indígenas e quilombolas, destacando o recente caso Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e outros conflitos na Bahia. Assim, a Relatora exortou o governo a tomar uma postura urgente diante da intimidação com os povos indígenas e quilombolas, alertando a gravidade da consequente violência ambiental, e que devem ser tomadas ações mais contundentes, além de ressaltar o compromisso internacional do Brasil perante a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“É necessário um plano nacional coordenado para as questões indígenas e quilombolas, pois a proteção de suas terras é essencial para enfrentarmos a crise climática”, ressaltou Ashiwini K.P.

O entendimento do racismo religioso como uma prática persecutória e reprodutora de violência contra os praticantes de religiões de matriz africana foi um dos destaques de suas conclusões. Nesse sentido, a Relatora citou casos que lhes chegaram através da sociedade civil, como transportes privativos que se recusam a levar pessoas com suas vestimentas religiosas, a perda de guarda de filhos por mulheres de axé, aos ataques físicos organizados aos terreiros. Em seu entendimento, destacou que o Estado permite tais práticas misóginas e racistas e sugeriu que o governo crie um programa de proteção para tratar deste tema.

“Mesmo que haja o Disque 100, a falta de investimento do Estado manda uma mensagem de impunidade e de que o governo não irá tomar nenhuma medida sobre o racismo religioso”, avaliou.

Sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, a Relatora apresentou sua consternação diante da gravidade das ameaças e da brutalidade policial que estes grupos estão expostos. Mesmo reconhecendo a importância da criação do Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta, para elaborar propostas para a Política e o Plano Nacional de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, ela destacou a falta de recursos para direitos humanos e a efetividade dos que já existem. Desse modo, ela exortou o Brasil a implementar as ações sobre o tema feitas pela Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Mary Lawlor, após sua visita ao Brasil, em abril deste ano.

Frente à situação das mulheres negras e as interseccionalidades de gênero, como as mulheres LBT, foi destacado o precário acesso ao sistema de saúde e a violência obstétrica, a questão das trabalhadoras domésticas, a violência sexual e o feminicídio que vitimiza desproporcionalmente estas mulheres; com isso, ponderou a necessidade de uma orientação psicológica como política pública governamental. A Relatora demonstrou muita preocupação com os dados apresentados que comprovam que mulheres negras estão mais expostas ao feminicídio, destacando a violência que ocorre com mulheres negras lésbicas e transexuais. Ademais, a criminalização do aborto foi observada na sua avaliação, além das barreiras enfrentadas por mulheres que buscam até mesmo o aborto legal, em conformidade com o Código Penal. Nesse sentido, ela enfatizou a preocupação com a Proposta de Emenda Constitucional 1904/2024, que aumenta para até 20 anos de prisão as penas para as mulheres que realizarem aborto. Nesse ponto, foi destacada a importância do Governo implementar as recomendações do Comitê CEDAW, que avaliou o Brasil esse ano, para descriminalizar o aborto e garantir o acesso seguro para todas, respeitando os direitos e a autonomia corporal das mulheres. No que tange a economia do cuidado, observou também a exploração econômica sofrida pelas trabalhadoras domésticas.

Sobre a violência policial, a Relatora abordou que são especialmente mães afrodescendentes que perdem os seus filhos em razão da brutalidade policial, e que além de vítimas, estas também são criminalizadas.  Por isso, seu relatório terá um ponto importante em que se devem tomar medidas mais efetivas frente ao sistema carcerário e, mesmo reconhecendo que o uso de câmeras policiais seja um passo importante para uma política de segurança antirracista, sinalizou que há relatos de que essas câmeras não são utilizadas e que medidas de perfilamento racial estão sendo utilizadas pelo governo sem base científica. Desta forma, instou o governo a criar leis para o uso da inteligência artificial para que não seja utilizada de forma racista.

A Relatora também destacou a segregação espacial especialmente nos grandes centros, ocupadas majoritariamente por pessoas afrodescendentes, e que possuem acesso precários à infraestrutura. Ademais, evidenciou a falta de apoio às pessoas sem moradia.

O avanço da extrema direita e o crescimento de células neonazistas foi um dos pontos de extrema preocupação da Relatora, que salientou que há uma negação do estado de Santa Catarina sobre esses grupos e que devem ser implementadas políticas de cotas e ações afirmativas que empoderem a legislação local para combater o negacionismo. A partir desse viés, ressaltou também sua inquietação sobre a falta de esforços do legislativo brasileiro diante de projetos de lei que visam retroceder alguns dos direitos já conquistados.

Por fim, expressou preocupação com o crescimento da violência política de gênero e do discurso de ódio, e instou o governo a tomar passos cuidadosos nesta seara. Ressaltou que a baixa representatividades dos grupos em situação de vulnerabilidade em espaços de tomada de decisão é um reflexo do racismo sistêmico integeracional. Ademais, essa falta de representatividade também pode ser constatada dentro do judiciário.

Raça e Igualdade agradece o apoio e interesse de Ashiwini K.P., no comprometimento de sua relatoria para fomentar ações antirracistas e de justiça racial ao Estado brasileiro. Destacamos como um importante valor o reconhecimento do racismo religioso como prática racista e discriminatória perante a um mecanismo internacional de direitos humanos. Seguimos na luta pela defesa e garantia dos direitos humanos para o enfrentamento das desigualdades estruturadas pelo sistema racista. É urgente que o Estado brasileiro se comprometa com as demandas da sua população por justiça e equidade. Um governo cuja proposta é “União e Reconstrução” deve ter a reparação histórica como prioridade.

Sendo assim, compartilhamos algumas das recomendações entregues à Relatora sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata pelas organizações brasileiras:

  • Aprimoramento de políticas públicas de acesso à assistência jurídica e serviços de apoio as vítimas de violência doméstica e familiar, a partir do levantamento dos casos registrados nos últimos anos, com o objetivo de amparar e proteger as mulheres vítimas de violência e racismo (em especial o racismo religioso), entre outras ações a serem indicadas, a partir da colaboração de grupos feministas, lideranças religiosas, gestores públicos e especialistas no tema.
  • Exigir a implementação da Política Nacional de Saúde para a População LGBTI+ por meio da criação de equipamentos de saúde especializados para atender às demandas de alta complexidade demandas de alta complexidade na saúde das mulheres lésbicas;
  • Recomendar ao Estado brasileiro que resolva efetivamente todas as barreiras à justiça enfrentadas pelas vítimas de crimes racistas, acelerando os processos judiciais, revisando os padrões de provas para fortalecer a responsabilização por atos discriminatórios e monitorar as disparidades raciais no acesso à justiça, especialmente para mulheres afrodescendentes e pessoas LGBTI+.
  • Pleitear que o Estado brasileiro busque implementar devidamente medidas de reparação para as vítimas e familiares afetados pela violência do Estado, o que deve incluir suporte psicológico, assistência médica e compensação financeira, além outras que forem necessárias na análise do caso em concreto.
  • Assegurar que o Estado brasileiro também cumpra as recomendações elaboradas pelos Comitês CERD e CEDAW, órgãos de tratados que recentemente revisaram o país, e pontuaram preocupações semelhantes.
  • Recomendar a participação política dos povos indígenas e das comunidades quilombolas no desenvolvimento de políticas públicas que afetam seus territórios e nas políticas de defesa ambiental. Outrossim, instar o Estado brasileiro pela garantia da demarcação e titulação das terras quilombolas e indígenas, além de rechaçar a tese do Marco Temporal.

Conheça os temas prioritários da Relatora da ONU sobre Racismo, Ashiwini K.P., em sua visita ao Brasil

Brasil, 07 de agosto de 2024 – Entre os dias 5 e 16 de agosto, a Relatora Especial da ONU sobre formas contemporâneas de Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, Sra. Ashiwini K.P., realiza uma visita oficial ao Brasil. Em sua agenda, estão previstas reuniões fechadas com autoridades do poder executivo federal e de governos estaduais. Ademais, a Relatora se reunirá com a sociedade civil em diversas regiões do país, que contemplam as cidades de Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro.

O objetivo destes encontros é, através de uma escuta atenta sobre as problemáticas raciais, captar informações e recomendações concretas para subsidiar o relatório público que será emitido pela Relatora com o resumo de sua visita, e apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho de 2025.

Salientamos que esta visita acontece em um momento oportuno, tendo em vista as crescentes ocorrências e denúncias de violações de direitos humanos no país, sobretudo em face das populações mais vulnerabilizadas, nas quais o espectro racial e discriminatório lhes vitimizam e revitimizam na ausência de seus direitos básicos.

Raça e Igualdade destaca os temas propostos pela sociedade civil que contemplam a agenda da Relatora: (i) Racismo e Gênero; (ii) Racismo e população LGBTQIA+; (iii) Acesso à justiça e privação de liberdade; (iv) Racismo e comunidades romanis; (v) Racismo ambiental e comunidades tradicionais; (vi) Racismo e população negra; (vii) Racismo, justiça e política de drogas; (viii) Racismo e comunidades quilombolas; (ix) Racismo e Povos Indígenas; (x) Racismo religioso; (xi) Memória.

Os temas acima propostos possuem interface direta com o racismo, e os dados de instituições públicas brasileiras, como o IBGE e IPEA, confirmam este diagnóstico. Ressaltamos que os dados produzidos por organizações da sociedade civil, também trazem à luz as múltiplas discriminações que reproduzem a violência do racismo nas populações de terreiro e LGBTI+. Portanto, o racismo em face das religiões de matriz africana é um tema que consideramos relevante a ser considerado em seu relatório sobre o país.

Além disso, ressaltamos a pertinência da inclusão dos povos quilombolas e indígenas, haja visto que a atenção sobre a questão territorial destas comunidades se faz urgente, pois o debate sobre o marco temporal e a não titulação de terras quilombolas por todo o território nacional, vem ocasionando um número crescente de mortes por interesses do agronegócio.

Desta forma, Raça e Igualdade tem por perspectiva de que a visita de Ashiwini K.P.,  reverbere em uma postura proativa e reparatória do Estado brasileiro em lidar e pensar em formas mais efetivas de combate ao racismo em suas diversas vertentes.

Organizações LGBTI que tornam o Orgulho possível na América Latina

Washington DC., 28 de junho de 2024.- No Dia Internacional do Orgulho LGBTI+, a Raça e Igualdade reconhece que a luta pelos direitos das pessoas LGBTI+ tem sido uma longa e contínua batalha, marcada pelo papel fundamental das organizações da sociedade civil (OSCs) e pelos avanços significativos na promoção e defesa dos direitos das pessoas LGBTI+ que contribuíram para sua visibilidade e proteção.

Também reconhecemos que, sem o trabalho árduo de longa data das OSCs, nenhuma celebração ou reivindicação do Dia do Orgulho como o conhecemos hoje teria sido possível. Neste momento, na América Latina e no Caribe, após a onda antidemocrática e ultraconservadora que destruiu alguns dos últimos avanços em direitos humanos, o movimento LGBTI+ continua resistindo e se defendendo.

Por isso, Raça e Igualdade destaca o trabalho de organizações e defensores LGBTI+ do Brasil, Colômbia, Peru e Cuba que, mesmo nos contextos adversos de seus países, tornam o Orgulho possível e contribuem estrategicamente para os direitos humanos das seguintes formas:

  1. Defendendo o direito à identidade de gênero: A Fraternidad Trans Masculina Peru, é uma OSC, cujo objetivo de trabalho é a defesa dos direitos humanos das pessoas que se identificam como transmasculinas. Atualmente, estão realizando processos judiciais para alterar nomes e a categoria “sexo” no documento de identidade nacional para pessoas trans masculinas em situação de vulnerabilidade. Até o momento, a FTM conseguiu litigar mais de 60 casos de mudança de nome.
  2. Promovendo a participação política: A Articulação Brasileira de Lésbicas – ABL é uma rede de mulheres lésbicas e bissexuais atuantes nas cinco regiões do Brasil. Sua principal atividade é a educação política e a participação na incidência social e política. A ABL tem dialogado nos mais diversos espaços como terreiros, igrejas, escolas, comunidades tradicionais e nas periferias e favelas das cidades. Seu papel na luta do sapatão tem sido estar nos espaços de poder, discutindo principalmente a luta contra a lesbofobia, o lesbocídio e o lesbo-ódio.
  3. Pesquisa e visibilidade: O Museu Virtual da Memória contra a Violência de Gênero é uma organização cidadã que nasceu há dois anos. Este ano conseguiu lançar, com o apoio da Raça e Igualdade, o primeiro relatório sobre lesbofobia em Cuba. Da mesma forma, o coletivo transfeminista e antirracista Rosa Rabiosa, do Peru, tem monitorado as populações trans e não-binárias do Peru durante os períodos de votação, a fim de promover sua participação e evitar qualquer caso de discriminação. A partir dessas experiências, eles elaboraram o relatório Vigilando Nuestro Voto, que estará disponível muito em breve.
  4. Lutando pela educação das pessoas LGBTI: Fundação Afrodescendente para as Diversidades Sociais e Sexuais – Somos Identidad é uma organização de base de comunidades negras, criada a partir de uma perspectiva interseccional que trabalha para reconhecer, aprimorar e tornar visíveis as interseções de raça, etnia, gênero e diversidade sexual. Eles realizam processos pedagógicos antirracistas para acompanhar a entrada de pessoas afro-LGBTI+ no ensino superior na Colômbia, especificamente no Pacífico Sul e nas periferias das cidades.

O tempo e o esforço que defensores e organizações LGBTI+ dedicam à luta por sociedades mais justas na região é inestimável. Não apenas foram fundamentais para promover mudanças legais e sociais significativas, mas também desempenharam um papel crucial na transformação cultural dos países. Com isso em mente, a Raça e Igualdade reafirma seu compromisso de continuar trabalhando lado a lado com os parceiros até que a dignidade plena seja alcançada, livre de discriminação e violência contra as pessoas LGBTI+.

Assembleia Geral da OEA: Raça e Igualdade Dialoga com a Sociedade Civil e Especialistas sobre Discriminação Racial, Violência de Gênero e Segurança Hemisférica nas Américas

Washington D.C., 14 de junho de 2024 – Em vistas da 54ª sessão da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos humanos na região com a realização de três eventos paralelos. O primeiro evento, o Fórum Interamericano contra a Discriminação, que faz parte do calendário institucional desde 2005, reunirá lideranças de diferentes países para um diálogo sobre reparação e as principais demandas da população afrodescendente, indígena e LGBTI+. O segundo evento abordará a crise dos direitos humanos na Nicarágua e o apoio financeiro internacional; e o terceiro evento, coordenado pelo Consórcio Latino-Americano de Direitos Humanos, reunirá atores-chave de diferentes países para discutir os direitos humanos como pilar da segurança hemisférica nas Américas. 

A Assembleia Geral da OEA será realizada de 26 a 28 de junho na Conmebol, localizada na cidade de Assunção, no Paraguai, sob o lema “Integração e Segurança para o Desenvolvimento Sustentável da Região”. Para Raça e Igualdade, a Assembleia Geral da OEA é um espaço de amplo diálogo e intercâmbio de boas práticas da sociedade civil da região, assim como uma oportunidade para fortalecer suas demandas por meio da escuta das delegações formadas pelos Estados-Membros e seu Secretariado. Dessa forma, os eventos paralelos alcançam o propósito de uma efetiva incidência política perante esse mecanismo internacional de direitos humanos. 

 

Fórum Interamericano contra a Discriminação

Este ano, o Fórum Interamericano contra a Discriminação será realizado na terça-feira, 25 de junho, e será composto por quatro painéis com os seguintes temas: “O papel dos sistemas de proteção dos direitos humanos na reparação de diferentes grupos discriminados na região”; “Experiências de reparação na região e sua abrangência em relação a grupos racializados, móveis ou em deslocamento, minorias sexuais, religiosas, linguísticas, políticas, entre outros”; “Reparação no contexto de gênero”; e, por fim, o painel “A população étnica e a 54ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral da OEA”.

O painel de abertura do Fórum contará com a participação de Gloria De Mees, Relatora da OEA sobre os Direitos dos Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial. Nos painéis seguintes, lideranças da região participarão do debate com informações sobre seus contextos e suas lutas por reparação, restituição e garantias de não repetição. Além disso, no contexto da reparação de gênero, várias ativistas apresentarão e discutirão as implicações da recomendação geral do Mecanismo de Acompanhamento da Convenção de Belém do Pará (MESECVI) sobre as mulheres afrodescendentes.

No âmbito do Fórum anual, também será discutido o fortalecimento da Coalizão Afrodescendente das Américas e da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (CIRDI).

Para participar, inscreva-se aqui: https://tinyurl.com/2fx7uc29 

 

O apoio internacional à Nicarágua e a crise democrática e dos direitos humanos

Na tarde da terça-feira, 25 de junho, o Raça e Igualdade reunirá especialistas da OEA, do meio acadêmico e da sociedade civil para discutir a responsabilidade das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) em relação aos crimes contra a humanidade e às violações de direitos humanos na Nicarágua. Da mesma forma, será analisada a relevância estratégica dessas instituições no uso da diligência prévia em direitos humanos para lidar com os impactos negativos de seus projetos de desenvolvimento.

Em um regime historicamente marcado por violações sistemáticas de direitos humanos, a continuidade do apoio financeiro internacional traz à tona diversas questões para a sociedade civil. De 2018 até hoje, o regime autoritário de Daniel Ortega, Rosario Murillo e seus seguidores realizaram ataques generalizados e sistemáticos contra a população civil nicaraguense na oposição por razões políticas. Desde 2021, a crise democrática e de direitos humanos se agravou significativamente. Em 9 de fevereiro de 2023, 222 pessoas foram libertadas da prisão, depois banidas para os Estados Unidos e arbitrariamente destituídas de seus direitos de nacionalidade e cidadania. Entre os grupos mais vulneráveis estão defensores de direitos humanos, jornalistas, líderes religiosos, mulheres, povos indígenas e afrodescendentes e pessoas LGBTI+.

No entanto, as abundantes evidências da crise democrática e de direitos humanos na Nicarágua não foram suficientes para que as Instituições Financeiras Internacionais decidissem mudar sua estratégia em relação ao país, fortalecer sua diligência prévia em direitos humanos ou suspender e/ou cancelar a execução de seus projetos no país. Em fevereiro de 2024, o Grupo Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, o Grupo Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Centro-Americano de Integração Econômica apoiaram 97 projetos em implementação na Nicarágua, com a aprovação de US$ 5.082,43 milhões, de acordo com informações disponíveis em seus sites. Destes, 57 projetos foram aprovados, num total de US$ 2.784,43 milhões, após o início da crise, em 2018.

Para participar, inscreva-se aqui: https://tinyurl.com/57r4b22m 

 

Direitos Humanos como Pilar da Segurança Hemisférica nas Américas

O Consórcio Latino-Americano de Direitos Humanos – formado por Raça e Igualdade, Freedom House e Fundação Pan-Americana para o Desenvolvimento (PADF) – realizará o evento “Direitos Humanos como Pilar da Segurança Hemisférica nas Américas” na quarta-feira, 26 de junho. Este evento visa visibilizar as violações dos direitos humanos em Cuba, Nicarágua, El Salvador e Venezuela, como a força motriz por trás do debate sobre segurança na região. Nesses países com contextos inseguros e repressivos, desigualdades em termos de liberdade e segurança são geradas com efeito diferenciado sobre os grupos mais vulneráveis, como afrodescendentes, mulheres, crianças, população LGBTI+ e pessoas privadas de liberdade por razões políticas.

Assim, novas preocupações e desafios, incluindo a situação política, social, econômica, ambiental e de direitos humanos dos Estados Membros da OEA, levaram essa organização a redefinir seu entendimento de segurança hemisférica. Assim, em 28 de outubro de 2003, os Estados das Américas promulgaram a “Declaração sobre Segurança nas Américas”, propondo um novo conceito de segurança multidimensional que reconhece que o objetivo da segurança hemisférica é a “proteção dos seres humanos”.

Em seu comunicado, a OEA considerou que “a democracia representativa é condição indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento dos Estados do Hemisfério” e que é “responsabilidade dos fóruns especializados da OEA, bem como dos fóruns interamericanos e internacionais, desenvolver mecanismos de cooperação para enfrentar essas novas ameaças com base nos instrumentos aplicáveis”.

Nesse contexto, o Relator Especial da CIDH para a Liberdade de Expressão, Pedro Vaca; a vice-diretora do Programa América Latina e Caribe da Freedom House, Alejandra Argueta; o advogado da organização Cubalex, Alain Espinoza; da organização Cubalex; a profissional jurídica da Unidade de Defesa Legal da Nicarágua, Arlette Serrano; o jornalista venezuelano do Voces de la Memoria, Víctor Navarro; e o cofundador da associação Tracoda (Transparência, Controladoria Social, Dados Abertos) de El Salvador, Luis Villatoro, discutirão estratégias para fortalecer a segurança e a proteção da população e dos defensores de direitos humanos, entre os desafios atuais enfrentados por regimes autoritários nas Américas.

Para participar, inscreva-se aqui: https://tinyurl.com/537cdu3w 

 

Saiba mais sobre eventos

Fórum Interamericano contra a Discriminação

Data e hora: Terça-feira, 25 de junho, das 9h às 12h30 (Assunção e Washington D.C.) / das 10h às 13h30 (horário de Brasília)

Localização: Hotel Dazzler, Avenida Aviadores del Chaco

Transmissão ao vivo via Zoom e Facebook Live @RaceandEquality

Inscrições: https://tinyurl.com/2fx7uc29 

Tradução simultânea em espanhol, português e inglês.

 

O Apoio internacional à Nicarágua e a crise democrática e dos direitos humanos

 

Data e hora: terça-feira, 25 de junho, das 17h às 19h30 (Assunção e Washington D.C.) / das 18h às 20h30 (horário de Brasília)

Localização: Hotel Dazzler, Avenida Aviadores del Chaco

Transmissão ao vivo via Zoom e Facebook Live @RaceandEquality

Das Inscrições: https://tinyurl.com/57r4b22m 

Tradução simultânea em espanhol, português e inglês.

 

Direitos Humanos como Pilar da Segurança Hemisférica nas Américas

Data e hora: Quarta-feira, 26 de junho, das 17h às 19h30 (Assunção e Washington D.C.) / das 18h às 20h30 (horário de Brasília)

Localização: Hotel Esplendor, Avenida Aviadores del Chaco

Transmissão ao vivo via Zoom e Facebook Live @RaceandEquality

Das Inscrições: https://tinyurl.com/537cdu3w

Tradução simultânea em espanhol, português e inglês.

IDAHOBIT: Celebrando os últimos avanços na luta das pessoas LGBTI+

Washington D.C., 17 de maio de 2024 -. “Ninguém fica para trás: igualdade, liberdade e justiça para todes” é o tema global deste 17 de maio, Dia Internacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia + (IDAHOBIT). Hoje comemoramos a data em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista de patologias mentais do Manual da Classificação Internacional de Doenças (CID) e lembramos que não há democracia sem a inclusão de pessoas LGBTI+.

Enaltecer que ninguém deve ser deixado para trás implica refletir sobre quantas vezes as pessoas LGBTI+ foram excluídas dos espaços públicos e privados devido à sua orientação sexual, expressão de gênero e identidade de gênero, significa, por isso, pensar em uma inclusão real onde não há lugar para o ódio e a rejeição já que matam, matam empurrando para a marginalização, matam com o bullying e suicídio, matam violando seus corpos e torturando suas mentes e matam assassinando.

Por isso, este dia nos compromete com a tarefa de erradicar a LGBTI+fobia em todas as suas manifestações e em qualquer área da sociedade.  No Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), estamos comprometidos com isso e acreditamos que nesse esforço é importante reconhecer cada conquista alcançada com a força e a árdua defesa das organizações LGBTI+ contra o ódio e a favor dos direitos humanos.

Figuras que tornam visíveis

Na Nicarágua, por exemplo, há o Observatório de Violações de Direitos Humanos de Pessoas LGTBIQ+, a única plataforma de denúncia social no país criada pela organização feminista La Corriente há mais de duas décadas. Apesar do fechamento total do espaço cívico e do contexto de censura imposto pelo regime de Ortega-Murillo, a vigência do Observatório é uma demonstração da rejeição à violência e a outras formas de discriminação.

Uma situação semelhante é a de Cuba, cuja mais recente conquista por meio do referendo foi a aprovação do Código da Família , onde casais do mesmo sexo podem casar e adotar. No entanto, no país não existe uma Lei de Identidade de Gênero ou registros oficiais que abordem a violência que essa população sofre diariamente.

Vozes fortes diante da subjugação

No Peru, organizações LGBTI+ e de direitos humanos recentemente se manifestaram forte e massivamente contra um Decreto Supremo do Ministério da Saúde que modifica o Plano de Seguro de Saúde Essencial (PEAS), onde aplica a obsoleta CID-10 e incorpora o travestismo, a identidade de gênero e a orientação sexual egodistônica como transtornos mentais para acessar procedimentos médicos e de saúde por meio de planos de saúde. Em resposta à reação coletiva da sociedade civil, o Ministério da Saúde divulgou nota destacando que a implementação da CID-11 está em andamento e afirmando sua posição de que identidade de gênero e orientação sexual não constituem doenças. Outro exemplo inspirador de persistência é o fato de que o caso “Tengo Dos Mamás – Eu Tenho Duas Mães” chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e elas aguardam uma decisão sobre a admissibilidade do caso que busca o reconhecimento de famílias lésbicas no país.

Construindo um marco jurídico contra a discriminação

No Brasil, além da criação da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ em 2023, foram apresentados 21 projetos de lei pró-LGBTQIA+ no Congresso Nacional, entre os quais a proibição das chamadas “terapias de conversão sexual”, a reserva de vagas para pessoas trans e travestis em universidades federais,  a criminalização do crime de violência política contra parlamentares LGBTI+, entre outros. No mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que os crimes de homofobia e transfobia deveriam ser equiparados a injúria racial.

Fim do discurso e das práticas de ódio

Por outro lado, na Colômbia, a Corte Constitucional da Colômbia fez dois importanes avanços jurisprudenciais sobre os direitos das pessoas LGBTI+. Em primeiro lugar, a sentença T-061 de 2024 declara a violação dos direitos fundamentais das pessoas LGBTI+ e ordena ao influenciador Luis Villa Westcol que retifique a publicação de conteúdo que promova discurso de ódio. Para o tribunal superior, a publicação ultrapassou os limites da liberdade de expressão e incitou o ódio contra pessoas LGBTI+. Em segundo lugar, o Tribunal Constitucional, através da sentença T-033 de 2024, declarou a violação dos direitos fundamentais de duas mães que foram interrogadas por um médico da Clínica Noel porque, segundo ele, apenas a mãe biológica poderia ser considerada a mãe “real”. A clínica pediu desculpas e reconheça o direito do casal à igualdade, rejeitando a discriminação com base na orientação sexual.

Ainda que haja um longo caminho a percorrer e estejamos vendo atualmente movimentos antidemocráticos visando o movimento LGBTI+, esses avanços demonstram a resiliência do movimento LGBTI+. Eles mostram que o progresso é possível mesmo em contextos adversos como Nicarágua e Cuba e que a inclusão LGBTI+ é essencial para garantir nossa democracia. É preciso sair do papel e que o progresso seja social e entre na consciência das pessoas para fazer uma mudança duradoura e transformadora. Os Estados e a sociedade em geral devem comprometer-se a tomar medidas contra a discriminação e a violência em todas as esferas da sociedade. Por essa razão, a Raça e Igualdade recomenda que os Estados, de acordo com os estândares internacionais de direitos humanos:

  1. Revogar leis que criminalizam relações sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo e assegurem os marcos legais de respeito à diversidade sexual e de gênero.
  2. Desenvolver normas e leis que garantam a igualdade e a não discriminação nos espaços públicos e privados.
  3. Punir crimes de ódio cometidos contra pessoas LGBTI+ e desenvolver protocolos para sua devida investigação. Da mesma forma, estabelecer, cumprir e monitorar as medidas de reparação correspondentes.
  4. Reconhecer a identidade de gênero de pessoas trans e de gênero diverso para que possam obter documentos de identidade que as representem, bem como acessar e exercer seus direitos básicos.

Implementar programas de treinamento e conscientização sobre direitos humanos, diversidade sexual e de gênero para policiais, pessoal de saúde, agentes penitenciários, professores, trabalhadores e funcionários públicos em geral, para que possam exercer suas funções sem humilhar, confundir, discriminar ou violar pessoas LGBTI+.

Visibilidade lésbica: um olhar sobre a força e presença pública lésbica

Washington, D.C., 26 de abril de 2024 – O mês de abril traz muita força lésbica. Esta data nos recorda o quão fundamental é o papel político das lésbicas na história, a coragem e a determinação de muitas mulheres lésbicas para enfrentar uma sociedade sexista, violenta e discriminatória. Essa força gerou um impacto inegável em todos os países da região; por isso, no Dia Internacional da Visibilidade Lésbica, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) destaca e reconhece a luta de milhares de lésbicas por visibilidade e para viver com dignidade, para que mais lésbicas possam estar presentes nos espaços públicos exercendo seus direitos humanos.

Como aponta o relatório regional da LESLAC[1] sobre a Situação das Mulheres Lésbicas, Bissexuais e Queer/Queer em Abya Yala, ao longo do tempo, as sociedades classificaram o lesbianismo apenas como uma prática sexual individual e privada. No entanto, as lésbicas muitas vezes demonstraram sua essência política e coletiva dentro das lutas sociais. Prova disso é o primeiro Encontro de Feministas Lésbicas da América Latina e Caribe (ELFLC), em 1987, no México; um espaço que surgiu da reflexão de feministas lésbicas para ter seus próprios encontros que representassem suas apostas políticas[2]. Em 1995, a Quarta Conferência da Mulher em Pequim,  discutiu a descriminalização de casais do mesmo sexo e a discriminação com base na orientação sexual como uma violação dos direitos humanos pela primeira vez em uma conferência das Nações Unidas, sendo, portanto, reconhecida no Sistema Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas[3].

Além da determinação em garantir sua participação na discussão e na ação política, as mulheres lésbicas estão empenhadas em documentar e visibilizar suas realidades. Com o apoio da Raça e Igualdade, este mês será lançado o primeiro relatório sobre a situação das mulheres lésbicas em Cuba: “Se não nos mencionam, não existimos: lesbofobia em Cuba”, que explica a invisibilidade das mulheres lésbicas na Ilha. “Ainda existe violência contra mulheres lésbicas, não aparecemos em nenhuma estatística de feminicídio ou violência de gênero. Não somos mencionadas em nenhuma das propostas que são feitas para uma lei abrangente [contra a violência de gênero]. Nem sequer aparecemos nas anedotas de mulheres vítimas de violência que são publicadas nas redes sociais”, diz María Matienzo, jornalista independente, ativista cubana e pesquisadora responsável pelo relatório.

Olguita Acuña, cantora, compositora e performer nicaraguense, artivista feminista, lésbica e membra do Coletivo de Produtores e Artistas Audiovisuais Latino-Americanos (COPAL), tem uma forma muito bonita de contribuir para a visibilidade lésbica através das artes. “O país tem uma dívida histórica com as mulheres e a população LGBTI+. Na Nicarágua, celebra-se a Miss Gay, Miss Trans, mas não o casamento igualitário e nem as famílias do mesmo sexo. Pessoalmente, canto no feminino. Escrevo minhas canções e poemas de forma óbvia e descarada para as mulheres que amo ou amei, da sensualidade e da ternura. Não nego, não escondo quem sou ou quem tenho a alegria de amar, diante de Deus e da sociedade”, diz.

Nessa linha, Pamela Almendra, musicista peruana, ressalta: “Nós, como artistas ou pessoas moderadamente públicas, temos uma tarefa [pedagógica] com a sociedade porque não somos extraterrestres, somos pessoas como qualquer outra”. Pamela é uma renomada guitarrista profissional no Peru, que através de seu talento e fama contribuiu para visibilizar e gerar conscientização sobre sua identidade como lésbica trans.

A contribuição das mulheres lésbicas para a visibilidade, a ocupação dos espaços públicos e a discussão sobre a melhor forma de viver tem sido realizada a partir de diversas áreas, coletiva e individualmente e com o propósito de caminhar em direção a uma sociedade mais justa.

Nesse sentido, cabe aos Estados implementar medidas concretas para garantir uma vida digna às lésbicas e o pleno exercício de seus direitos humanos:

  • Implementar políticas de Educação Sexual Integral sob uma abordagem de direitos humanos para que a diversidade sexual e as identidades de gênero sejam reconhecidas e respeitadas;
  • Garantir o tratamento digno das mulheres lésbicas em todos os serviços públicos e privados do país, através do fortalecimento de programas de capacitação de autoridades, operadores de justiça, agentes públicos e funcionários administrativos e da adequação de protocolos assistenciais.
  • Registrar, documentar e analisar a violência contra lésbicas para melhor ilustrar situações de violência e, posteriormente, formular políticas de prevenção e assistência.
  • Garantir o acesso à justiça por meio da investigação e punição de discriminação e crimes cometidos contra mulheres lésbicas. Da mesma forma, desenvolver mecanismos para evitar a criminalização de mães lésbicas em processos de guarda de seus filhos.
  • Garantir e defender os direitos civis e os direitos familiares das lésbicas através do acesso à igualdade no casamento e do reconhecimento legal para mães lésbicas e famílias diversas. Nesse sentido, também é preciso respeitar os direitos adquiridos no exterior.
  • Promover o acesso das lésbicas aos espaços políticos e posições de poder, de forma a garantir o direito à participação política não violenta e à representação de identidades.

[1] Rede de Organizações de Mulheres Lésbicas e Bissexuais na América Latina e Caribe – LESLAC

[2] Jornada Tripla (2004). Além da escolha sexual. Disponível em https://www.jornada.com.mx/2004/09/06/informacion/73_encuentro_lesbi.htm

[3] Comunidade de Madrid (2019). Estudo sobre as causas da invisibilidade e da dupla discriminação sofridas pelas lésbicas na Comunidade de Madrid. Disponível em https://www.comunidad.madrid/sites/default/files/doc/estudio_lebianas.pdf

Dia da Visibilidade Trans: Acesso à Saúde é um Direito Humano, não um privilégio

Washington D.C., 31 de março de 2024.- No Dia Internacional da Visibilidade Trans, o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) reconhece que pessoas trans, trans não-binárias e de gênero diverso continuam a enfrentar fortes barreiras institucionais, sociais e econômicas para exercer seu direito à saúde, ainda mais pessoas negras,  marginalizadas, migrantes ou profissionais do sexo.

De acordo com o Relatório Temático sobre pessoas trans e de gênero diverso e seus direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e sua Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA), a falta de reconhecimento legal e social da identidade de gênero das pessoas trans,  pessoas trans não-binárias e de gênero diverso geram diversas violações de seus direitos humanos, muitas vezes expondo-as a situações de risco.

Mesmo nos países latino-americanos que possuem legislação que reconhece a identidade de gênero, a falta de implementação, investimento, conscientização e treinamento abrangentes de autoridades e autoridades de saúde continua a produzir situações de discriminação e violência. No Brasil, por exemplo, “temos a Política Nacional de Saúde Integral LGBTQIA+, que é um documento fundamental, e temos o Processo de Transexualização, que é muito necessário para as demandas específicas das pessoas trans. No entanto, é fundamental que o governo destine mais investimentos para que o serviço realmente chegue a todas as pessoas que precisam”, afirma Yara Cavalcante, da Antra.

Alguns dos danos contra o direito à saúde de pessoas trans, não-binárias e de gênero diverso têm a ver com a impossibilidade de acesso aos serviços de saúde devido à sua identidade de gênero e ao risco de exposição à métodos inseguros, não-supervisionados e até clandestinos de modificação corporal (processos de hormonização, intervenções cirúrgicas). “No Peru, as pessoas transmasculinas não têm acesso a serviços especializados, como hormonioterapia, acompanhamento de tratamento ou cirurgias de afirmação de gênero; e muitos precisam optar por buscar alternativas no setor privado, que é caro e não acessível a todos, por isso muitos acabam se automedicando com medicamentos inadequados e colocando sua saúde em risco”, diz Bruno Montenegro, homem trans, fundador da Fraternidad TransMasculina do Peru.

Da mesma forma, o desconhecimento dos profissionais de saúde sobre as necessidades específicas de saúde das pessoas trans, os maus-tratos e a patologização nos serviços de saúde atrelados ao preconceito e ao estigma – também relacionados aos casos de HIV – geram ansiedade, medo e desmotivação para o retorno ao posto de saúde. Por outro lado, o pessoal médico que não é treinado e sensibilizado para atender às necessidades das pessoas trans pode levar a diagnósticos e tratamentos equivocados. Nos piores casos, podem incorrer em negligência, muitas vezes cometendo tortura, como é o caso das chamadas “terapias de conversão” em centros de saúde mental, como indicam os depoimentos no Relatório Corpos e resistências que transgridem a pandemia: transmasculinidades e pessoas não-binárias AMAN no Peru (2020).

Outro fator que dificulta o acesso das pessoas trans aos serviços de saúde é a falta de recursos. Em países como Cuba, por exemplo, a escassez de produtos para modificação corporal é um dos problemas enfrentados.  “A testosterona às vezes está em falta. Às vezes ficamos um mês ou até cinco meses sem tratamento”, enfatiza Carlos Hernández, cubano trans que coordena o projeto social e independente Por Siempre Trans.  

Além de tudo isso, que tem origem no modelo cisgênero hegemônico, nenhum grande progresso da medicina considerou as pessoas trans como uma população objetiva e específica. Como aponta Mateo Rodrigo, da organização Hombres Trans Diversos da Bolívia, “os tratamentos hormonais e outros procedimentos médicos aos quais as pessoas trans têm acesso não foram originalmente criados para pessoas trans. Também não há produção acadêmica suficiente que estude o impacto de longo prazo desses tratamentos na saúde de idosos trans.”

Diante dessas situações de violação e das preocupações dos parceiros trans em torno do direito à saúde, nasceu o Mi Salud Transmasculina Importa, um projeto regional gerido pela Fraternidade Transmasculina do Peru, Fraternidade Transmasculina do Equador, Rosa Rabiosa do Peru, Homens Trans Diversos da Bolívia e Instituto Brasileiro de Transmasculinidades – IBRAT do Brasil, com o apoio de Raça e Igualdade. Este espaço tem como objetivo contribuir para o bem-estar integral da população transmasculina na América Latina por meio da informação e comunicação.

Por tudo isso, Raça e Igualdade nos lembra que os Estados têm a obrigação de garantir o acesso à saúde para todas as pessoas sem discriminação. A esse respeito, destaca as seguintes recomendações sobre o direito de acesso à saúde para pessoas trans, não binárias e com diversidade de gênero, que foram estabelecidas pela CIDH no Relatório sobre Pessoas Trans e  de Gênero Diverso e seus Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (2020):

  • Promover a formação da equipe médica sobre as necessidades específicas das pessoas trans.
  • Combater preconceitos e estereótipos binários masculinos e femininos no acesso aos serviços de saúde.
  • Estabelecer diretrizes ou protocolos para o atendimento especializado de pacientes trans.
  • Garantir diretrizes sanitárias para tratamentos de afirmação de gênero, incluindo atendimento psicológico, endocrinológico e cirúrgico.
  • Os tratamentos de afirmação de gênero devem basear-se no consentimento livre, prévio e informado e avançar para a gratuidade.
  • Proibir e penalizar atividades que ofereçam “terapias” para “modificar”, “reorientar” ou “curar” a identidade de gênero das pessoas.

Primeira ‘Marsha’ Nacional de Visibilidade Trans no Brasil

Brasil, 30 de janeiro de 2024 – No dia 28 de janeiro (domingo), Brasília foi palco da Primeira ‘Marsha‘ Nacional pela Visibilidade Trans no Brasil, reunindo centenas de pessoas trans de todas as  regiões do país pelo direito à vida, à dignidade e identidade, além de convocar pessoas LGBI+ e aliades do país. A primeira marcha escrita como “Marsha“, refere-se à ativista Marsha P. Johnson, uma travesti e artista afro-americana, que foi uma das figuras mais proeminentes entre as décadas de 1960 e 1990, em Nova York, e que desempenhou um papel importante na rebelião de Stonewall. Da mesma forma, a mobilização recordou e homenageou o legado de Kátia Tapety, Jovanna Baby, Keila Simpson, Erika Hilton e Duda Salabert, que são reconhecidas pelo protagonismo na luta em prol dos direitos das pessoas trans.

O evento, que teve início em frente ao Congresso Nacional e seguiu até o Museu Nacional da República, comemorou os 20 anos daquele marco histórico onde, pela primeira vez, um grupo de transgêneros, travestis e transexuais ocupou o Congresso Nacional, em Brasília, para participar de decisões de políticas públicas. Estabelecendo, assim, o dia 29 de janeiro como o Dia da Visibilidade Trans no Brasil.

“Esse lugar é das travestis que chegaram pra ocupar, que chegaram para fazer história; é dos homens trans, é das mulheres transexuais, é da nossa comunidade que sempre foi negada de estar aquí presente”, enfatizou a Deputada Federal Erika Hilton durante a passeata em Brasília.

A ‘Marsha’ começou às 13h com atrações culturais de artistas trans e continuou com as palavras de representantes do movimento social e de organizações internacionais, como a de Mariah Rafaela Silva, Oficial de Participação Política de Mulheres LBTI, de Raça e Igualdade: “Nos juntamos à Marsha Trans com o compromisso de fazer ecoar as vozes que clamam por direitos iguais, espaços de representatividade, dignidade e respeito às pessoas trans deste país. A população trans, sabemos, enfrenta múltiplos desafios para sua efetiva cidadania e reconhecimento humano, no Brasil e internacionalmente”, disse.

Também tiveram espaço de fala as parlamentares como Duda Salabert, Erika Hilton, Daiana Santos, Symmy Larrat e a Enviada Especial dos EUA para promover os direitos humanos das pessoas LGBTIQ+, Jessica Stern. “Acredito muito no valor da ação direta e das manifestações. Estas, são as expressões mais poderosas de nossas ideias e como traduzimos nossa paixão em demandas por mudança”, disse a Enviada Especial Jessica Stern.

Por sua vez, Duda Salabert enfatizou: “A nossa luta não é apenas identitária, não lutamos apenas em defender a nossa identidade, a nossa luta é estrutural. Nós estamos discutindo, por exemplo, um anti-modelo de empregabilidade, já que 90% das travestis e transexuais estão se prostituindo para sobreviver”.

Antes do fim do ato,  aconteceu algo inédito no Brasil: os principais prédios públicos, como o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, o Itamaraty e o Ministério da Justiça, foram iluminados com as cores da bandeira trans, por ocasião do Dia Nacional da Visibilidade Trans.

Eventos importantes no âmbito da Visibilidade Trans

No dia 29 de janeiro, um dia após a marcha e no mesmo dia da comemoração, foi realizado no Congresso Nacional um painel público sobre os direitos das pessoas trans, com a participação de Erika Hilton e Duda Salabert, ambas Deputadas Federais do Brasil; Bruna Benevides, representante da ANTRA; Fabián Algarte, coordenador do IBRAT; e Pedro Paulo Bicalho, presidente do Conselho Federal de Psicologia. Durante o painel, Salabert destacou que o Brasil tem atualmente o congresso mais conservador de sua história e que, embora tenha a presença de duas mulheres trans, sua presença continua sendo em nível simbólico e de resistência à violência. Por sua vez, Hilton parafraseou Angela Davis e disse que  “a sociedade avança quando as pessoas trans avançam” e  ainda alertou as pessoas trans em posições de liderança a não assumirem a responsabilidade de serem heroínas, mas de reconhecerem a capacidade de não desistir.

Nesse dia também foi realizado um evento do  Governo Federal do Brasil coordenado entre o Ministério dos Direitos Humanos e outros ministérios, no qual  foi lançado o Dossiê Assassinatos e Violência contra Travestis e Transexuais brasileiras em 2023 da  ANTRA e contou com a presença de Symmy Larrat, Secretária Nacional dos Direitos da População LGBTQIA+ do MDHC e do Ministro da pasta Silvio Almeida; da Ministra da Saúde, Nísia Trindade, e a participação da Enviada Especial, Jéssica Stern. O relatório, em sua publicação mais recente desde a retomada democrática, informa que durante o ano de 2023, foram registradas 155 mortes de pessoas trans, superando o valor do ano passado. Destes, 145 correspondem a homicídios e 10 a casos de suicídios.

Por fim, no dia 30 de janeiro, Raça e Igualdade em conjunto com a ANTRA e a ONU Mulheres, organizou o evento “CEDAW – contribuições interseccionais para a proteção de mulheres trans e travestis”, cujo painel foi composto por Malu Aquina, assessora do Gabinete da Mulher do Ministério da Mulher do Brasil, Bruna Benevides, representante da ANTRA; Angela Pires, Diretora de Direitos Humanos das Nações Unidas; e María Eduarda Dantas, representante da ONU Mulheres. O evento discutiu os principais desafios para a participação de mulheres trans na revisão do Brasil pelo CEDAW, e serviu como um convite para a capacitação que Raça e Igualdade oferecerá às organizações da sociedade civil que desejam submeter seus relatórios para a revisão do Brasil na CEDAW.

A partir do comprometimento de Raça e Igualdade com os direitos humanos das pessoas LGBTI+, continuaremos apoiando a luta das pessoas trans e a conquista de seus lugares de fala e de existência nos espaços de poder. Seguimos apoiando as organização em estratégias de advocacy em seus territórios, de mãos dadas para ecoar suas vozes e direitos.

20 de luta trans: A revolução pelos direitos do movimento brasileiro

Brasil, 29 de janeiro de 2024. – Hoje completam 20 anos que pela primeira vez, um grupo de pessoas trans, travestis e transexuais ocupou o Congresso Nacional em Brasília para participar de decisões das políticas públicas. Este evento ocorreu no âmbito do lançamento da campanha “Travesti e Respeito: Já está na hora dos dois serem vistos juntos, em casa, na boate, na escola, no trabalho, na vida”, onde lideranças do movimento organizado de travestis, transgêneros e transexuais estabeleceram uma articulação com o Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde, com o objetivo de formular políticas específicas para a saúde e proteção da população trans.[1]

Esse marco marcou a história do movimento trans no Brasil ao instituir o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Graças ao trabalho da defesa de direitos e aos vários esforços das organizações trans da sociedade civil, o país comemora todos os anos as existências trans com dignidade e no pleno gozo dos direitos humanos.

Neste dia, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) enfatiza a importância do reconhecimento abrangente das pessoas trans e do acesso aos seus direitos fundamentais num país onde a taxa de mortalidade de pessoas trans é a mais alta do mundo.

Segundo a ANTRA, durante o ano de 2023 foram notificadas 155 mortes de pessoas trans, superando o valor do ano passado. 145 destes números correspondem a homicídios e 10 a casos de suicídios. Com o objetivo de acabar com a discriminação e a violência estrutural, o movimento trans brasileiro tem desempenhado um papel crucial na conscientização sobre os problemas que enfrentam, incluindo a falta de acesso aos serviços básicos como educação, saúde e trabalho; e, no geral, continuam a trabalhar para alcançar e defender os seus direitos mais essenciais.

Embora os avanços sejam muito importantes, ainda é dever do Estado garantir o pleno exercício de todos os direitos. “Gostaria de viver dentro de um curto espaço de tempo de ter segurança pública para poder acessar todos os espaços, junto com saúde integral para a população trans”, destaca Dom Erick, transmasculino amazonense, 32 anos, gordo e pansexual, formado em Psicologia, membro do IBRAT. Nessa linha, Rame Ferreira, elu, Doutorando em História (UFRGS), bolsista da CAPES, também menciona a importância do “acesso ao atendimento ambulatorial e à hormonização em qualquer Unidade Básica de Saúde”.

Outro ponto importante é o acesso à participação política e o acesso aos cargos públicos por parte de pessoas trans. “Com as transformações políticas e sociais no Brasil, temos pessoas trans mais instruídas dentro do espaço político e com esse espaço conquistamos uma liderança para que as pessoas trans ocupem espaços de poder nas esferas federal, estadual e municipal. “Essa é uma conquista para o movimento”, disse Bruna Ravena Braga, mulher trans, estudante da Escola de Formação Política Kátia Tapety, ativista da ONG Casa de Malhú, afirmando que dentro desses processos de inclusão seriam úteis as cotas para acessar esses espaços.

Como se sabe, no Brasil, as pessoas trans enfrentam muitos desafios, porém, o movimento trans brasileiro comparado a outros países da região, obteve avanços importantes desde a ocupação do Congresso Nacional.

Por isso, neste dia de 28 de janeiro, em Brasília, acontecerá a Primeira Marsha Nacional da Visibilidade Trans em frente ao Congresso Nacional. Serão 20 anos desse marco histórico, e em comemoração à luta e à memória de pessoas como Marsha P Johnson, Katia Tapety, Jovanna Baby, Keila Simpson, Erika Hilton e Duda Salabert, o Congresso Nacional será mais uma vez palco de celebração e reivindicações. Participe da 1ª Marsha Nacional pela Visibilidade Trans, no dia 28 de janeiro, em Brasília, a partir das 13h. Um encontro pelos direitos na democracia e uma vida sem violência.

A partir de Raça e Igualdade, acompanharemos as diversas atividades que serão realizadas em Brasília, reafirmando nosso compromisso em contribuir com a defesa e promoção dos direitos humanos e com o objetivo conjunto de garantir a igualdade e a dignidade das pessoas trans.

 

[1] Campanha Travestis – 2002. Disponível em: https://antigo.aids.gov.br/pt-br/campanha/campanha-travestis-2002

Memória Trans: a Colonialidade e a Resistência Trans

Washington D.C., 20 de novembro de 2023 – Hoje, no Dia da Memória Trans, é importante refletir sobre a memória de pessoas trans e de gênero diverso, seus processos de construção e a luta para recuperarem suas histórias e as memórias que foram apagadas pelas relações de colonialidade. Por isso, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) se une à comemoração dessa data perguntando à várias pessoas trans e de gênero diverso na América Latina, sobre o que a colonialidade representa na memória trans e como podem resgatar suas histórias.

O Especialista Independente das Nações Unidas, Victor Madrigal-Borloz, apresentou recentemente o último relatório de seu mandato focado na colonialidade como uma das causas profundas da violência e discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero (A/78/227), e como isso levou à geração de uma memória estigmatizada e binária das populações trans na América Latina.

A história latino-americana está repleta de exemplos de como a região sempre resgata suas memórias e busca novas formas de fazê-las. Nos últimos anos, as pessoas trans e LGBTI+ em geral, também têm lutado para recuperar, ressignificar e relembrar sua história. Ainda mais, após as consequências de conflitos armados e ditaduras que levaram ao apagamento de violações de direitos humanos contra a população LGBTI+. No entanto, cumprir essa tarefa de recuperar a memória nos remete ao início dos processos violentos que arrebataram as identidades de muitos povos durante a ocupação colonizadora.

Como indica o relatório, a colonização foi um processo de imposição de sistemas de diferenciação, hierarquia e dominação por uma potência colonizadora sobre os povos indígenas. Além disso, sugere que, após o processo de descolonização, se manteve uma espécie de continuação do projeto colonial que segue discriminando e violando as pessoas trans. Vale destacar que antes da colonização muitos povos não utilizavam uma abordagem binária de gênero ou correlacionavam anatomia com identidade de gênero, já que as hierarquias sociais não dependiam de gênero. Em certas aldeias, por exemplo, as pessoas eram fluidas de gênero e alternavam papéis masculinos e femininos, havia inúmeros comportamentos sexuais e fluidez de expressão de gênero, variando de relacionamentos homossexuais às identidades transgênero e travestimentos[1].

Como consequência do processo colonial que propagou padrões binários rígidos, a violência baseada na identidade de gênero ainda assola a região. Hoje, vemos números alarmantes do Observatório de Pessoas Trans Assassinadas (TMM) do TGEU, que indica que entre 1º de outubro de 2022 e 30 de setembro de 2023, houve 320 assassinatos em todo o mundo, dos quais 235 ocorreram na América Latina e no Caribe[2].

Bicky Bohórquez, a partir de sua experiência como mulher trans negra e ativista da Fundação Afrodescendente para as Diversidades Sociais e Sexuais – Somos Identidad, menciona que a imposição da religiosidade cisheteronormativa é uma das manifestações da colonialidade que se mantêm até hoje na Colômbia.

“A conversão religiosa, a imposição de um binarismo rígido de gênero aos povos colonizados e a criminalização da diversidade sexual e de gênero foram estratégias de controle da opressão colonial”, como aponta o relatório em consonância com as palavras de Athiany Larios, feminista trans e ativista de direitos humanos da Nicarágua: “A colonialidade ainda é tão válida quanto era no início. Muitos dos chamados especialistas e psicólogos desqualificam nossos sentimentos e nos rotulam como loucos aberrantes com ideias obscuras e quase demoníacas. Fomos educadas e ensinadas sob um esquema patriarcal, misógino e machista sobre o que é ser um homem e uma mulher”, ressalta.

No caso do Peru, embora o artesanato das culturas Mochica e Chimu já representasse comportamentos sexuais e afetivos homossexuais como parte de suas vidas cotidianas, hoje as relações de pessoas do mesmo sexo são discriminadas. “Lesbobitransfobia, racismo, machismo e classismo são o legado colonial que o Peru continua carregando hoje. Limitado economicamente a ser um mero exportador de recursos básicos como uma colônia, uma elite crioula que controla a economia, uma milícia abertamente violenta e um legislativo criado para discriminar as diversidades sexuais, os povos nativos, qualquer um que não entre no status quo da sociedade colonial ocidental”, diz Alex Bauer, membro da Fraternidade Trans Masculina.

Algo revelador que é parte das repercussões da colonialidade – como aponta o relatório do Especialista Independente – são as siglas LGBTI, que não conseguem captar totalmente a diversidade de sexualidades e gêneros vivida por pessoas de diversidade sexual. Além disso, leis semelhantes às usadas pelas potências colonizadoras para impor normas binárias de gênero permanecem em vigor em alguns países.

“Não somos nada, censuram-nos sempre e quando vamos procurar emprego dizem-nos que não há, e se nos aceitam temos de estar vestidos como dizem que Deus nos trouxe ao mundo. Pessoalmente, não concordo com as leis e as coisas que acontecem neste país em relação às pessoas trans.  Nós, como outras pessoas, somos seres humanos, pensamos, temos sonhos e queremos ser ouvidos”, disse Carlos Hernández, cubano trans que coordena o projeto social e independente ‘Por siempre Trans’.

Nesse sentido, a Raça e Igualdade faz as seguintes recomendações aos Estados para que respeitem e garantam os direitos de todas as pessoas trans:

  • Adotar as leis e políticas necessárias para modificar o nome e o gênero dos documentos oficiais de identificação, a fim de garantir o reconhecimento, o respeito e a inclusão de pessoas trans e de gênero diverso, de acordo com as normas do Parecer Consultivo 24/17.
  • Coletar sistematicamente dados sobre atos de violência e assassinatos contra pessoas trans e de gênero diverso, desagregadas por identidade de gênero, orientação sexual, identidade étnico-racial e idade.
  • Ter uma política pública com enfoque de gênero nas investigações de violências e assassinatos contra pessoas trans e de gênero diverso, respeito ao nome social e identidade da pessoa, bem como o estabelecimento de garantias de não repetição.
  • Monitorar e sancionar publicamente discursos transfóbicos reproduzidos em instituições públicas e privadas e na mídia que incorrem em apelos à discriminação e violência contra a população trans e de gênero diverso.
  • Promover, por meio de instituições e canais oficiais, uma campanha para educar e sensibilizar sobre orientação sexual e identidade de gênero entre a população em geral, agentes públicos e servidores públicos, com vistas a gerar um contexto de reconhecimento e respeito à integridade e à vida de pessoas trans e de gênero diverso.

[1] ONU (2023). Informado A/78/227. Disponível em https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N23/218/50/pdf/N2321850.pdf?OpenElement

[2] Transgender Europe (TGEU) Observatório de Pessoas Trans Assassinadas (TMM) 2023. Disponível em https://transrespect.org/es/trans-murder-monitoring-2023/

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