Direitos humanos e litígio estratégico: rumo a uma transformação das normas internacionais
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Em comemoração ao Dia dos Direitos Humanos, Raça e Igualdade oferece uma visão abrangente de quatro casos que estão atualmente sendo demandados no Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
Washington D.C., 10 de dezembro de 2024 – No processo de promoção e defesa dos direitos humanos, o litígio estratégico representa uma linha de frente fundamental de luta. Para o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), esse se configura como um dos seus quatro pilares de trabalho.
Com a visão de que o acesso à justiça é fundamental para garantir e proteger os direitos humanos, Raça e Igualdade litiga ao lado de vítimas e de organizações aliadas perante os mecanismos de direitos humanos a nível interamericano e universal, realizando este trabalho de duas formas.
Por um lado, existe a resposta jurídica de emergência, que é ativada quando os parceiros enfrentam riscos de violações dos direitos humanos. Neste caso, a Equipe Legal de Raça e Igualdade os apoia na documentação e na apresentação dentro do prazo de pedidos de proteção e intervenção, perante o Sistema Interamericano e/ou Universal.
Litigando diante do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH)
Por outro lado, com o objetivo de conseguir uma justiça integral para as vítimas e promover mudanças estruturais sustentáveis a longo prazo para uma maior proteção dos direitos humanos, Raça e Igualdade realiza um litígio estratégico através de uma coordenação constante com os parceiros da sociedade civil.
É sobre este segundo ponto que, em razão da celebração do Dia dos Direitos Humanos, Raça e Igualdade apresenta quatro casos que estão atualmente sendo demandados no Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH). Nossa proposta é oferecer uma visão abrangente dos fatos por cada caso, o seu estado processual e, em colaboração com as vítimas, familiares e organizações parceiras, o que se espera em termos de jurisprudência e transformação das normas internacionais.
Vale ressaltar que Raça e Igualdade, atualmente, litiga um total de 10 casos perante o SIDH (3 vs. Nicarágua, 2 vs. Colômbia, 3 vs. Cuba, 1 vs. Peru e 1 vs. México), por violação dos direitos humanos de 157 vítimas individuais e 3 vítimas coletivas, cada uma em diferentes fases processuais. Ademais, em 31 casos procura-se proteção perante o Sistema Universal e o SIDH (13 da Nicarágua, 3 da Colômbia, 14 de Cuba e 1 do Brasil), a favor de 401 beneficiários individuais e 2 beneficiários coletivos. Os indivíduos e grupos representados pertencem às populações com as quais a organização trabalha desde a sua criação: Afrodescendentes, indígenas, pessoas LGBTI+, mulheres líderes comunitárias, defensores dos direitos humanos e vítimas de repressão política.
Além disso, em conformidade com a visão institucional de Raça e Igualdade, os casos são abordados a partir de uma perspectiva interseccional. É importante ressaltar que o trabalho de litígio estratégico está interligado e é reforçado pelos outros pilares de trabalho da instituição, que são advocacy, documentação e a capacitação dos parceiros. Saiba mais aqui.
- Petição de Damas de Blanco (Cuba): proteção integral do direito de defesa dos direitos humanos
Devido ao seu trabalho de defesa e promoção dos direitos humanos em Cuba, as mulheres que integram a organização Damas de Blanco são continuamente ameaçadas, assediadas, perseguidas e reprimidas por agentes do Estado e são detidas todas as semanas durante horas ou dias, sendo algumas delas arbitrariamente presas por razões políticas. Durante as últimas semanas, a Presidenta, Berta Soler, foi detida e teve desaparecimento forçado em três ocasiões, por um período que se estendeu por até três dias. Em 2013, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) concedeu medidas cautelares a favor de todos as membras da organização, que ainda estão em vigor; e em 2022, Raça e Igualdade apresentou uma petição pelas violações dos direitos humanos causadas às mulheres membras das Damas de Blanco e à própria organização.
O prazo para que o Estado apresente suas observações sobre a admissibilidade e o mérito está em curso e, posteriormente, a CIDH terá o poder de se pronunciar sobre a responsabilidade internacional do Estado neste caso.
Por meio das medidas cautelares ou de uma carta de alegação perante os Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos e de ações perante outros órgãos da ONU, Raça e Igualdade busca garantir a proteção dos direitos à vida, à integridade pessoal, à liberdade pessoal, à liberdade de pensamento e de expressão, e a cooperação para o exercício do direito de defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão.
A petição alega que o Estado de Cuba é internacionalmente responsável pela violação dos direitos à vida, à liberdade, à segurança e integridade da pessoa, à igualdade perante a lei, à proteção da honra, à constituição e proteção da família, à preservação da saúde e do bem-estar e à proteção contra a detenção arbitrária por motivos políticos, em detrimento das vítimas.
- Petição de Kevin Solís (Nicarágua): proteção dos defensores dos direitos humanos enquanto atores fundamentais para o reforço da democracia
O caso de Kevin Solís é um exemplo do padrão de repressão sofrido pelos estudantes que denunciaram violações dos direitos humanos no meio da revolta social de 2018, na Nicarágua. Entre 2018 e 2020, Kevin foi privado de liberdade em duas ocasiões, tendo sido sujeito a torturas e castigos na prisão, para além de ter sido anulado o seu registo acadêmico na universidade pública. Em 9 de fevereiro de 2023, Kevin Solís foi libertado da prisão e banido para os Estados Unidos, tendo-lhe sido retirada a nacionalidade.
Dada a situação de risco em que Solís se encontrava, a CIDH concedeu medidas cautelares e, posteriormente, ele foi beneficiário de medidas provisórias ordenadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Em agosto de 2023, Raça e Igualdade apresentou uma petição à CIDH denunciando as violações dos direitos humanos cometidas pelo Estado contra ele. As medidas provisórias ainda estão em vigor, enquanto a petição aguarda processamento pela CIDH.
Com a estratégia utilizada neste caso, procuramos proteger os defensores dos direitos humanos enquanto atores fundamentais para o fortalecimento da democracia, assim como denunciar as detenções arbitrárias através da utilização de legislação contrária às normas internacionais para criminalizar a liberdade de expressão. Este caso contribuirá também para a documentação das violações dos direitos humanos ocorridas desde o início da crise para a) pressão da comunidade internacional e b) posterior responsabilização, reparação e estabelecimento de garantias de não repetição.
- Medidas Cautelares de Benny Briolly (Brasil): garantir a participação política de pessoas negras com identidades de gênero diversas
Benny Briolly Rosa da Silva Santos é uma vereadora travesti negra eleita na cidade de Niterói, cujo mandato foi renovado em 2024 e que, de 2017 até hoje, tem enfrentado um grave contexto de ataques direcionados à sua identidade de gênero e raça, atingindo também sua equipe de assessoria. Tais ataques, que se manifestam por meio de conteúdos discriminatórios e ameaças de morte, foram frequentemente utilizados para provocar medo e insegurança na sua atuação política em defesa dos direitos humanos. Diante dessa situação, as organizações Criola, Terra de Direitos, Justiça Global, Instituto Marielle Franco, Instituto de Defesa da População Negra e Raça e Igualdade solicitaram medidas cautelares perante a CIDH, que foram concedidas em 11 de junho de 2022.
As organizações representativas da beneficiária têm buscado permanentemente a aplicação das medidas cautelares e a cessação do risco, mas até o momento não obtiveram pleno êxito, pois o Estado não tomou as providências adequadas e oportunas para isso.
Juntamente com as demais organizações representativas, buscamos a efetiva proteção da vereadora e que o Estado brasileiro garanta a proteção política das pessoas negras com identidades de gênero diversas.
- La COMADRE (Colômbia): Direito à reparação coletiva para as mulheres líderes étnicas
As lideranças comunitárias da Coordenação da Mujeres Afrocolombianas Desplazadas en Resistencia (La COMADRE), uma organização autônoma de mulheres vítimas do conflito armado, vítimas de violência sexual e de deslocamento forçado, continuam a enfrentar múltiplas formas de violência devido ao seu ativismo. Trata-se principalmente de pessoas pertencentes a comunidades étnicas rurais, que foram deslocadas à força para contextos urbanos devido ao conflito armado e à violência que persiste nos seus territórios ancestrais.
Neste contexto, La COMADRE exigiu que o Estado colombiano as reconhecesse como sujeito coletivo étnico com direito a reparação coletiva através de consulta livre, prévia e informada. Apesar de terem obtido o reconhecimento como tal, esta reparação não foi concedida, pelo que, em 2022, a Asociación de Afrocolombianos Desplazados (AFRODES) e o ILEX Acción Jurídica junto à Raça e Igualdade, apresentaram conjuntamente uma petição perante à CIDH devido às violações perpetradas contra eles pelo Estado e à violência e riscos que as mulheres líderes que compõem a organização continuam a enfrentar. A petição foi aberta para tramitação e aguarda que a CIDH avance nas etapas de admissibilidade e mérito.
Este caso pretende, em primeiro lugar, que seja concedida uma reparação coletiva a La COMADRE como sujeito coletivo étnico, depois de exercido o direito de consulta para determinar essa reparação; garantias para a cessação da violência e dos riscos enfrentados pelas mulheres líderes afro-colombianas vítimas do conflito armado, bem como a identificação e punição dos responsáveis e mudanças estruturais para garantir que essas mulheres possam defender os direitos humanos exercendo a sua liderança étnica em condições de segurança para si próprias, para as suas famílias e para a sua organização.