Dia da Visibilidade Lésbica no Brasil: Caso Luana Barbosa – “Se não for por nós, ninguém será”*

Dia da Visibilidade Lésbica no Brasil: Caso Luana Barbosa – “Se não for por nós, ninguém será”*

Brasil, 29 de agosto de 2021 – No Brasil, o mês de agosto traz a voz e a vez das lutas das mulheres lésbicas. Um mês que reverencia o ‘Orgulho Lésbico’, no dia 19 de agosto, em referência à primeira manifestação de mulheres lésbicas, conhecida como o “Stonewall brasileiro”, em São Paulo, no ano de 1983. Ao serem proibidas de distribuir o boletim “ChanacomChana”, primeira publicação ativista lésbica do Brasil, ocuparam o ‘Ferro’s Bar’ reivindicando seus direitos e denunciando a lesbofobia. Agosto também conclama pelo direito à liberdade de expressão e de representatividade com o ‘Dia da Visibilidade Lésbica’, em 29 de agosto. Foi durante do primeiro Seminário Nacional de Lésbicas (Senale) realizado no Rio de Janeiro, em 1996, que se criou a data para denunciar o apagamento e as vivências lésbicas dentro do movimento LGBTI+ e feminista.

Para falar sobre ‘Visibilidade Lésbica’, Raça e Igualdade traz à tona o ‘Caso Luana Barbosa’, que completou cinco anos em 2021. O assassinato de Luana Barbosa dos Reis Santos, de 34 anos, em 2016, em Ribeirão Preto (SP), denota toda a invisibilidade de mulheres lésbicas negras e a ausência de seus direitos sociais e individuais e, com isso, simboliza por que as lésbicas precisam reivindicar uma luta por visibilidade, direitos e segurança integral.

Luana foi vítima de uma brutal violência policial. Após ser abordada por três agentes da Polícia Militar de forma ilegal, recusou-se a ser revistada, exigindo a presença de uma policial feminina. Mesmo acompanhada de seu filho, mãe e vizinhos, Luana foi espancada brutalmente pelos policiais e veio a falecer cinco dias depois das agressões em decorrência de isquemia cerebral e traumatismo crânio-encefálico, causados pelo espancamento. A brutalidade de sua morte revela os meandros das ações policiais no Brasil com pessoas LGBTI+ negras, que, além de possuírem a cor que representa o inimigo público para a polícia, desafiam a cis-heteronotmatividade, agravando a brutalidade policial. Após ser espancada, Luana ainda conseguiu gravar um vídeo em que relatou as agressões, além da ameaça de morte pelos policiais que intimidaram também sua família [1].

No entanto, em fevereiro de 2020, o julgamento de seu caso foi determinado pela justiça para que os réus sejam julgados pelo júri popular. Contudo, a defesa recorreu e o julgamento segue sem data definida. Ainda que o julgamento esteja suspenso, o caso de Luana Barbosa não se tornou uma mera alegoria da violência policial no Brasil. Logo após o ocorrido, a ONU Mulheres e o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos da América do Sul (ACNUDH) apelaram ao Estado brasileiro por uma investigação imparcial e transparente reconhecendo que o caso de Luana é emblemático no que tange a violência racista, de gênero e lesbofóbica no Brasil [2].

Segundo Roseli Barbosa, irmã da vítima, o fato de Luana performar uma lesbianidade masculina, o que no Brasil vem acompanhado dos adjetivos ‘sapatão’ e ‘caminhoneira’ de modo pejorativo (palavras que atualmente foram ressignificadas pelos movimentos lésbicos com orgulho e pertencimento), constantemente fez de Luana alvo de xingamentos e preconceitos. Diversas vezes, Luana pagou um alto preço por parecer um homem negro e pobre [3]. Em outra abordagem policial, Luana precisou mostrar os seios para provar que era mulher. Logo, a presunção de inocência para pessoas negras, pobres e em situação de vulnerabilidade é praticamente nula. Existir como mulher negra-lésbica-mãe-periférica é um grito de resistência no Brasil.

Qual é a cor do Invisível?

Raça e Igualdade segue acompanhando o caso de Luana Barbosa junto às organizações LGBTI+ brasileiras e denunciando perante os mecanismos de direitos humanos internacionais. No dossiê “Qual é a cor do Invisível? A situação de direitos humanos da população LGBTI negra no Brasil” [4], publicado por Raça e Igualdade, há um capítulo especialmente dedicado para denunciar a violência policial contra pessoas LGBTI negras no país. Em grupos focais realizados com organizações da sociedade civil, pode-se constatar que a morte brutal de uma mulher negra e retinta não mobilizou a sociedade e que a invisibilidade lésbica é um fator determinante da falta de comoção pública diante das mortes provocadas pelo Estado.

Conforme aponta o dossiê, as hierarquias sociorracias no Brasil determinam as condições de vida e também de morte. Há uma hierarquia entre a morte que é visível e a que não é, e a cor da pele é a que separa as duas. Fátima Lima, mulher lésbica negra e Professora universitária, defende que a vida e a morte das mulheres lésbicas são marcadas pelo apagamento.

“As violências sofridas por mulheres negras e racializadas no contexto ao Sul ainda são muito pouco visibilizadas, discutidas e enfrentadas. Marcadas pelo silêncio e pela dor, suas histórias são atravessadas por diferentes formas de violência que vão desde práticas discursivas injuriosas ao estupro corretivo, espancamento e assassinatos. No movimento LGBTI+ brasileiro, por exemplo, as mulheres lésbicas sempre denunciaram seu apagamento”, denuncia Fátima. [5]

2021: construindo novos rumos para o caso de Luana Barbosa

Em 2021, o caso de Luana Barbosa continuou repercutindo internacionalmente durante a 47ª Assembleia do Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas (ACNUDH), na qual Michelle Bachelet, Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, apresentou seu relatório sobre racismo sistêmico e o uso excessivo da força pública [6]. A trágica história do assassinato de Luana constou no relatório como um dos sete casos em todo o mundo em que a violência policial esteve atrelada a discriminação racial e preconceitos. Segundo Bachelet, “há uma presunção de culpabilidade generalizadas sobre as pessoas negras”, e acrescenta que, “a excessiva vigilância imposta às pessoas negras, fazem-nas sentir ameaçadas em vez de protegidas”.

Durante essa mesma Assembleia (HRC47 da ONU), Raça e Igualdade denunciou a violência policial e política perante às pessoas LGBTI+ no Brasil frutos do racismo sistêmico. Junto à Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais (ILGA Mundo), somaram-se ao pronunciamento da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). Como não podia deixar de constar, o caso de Luana Barbosa esteve presente no pronunciamento conjunto para além de denunciar, fomentar uma repercussão internacional para que seja feita justiça por Luana Barbosa [7].

Ademais, nacionalmente, há uma movimentação política para o enfrentamento do lesbocídio e das pautas LGBTI+. Durante a última eleição municipal, em 2020, diversas parlamentares negras, lésbicas e trans, foram eleitas de modo expressivo, apesar de antes e durante o processo eleitoral enfrentarem ameaças e discursos de ódio por suas expressões de gênero e orientação sexual. Durante os seus mandatos, essas parlamentares estão unidas para enfrentar e denunciar a violência política em curso no Brasil.

Mônica Francisco, Deputada Estadual do Rio de Janeiro (PSOL), é autora do ‘Projeto de Lei Luana Barbosa’. O PL visa estabelecer o dia 13 de abril (data de seu falecimento) como o ‘Dia Estadual de Enfrentamento ao Lesbocídio’. Além de visibilizar e atuar na promoção dos direitos das mulheres lésbicas, a data se destina a promover campanhas e atividades públicas que visem a conscientização pública de uma cultura de não violência contra as mulheres lésbicas. O PL, que ainda precisa ser votado e aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, representa um grande passo rumo a construção de uma agenda pública que apoie e visibilize a proteção e saúde integral das mulheres lésbicas.

Entre as circunstâncias que tornaram o caso de Luana Barbosa símbolo de luta e resistência das mulheres lésbicas no Brasil, Raça e Igualdade compreende que a falta de assistência do Poder Público para as especificidades de mulheres lésbicas é um dos fatores-chave para o apagamento de suas pautas. A ausência de dados públicos sobre o lesbocídio e sobre a atual situação das lésbicas vivas relega à sociedade civil a produção de pesquisas que nem sempre contam com o apoio financeiro necessário para a realização.

No Rio de Janeiro, em 2020, a Coletiva Resistência Lésbica da Maré lançou um mapeamento sobre mulheres lésbicas e bissexuais moradoras de favelas [8]. O documento visa denunciar a escassez de respostas sobre as vivências lésbicas de favela, sobretudo as experiências de não violência, uma vez que as representações hegemônicas das favelas remetem a violência e ao abandono do poder público. Também a Associação Lesbofeminista Coturno de Vênus, sediada em Brasília, lançou, em 2020, um mapeamento de lésbicas e sapatonas do Distrito Federal. Para este ano, Coturno de Vênus está promovendo um mapeamento de lésbicas a nível nacional, junto à Liga Brasileira de Lésbicas. Será o primeiro mapeamento sócio demográfico nacional de lésbicas e sapatão.

Desse modo, Raça e Igualdade reconhece que ainda há um longo caminho a ser enfrentado pelas mulheres lésbicas na plenitude de seus direitos. É fundamental que se criem políticas públicas que desconstruam um imaginário coletivo além de violência, dor e hipersexualização de mulheres lésbicas. A violência em vida, através de estupros corretivos, abandono familiar, terapias de conversão, perda da guarda de seus filhos/as, levam muitas mulheres lésbicas ao suicídio. Assim, Raça e Igualdade recomenda ao Estado brasileiro que:

1 – Crie uma Comissão Jurídica e Parlamentar para produção de dados sobre a violência contra as mulheres lésbicas – lesbocídio;

2 – Promova políticas públicas que apoiem e fortaleçam organizações que buscam visibilizar as pautas lésbicas;

3 – Implemente uma política de proteção integral às mulheres lésbicas vítimas de violência, tendo em vista as questões interseccionais apontadas no caso de Luana Barbosa;

4- Promova ações e campanhas para combater a lesbofobia a fim de suprimir a desinformação e o preconceito que reproduzem a marginalização das mulheres lésbicas;

5 – Implemente uma política nacional de saúde que atenda as especificidades da população LGBTI, neste caso, especificamente, as demandas da população lésbica.

 

 

*Frase de Jész Ipólito em seu artigo publicado em: https://www.geledes.org.br/do-luto-luta-nao-esqueceremos-luana-barbosa-dos-reis-morta-por-pms-em-ribeirao-preto/

[1] http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2016/05/antes-de-morrer-mulher-espancada-disse-que-foi-ameacada-por-pms-veja.html

[2] http://www.onumulheres.org.br/noticias/nota-publica-do-alto-comissariado-de-direitos-humanos-das-nacoes-unidas-para-america-do-sul-e-da-onu-mulheres-brasil-sobre-o-assassinato-de-luana-reis/

[3] https://ponte.org/a-historia-de-luana-mae-negra-pobre-e-lesbica-ela-morreu-apos-ser-espancada-por-tres-pms/

[4] e [5] http://oldrace.wp/wp-content/uploads/2020/11/FINAL_dossie-lgbti-brasil-ebook.pdf

[6]https://www.ohchr.org/SP/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=27218&LangID=S

[7] http://oldrace.wp/es/onu/raca-e-igualdade-celebra-a-adocao-da-onu/

[8] https://bit.ly/2TDB5ES e http://oldrace.wp/es/brazil-es/coletiva-resistencia-lesbica-realiza-mapeamento/

[9] https://bit.ly/lesbocenso e http://oldrace.wp/es/brazil-es/coturno-de-venus-realiza-lesbocenso/

Raça e Igualdade lança projeto para combater o racismo religioso no Brasil

Brasil, 18 de agosto de 2021 – Em vistas de promover a tolerância religiosa e a redução da violência e discriminação contra praticantes de religiões de matriz africana no Brasil, o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) lança projeto de combate ao racismo religioso junto a organizações da sociedade civil brasileira. Com duração de dois anos, o projeto tem como objetivo capacitar e fortalecer organizações afro-brasileiras para que possam documentar casos de violência baseados na crença religiosa, prepará-las para ações de litígio estratégico internacional e, fomentar uma cultura de respeito à liberdade religiosa, além de qualificar as entidades para que possam dar apoio jurídico às vítimas de racismo religioso.

As organizações que coordenam o projeto junto à Raça e Igualdade são: ONG Criola, RENAFRO (Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde) e FOPAFRO (Fórum Permanente Afro-Religioso do Estado do Pará). Essas três entidades serão responsáveis pela capacitação de terreiros nos estados da Bahia, Mato Grosso, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo. Entre as tônicas que guiam a realização dessa proposta, Raça e Igualdade entende que é de suma importância o treinamento de líderes religiosos sobre as leis nacionais que versam sobre discriminação racial, documentação de violação de direitos humanos e a defesa de direitos. Essas entidades apresentarão suas documentações às principais autoridades locais, estaduais e federais, bem como ao sistema interamericano de direitos humanos e à ONU, e advogar para que o Brasil seja responsabilizado internacionalmente.

Ademais, o fortalecimento de lideranças comunitárias e religiosas apresenta-se como uma oportunidade ímpar pois, em 2022, o Brasil será revisado pelo comitê das Nações Unidas que fiscaliza a Convenção Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD). Logo, a documentação e visibilização dos casos de racismo religioso no país é salutar para que a sociedade civil possa cobrar e responsabilizar os governos brasileiros, pressionando-os a cumprir suas obrigações internas com base em seus compromissos internacionais de direitos humanos.

Outro ponto em destaque neste projeto é a sensibilização da mídia e de advogados que se dedicam ao tema de racismo religioso no Brasil. Visto que a mídia, especialmente jornais e noticiários de TV, desempenham um papel fundamental na perpetuação de estereótipos negativos contra as religiões de matriz africana, a capacitação de jornalistas visa quebrar paradigmas e desmistificar as narrativas vigentes que, por diversas vezes, além de silenciar os praticantes dessas religiões, apoiam-se em dogmas de religiões judaico-cristãs. Por sua vez, faz-se urgente a preparação de um corpo jurídico que atenda as crescentes denúncias dos casos de racismo religioso e suas vítimas e, com isso, esse projeto também busca ampliar e promover programas educacionais que qualifiquem redes de advogados no país.

Entre os resultados esperados, o respeito e a promoção da liberdade religiosa é o ponto em questão para que as atividades do projeto possam contribuir para uma mudança de paradigma a nível nacional e internacional. Para Carlos Quesada, Diretor Executivo de Raça e Igualdade, o legado deste projeto também está em seu efeito multiplicador, pois as atividades de capacitação visam criar uma rede informal de direitos humanos para defender a liberdade religiosa no Brasil e, assim, as organizações desenvolvam autonomia para documentar, denunciar e abordar as violações dos direitos humanos. Além disso, Quesada aponta que, no cenário internacional, há um desconhecimento sobre racismo religioso no Brasil.

“Há uma falácia cultural de que o Brasil é um país no qual todos podem exercer suas crenças religiosas livremente. Porém, o racismo estrutural se manifesta também nas religiões e, o que vemos, atualmente, são desde terreiros incendiados a progenitores que perdem a guarda de seus filhos por expressarem sua fé. Desse modo, a violência manifestada pela intolerância religiosa fere os princípios dos direitos humanos. É preciso visibilizar esses casos internacionalmente e fomentar uma conscientização a nível nacional”, afirma Quesada.

Portanto, Raça e Igualdade reconhece que o racismo religioso é uma problemática que precisa ser combatida no Brasil com criação de políticas públicas e implementação de leis que já foram aprovadas. De acordo com dados do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, em 2019, houve um aumento de 56% nas denúncias/agressões por intolerância religiosa – 356, contra apenas 211 em 2018 [1]. A maioria das vítimas era adepta das religiões do candomblé e umbanda [2]. Além disso, Dados do Disque 100,  uma linha telefônica para denúncias de violência, demonstra que, entre 2015 e 2019, foram feitas 2.712 denúncias de violência religiosa no Brasil. Entre essas comunicações, 57,5% eram de religiões de base africana [3].

Desse modo, junto as organizações afro-brasileiras, Raça e Igualdade reafirma o compromisso em denunciar e combater violações de direitos humanos discriminatórias. A intolerância religiosa fere o direito à igualdade, à liberdade de crença e de expressão, além de fomentar ações de violência e uma cultura de ódio que atinge, principalmente, as populações vulnerabilizadas pelo racismo estrutural e pela LGBTIfobia. Com isso, ao longo deste projeto denunciaremos casos de negligência, racismo e discriminação que afetam a democracia religiosa no Brasil.

[1] https://www.brasildefato.com.br/2020/01/21/denuncias-de-intolerancia-religiosa-aumentaram-56-no-brasil-em-2019

[2] As duas tradições religiosas afro-brasileiras mais conhecidas são o candomblé e a umbanda. O candomblé foi formado por negros africanos escravizados, enquanto a umbanda foi criada no Brasil no início do século passado. Existem algumas diferenças entre as duas tradições. Os cantos do candomblé são executados em línguas de origem africana, como iorubá ou kimbundo. Na umbanda, são cantadas principalmente em português. Outra diferença é a prática do sacrifício de animais. Embora, a princípio, não haja sacrifício de animais na Umbanda, no Candomblé, a prática é realizada, como forma de circular a energia que anima tudo no mundo: o axé. Mais do que religiões, essas tradições ostentam práticas sociais, culturais e espirituais no continente africano.

[3] https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/ouvidoria/balanco-disque-100

 

“Amando e resistindo na diversidade”: Raça e Igualdade celebra o Dia do Orgulho LGBTI+

Washington DC, 28 de junho de 2021 – Para comemorar o Dia do Orgulho LGBTI+, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) elegeu o slogan “Amando e Resistindo na Diversidade”, para homenagear as organizações e ativistas LGBTI+ que lutam todos os dias para combater a discriminação, a violência e seguem caminhando para o reconhecimento de seus direitos, apesar de viverem em um contexto tão adverso como o que prevalece na América Latina e no Caribe em termos de direitos humanos.

Embora os avanços na região em termos de reconhecimento e garantia de direitos para as pessoas LGBTI+ sejam poucos, queremos exaltar a grande capacidade de amar e resistir que as pessoas com orientação, expressão ou identidade sexual diversas tiveram e continuam a ter numa sociedade que os agride, exclui e humilha, e na qual, além disso, os ataques direcionados a seus corpos aumentam e o discurso de ódio se intensifica.

Neste dia não podemos deixar de lembrar as rebeliões de Stonewall, que foram realizadas em repúdio à operação policial ocorrida na madrugada de 28 de junho de 1969, no bar conhecido como Stonewall Inn, localizado no bairro nova-iorquino de Greenwich Village, em o que as pessoas LGBTI+ costumavam se encontrar. Anos depois, essa data seria declarada como Dia do Orgulho LGBTI+, como forma de reivindicar e celebrar a luta pela liberdade e pelo respeito aos direitos dessa comunidade.

Avanços e desafios

No início deste mês de junho, a Promotoria de Salta, Argentina, confirmou que os restos mortais encontrados por um operário e seu filho em uma área desolada ao norte da cidade, correspondiam a Santiago Cancinos, um jovem trans que desapareceu em maio de 2017 e que já havia denunciado nas redes sociais que sofria bullying na escola pelos seus colegas de classe.

Este é um dos eventos mais recentes e chocantes, mas, quando se trata de violência e discriminação, a América Latina e o Caribe acumulam uma longa lista de eventos que vão desde ameaças e ataques verbais à brutalidade policial e assassinatos. Crimes de ódio que na maioria dos casos permanecem em total impunidade, já que a falta de vontade e de mecanismos judiciais não permitem que as autoridades tenham como prioridade fazer justiça aos corpos dissidentes.

Organizações LGBTI+ e de direitos humanos estão acompanhando de perto o desenrolar do caso ‘Vicky Hernández vs. Honduras’, no qual a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) determinará a responsabilidade do Estado pela suposta execução extrajudicial cometida contra Hernández em junho de 2009. O caso que ocorreu em meio ao tenso contexto sociopolítico gerado pelo golpe de Estado daquele ano, com a setença da Corte favorável a Hernández, se tornaria um importante precedente a nível regional para a aplicação da justiça em casos de violência contra pessoas LGBTI+.

No caso específico da pandemia de COVID-19, a situação de vulnerabilidade dessa população se agrava na medida em que a emergência sanitária aprofunda as condições de desigualdade nos campos da saúde, assistência social, educação, trabalho, entre outros, uma vez que os Estados não levaram em conta suas realidades para definir e implementar medidas de contenção do vírus. Logo, em países como a Colômbia, pessoas com identidade ou expressão de gênero diversa foram deixadas no limbo diante de políticas como o chamado “pico y género” [1].

Porém, o compromisso de lutar por uma sociedade mais justa e igualitária para todas as pessoas também teve resultados. No ano passado, pudemos celebrar, por exemplo, a aprovação do casamento igualitário na Costa Rica, logo, somos testemunhas do êxito de campanhas e projetos de lei pelo reconhecimento e garantia dos direitos das pessoas LGBTI+. Na Argentina, para citar um caso, a Câmara dos Deputados aprovou em 11 de junho, o Projeto de Lei de Promoção do Acesso ao Trabalho Formal de Travestis e Transexuais “Diana Sacayán-Lohana Berkins”, com 207 votos afirmativos, 11 negativos e 7 abstenções.

Vamos celebrar!

Raça e Igualdade conversou com ativistas LGBTI+ de diferentes países da região e perguntou-lhes: qual é a importância de celebrar o Orgulho LGBTI+? Estas foram as suas respostas.

Christian King, ativista trans não binário da República Dominicana – Trans Siempre Amigas (TRANSSA): Para mim, comemorar o mês do Orgulho LGBTI+ nada mais é do que me reivindicar como pessoa, mas ao mesmo tempo reivindicar todas aquelas pessoas que lutaram, que perderam suas vidas se tornando visíveis, aquelas pessoas que nos levaram a nos aventurar nesse movimento de luta para que nos reconheçamos como membros da comunidade LGBTI+ e exigir que o Estado reconheça nossos direitos.

Agatha Brooks, ativista trans da República Dominicana – Trans Siempre Amigas (TRANSSA): Celebrar o Mês do Orgulho, é tornar-nos visíveis como aquela bandeira arco-íris que representa cada um de nós, pois somos uma semente que cresce cada vez mais a cada dia. Tornamo-nos mais visíveis para que a igualdade esteja presente nas nossas comunidades, no nosso país e em todo o mundo.

Darlah Farias, lésbica ativista do Coletivo Sapato Preto – Brasil: Celebrar Orgulho LGBTI+ é comemorar a vida dessa população. Não apenas as vidas que estão na luta hoje, mas todas as vidas que tombaram para que pudéssemos estar aqui. Eu, principalmente, como negra e lésbica, carrego comigo toda a minha ancestralidade e entendo que nossa luta se forja na revolução e na reinvenção.

Thiffany Odara, travesti ativista da FONATRANS – Brasil: Celebrar o Orgulho LGBTI+ é celebrar o direito à vida, a minha existência, o direito de ser quem eu sou, é celebrar a memória dos meus antepassados. Celebrar quem eu sou é o maior desafio da sociedade brasileira. O desafio de resistir para garantir políticas de eqüidade social. Viva o orgulho do movimento LGBTI +! Orgulho de ser quem somos!

Gael Jardim,  homem trans ativista da Trascendendo – Brasil: Comemorar o Dia do Orgulho LGBTI+ é fazer uma grande diferença. Lembrar que este dia nasceu de uma revolta para que as pessoas tenham o direito de existir em sociedade, não mais em guetos, armários ou exclusão. Celebrar o Dia do Orgulho é dar visibilidade à nossa causa e à nossa luta, que não é um dia, mas um ano inteiro por cidadania.

Santiago Balvin, ativista transmasculino não binário e membro da Rosa Rabiosa – Peru: O orgulho é importante para mim porque a sociedade nos impôs sentimentos de culpa e vergonha sobre quem somos, mas nos levantamos contra eles mostrando orgulho por ser quem somos e nos mostrando com autenticidade. Também é muito importante saber que mesmo que tenhamos nos escondido, a visibilidade tem sido importante para podermos nos mostrar e mostrar os nossos problemas.

Leyla Huerta, fundadora e diretora da Féminas – Peru: Celebrar o Dia do Orgulho é muito importante para mim. É aquele dia em que nos reconhecemos como valentes, fortes e resilientes, é também uma data de comemoração de todas aquelas pessoas que já não estão conosco e que foram exterminadas devido à sua orientação sexual e/ou identidade de gênero e, por isso, é a palavra que melhor se adapta aos nossos desaparecimentos. Uma sociedade que não nos reconhece, uma sociedade que nos limita no desenvolvimento de nossas vidas, faz isso: nos extermina. O Dia do Orgulho, como a palavra diz, é um dia em que devemos nos orgulhar porque estamos aqui, resistindo, avançando e educando.

Roberto Lechado, comediante nicaraguense: Celebrar o Orgulho Gay é celebrar a vida, mas também me reconhecer como parte de uma comunidade e me lembrar que não estou sozinho, e esse é um sentimento super agradável. É também lembrar a mim mesmo que está tudo bem ser a pessoa que eu quero ser, que meu amor é válido e valioso, minha existência é magnífica e importante. Celebrar o Orgulho é também tornar visíveis essas cores que muitas vezes no dia a dia querem ser ofuscadas e dizer à sociedade “olha, cá estamos, existimos, ou seja, merecemos, valemos!”.

Miguel Rueda Sáenz – Colômbia: Celebrar o orgulho gay significa muitas coisas para mim. Isso tem uma força histórica importante, tem também uma força comunitária de grupo e aspectos sociais fundamentais, e tem uma enorme situação pessoal em me reconhecer como homosexual. Há muito tempo que me permito gritar mais alto nesse dia. Para mim é muito importante no dia 28 de junho poder celebrar quem somos, por que existimos e para que existimos.

Lesley Wolf – Colômbia: a celebração do orgulho LGBTI+ é mais do que uma celebração e se torna uma reivindicação de luta. Digamos que resignificar e dignificar uma luta que não só nos custa ou leva um mês, mas um ano inteiro, é uma atividade constante.

María Matienzo, ativista independente e jornalista – Cuba: Para mim, comemorar o Dia do Orgulho é comemorar de alguma forma a reivindicação de direitos que todos os cidadãos do mundo deveriam ter, embora realmente não seja uma questão de um dia, deve ser uma questão de uma vida inteira.

Para Raça e Igualdade é uma honra conhecer e acompanhar o trabalho que é realizado, individual ou coletivamente, na defesa e promoção dos direitos da população LGBTI+, denunciando a violência que enfrentam nas diferentes áreas da sociedade, tornando visíveis e documentando suas realidades e demandas, e fortalecendo suas capacidades de influir nos Estados e nos mecanismos de direitos humanos, do Sistema Interamericano e das Nações Unidas.

Para nós, comemorar o Dia do Orgulho LGBTI+ significa reforçar e renovar nosso compromisso de trabalhar por uma sociedade mais justa e igualitária para todas as pessoas, sem qualquer tipo de discriminação. Além disso, representa uma oportunidade de fazer recomendações aos Estados, visando a proteção e promoção dos direitos da população LGBTI+:

  • Implementar campanhas educativas sobre orientação sexual e identidade de gênero, dirigidas às pessoas, em todas as áreas da sociedade, conhecendo e respeitando a diversidade da população.
  • Coletar dados separados com uma perspectiva interseccional na população LGBTI+, incluindo informações sobre a violência que enfrentam.
  • Capacitar as autoridades, principalmente trabalhadores da justiça, provedores de saúde e do setor de educação, para que pessoas LGBTI+ possam acessar esses serviços básicos sem sofrer discriminação e sem limitações baseadas em preconceitos sobre orientação sexual e identidade de gênero.
  • Adotar políticas e leis que permitam que pessoas LGBTI+ tenham pleno gozo de seus direitos, como a lei de identidade de gênero.
  • Assinar, ratificar e implementar a Convenção Interamericana contra Todas as Formas de Discriminação e Intolerância.

[1] “Pico y género” foi uma medida de quarentena baseada no sexo temporariamente implementada em Bogotá e Cartegena, onde mulheres e homens eram liberados para tarefas essenciais em dias alternados da semana; mulheres e homens trans podiam sair de acordo com sua identidade de gênero. No entanto, a política resultou em cerca de 20 casos de discriminação direcionada contra pessoas trans.

Audiência sobre violência política no Brasil: parlamentares negras (cis e trans) exortam à CIDH por proteção e denunciam a negligência do Estado brasileiro

Brasil, 06 de abril de 2021 – Em uma audiência exclusivamente dedicada à denúncia da situação dos direitos políticos no Brasil, vereadoras negras (cis e trans) e organizações da sociedade civil apresentaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o panorama atual de violações dos direitos civis e políticos que aflige a segurança de diversas parlamentares do país. A audiência aconteceu no dia 23 de março, no âmbito do 179º calendário de audiências virtuais da CIDH, e foi protocolada pelas organizações: Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA); Criola; Terra de Direitos; Instituto Marielle Franco; Justiça Global; Rede Nacional de Negras e Negros LBGT e o Instituto Raça e Igualdade.

Participaram da audiência as parlamentares: Erika Hilton (PSOL/SP); Ana Lúcia Martins (PT/SC) e Carolina Iara (PSOL/SP); e as representantes das organizações da sociedade civil: Anielle Franco, Diretora Executiva do Instituto Marielle Franco; e Bruna Benevides, Secretária de Articulação Política da ANTRA. Apesar do contexto histórico discriminatório e excludente que estrutura o cenário político brasileiro, o avanço das pautas identitárias, antirracistas e anti-LGBTIfóbicas promoveu o crescimento de representatividade parlamentar nas casas legislativas do país, colapsando o sistema e as hierarquias de poder existentes. No entanto, a reação dos setores conservadores políticos e sociais pautados na cultura do ódio, vem fomentando o fenômeno da violência política e eleitoral no país.

Diante deste quadro de perseguição sistemática, Anielle Franco abriu o debate denunciando como a violência política vem sendo utilizada como ferramenta para privar mulheres negras e trans de exercerem seus direitos políticos, impedindo que os debates a respeito da desigualdade de gênero, raça e sexualidade ocorram em espaços de política institucional. Ademais, Anielle trouxe à luz dados sobre violência política durante as eleições de 2020 – uma das mais violentas dos últimos anos – que comprovam o acirramento das tensões políticas contra parlamentares negras e trans no país.

Segundo pesquisa do Instituto Marielle Franco [1], 98,5% das candidatas negras relataram ter sofrido pelo menos um tipo de violência política. A principal violência foi a virtual, representando 80% do total dos ataques sofridos. Além disso, apenas 32% das candidatas denunciaram os episódios que sofreram, e que entre os motivos da não realização da denúncia está no fato delas não se sentirem seguras ou terem medo de denunciar a violência. Já entre aquelas que efetivaram as denúncias, 70% afirmou que a mesma não lhe trouxe mais segurança, além de não terem contado com apoio do partido político ou da polícia.

“É urgente levar a outras instâncias a necessidade de se promover mecanismos de enfrentamento a todos os tipos de violência contra mulheres negras, transexuais e travestis e reorientar as políticas já existentes no Brasil que hoje, ainda são insuficientes para garantir a sua proteção e seus direitos políticos”, finalizou Anielle.

A parlamentar Ana Lúcia Martins relatou que buscou proteção através dos meios legais, além de denunciar as ameaças nas redes sociais e em diferentes meios de comunicação, porém, não recebeu qualquer auxílio do Estado e nem do partido para a sua segurança. Tendo que arcar com os custos próprios pela sua defesa. Perante ao descaso das instituições competentes, Ana Lúcia denunciou que quase nada aconteceu sobre a apuração das ameaças de morte e crime de racismo sofridos e que continua sendo vítima de violência política pelas redes sociais com mensagens que incitam ódio e intolerância.

“Sabemos que a omissão do Estado tem uma origem, a mesma que ignora a morte diária da população negra desse país, seja por violência urbana, pela falta de políticas públicas para eliminação das desigualdades e do racismo que estrutura essas desigualdades ou pelas mãos do próprio estado (…) A pergunta feita por Anielle Franco ainda não foi respondida: Quem garante a segurança das mulheres negras eleitas? ”, arguiu Ana Lúcia à CIDH. 

A co-vereadora Carolina Iara, que sofreu um atentado em sua casa em janeiro deste ano, foi direta em seu questionamento: “Qual a ligação entre essas ameaças às parlamentares trans ao número de 175 mulheres trans e travestis assassinadas no Brasil em 2020? Qual a conexão entre o Brasil figurar com números altos de mortes de defensores de direitos humanos e as ameaças que estamos sofrendo? Quem é que vai restituir o trauma que tenho agora? Que Estado é esse que, além de se calar, incentiva a LGBTfobia por declarações inúmeras do presidente? ”.

Em alusão à memória de Marielle Franco, Carolina pontuou que não será mártir dessa violência sistêmica que encontra em corpos negros e trans o arcabouço da necropolítica que banaliza a morte no país. Sendo assim, pontuou que o Estado Brasileiro tem a obrigação de garantir que ela e todas as lideranças negras e trans possam ficar vivas para fazer política, e que a responsabilidade pela sua segurança não pode ser exclusivamente da sociedade civil ou do partido.

Em seu discurso, a vereadora Erika Hilton denunciou a perseguição aos defensores de direitos humanos e às mulheres eleitas como uma tentativa de silenciamento. E lembrou que já em posse de seu mandato, sofreu uma tentativa de invasão ao seu gabinete e que a faculdade onde estudou teve os muros vandalizados com ameaças. “Pixaram as expressões: mulher, negra, eleita, morta. Iniciei meu mandato tendo que processar mais de 50 pessoas por ataques racistas e transfóbicos. Como conseguir exercer as funções políticas sem ter a integridade física garantida? ”, questionou.

Com a incumbência de relatar as recomendações à CIDH, Bruna Benevides também expôs a situação da violência política, especialmente a negligência do Ministério da Mulher, Familia e Direitos Humanos que não fez qualquer pronunciamento, ação ou mobilização em torno da violência política contra mulheres negras cis e trans. Como exemplo, Bruna citou o projeto de lei [2] que visa proteger mulheres vítimas de violência política, mas que por movimentações transfóbicas de parlamentares alinhados a falaciosa narrativa da “ideologia de gênero” impediu que a proteção fosse estendida às parlamentares trans e travestis.

“Temos observado ainda diversas tentativas de institucionalização da transfobia, ao atribuir critérios biológicos para acesso e garantia de direitos fundamentais, negando o direito ao reconhecimento da autodeclaração e da identidade de gênero das pessoas trans em diversos projetos na esfera federal, estadual e municipais. Esse descaso é corroborado pela negligência e omissão do Estado em reconhecer essas violências políticas, ou pensar formas de erradicá-las, especialmente contra aquelas que não compõe a base do governo e que são as mais afetadas pela violência política”, denunciou Bruna.

Representantes do Estado brasileiro buscaram escapar das denúncias com declarações insuficientes as demandas solicitadas durante a audiência, reafirmando um posicionamento negacionista em relação à violência racial, transfóbica e política que lesam os direitos políticos e a vida das parlamentares. Através de argumentos evasivos, os representantes buscaram escapar e minimizar o fenômeno da violência política no país, atribuindo o fato a um contexto mundial.

No entanto, diante das denúncias, os Comissários da CIDH solicitaram explicações ao Estado. Margarette May Macaulay, Relatora dos Direitos das Pessoas Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial e Relatora para os Direitos das Mulheres, arguiu os representantes sobre como o Estado brasileiro monitora os casos de violência que acontecem no país, e cobrou a efetivação em lei da Convenção Interamericana contra o Racismo, já aprovada pelo Senado Federal. Ademais, Joel Hernández, Relator para o Brasil, concluiu a audiência ressaltando a importância de se avançar na construção dos direitos políticos da mulher e que existe uma rejeição do Estado brasileiro em ouvir as denúncias sobre violência política. Além disso, Hernández ressaltou que observar as formas que operam o assédio virtual é necessário para entender o exercício dos direitos políticos no Brasil.

Em consonância com as denúncias citadas durante a audiência e visando a garantia dos direitos e proteção das mulheres que fazem parte do corpo político do país, foram entregues às seguintes recomendações à CIDH, resultado da articulação entre as organizações:

  • Incidir no Estado brasileiro para que seja desenvolvido nas câmaras legislativas em interlocução com as prefeituras e órgãos do sistema de justiça, mecanismos para encaminhamento e tratamento célere das denúncias de violência política contra mulheres negras – cis e trans/travestis, assegurando a identificação e responsabilização dos autores da violência e assegurando apoio psicológico para as vítimas, seus assessores e familiares;
  • Instar o Estado brasileiro a promover ações coordenadas e integradas com delegacias especializadas de investigação de crimes cibernéticos no sentido de responsabilizar autores e inibir o uso de ferramentas e plataformas online para ataques de violência política, em particular quando impulsionados por estruturas profissionais, massivas e deliberadamente patrocinadas;
  • Incidir no Estado brasileiro para garantia da capacitação de integrantes do poder judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Advocacia e da polícia civil e federal para aumentar sua conscientização sobre Violência Política contra as mulheres negras, trans e travestis, discriminação racial e de gênero, discursos de ódio, legislação anti-racista, direitos das vítimas, medidas de reparação, entre outros temas;
  • Promover audiências públicas, debates e discussões intersetoriais entre órgãos públicos e a sociedade sobre os impactos da violência política motivada por transfobia e questões relacionadas à população trans;
  • Instar o Estado brasileiro a avançar na aprovação de legislação específica de violência política contra mulheres com ações que compreendam prevenir, coibir e punir esse tipo de violência, com um olhar específico para mulheres negras, travestis e transexuais;
  • Realizar missões oficiais ao país, realizando escutas a movimentos sociais e a sociedade civil local para conhecer mais profundamente o atual contexto de violações de direitos de mulheres negras, transexuais e travestis defensoras de direitos humanos candidatas e eleitas e o agravamento das situações de conflito que as (os) vulnerabilizam, assim como apresentar as perspectivas dos padrões internacionais que possam contribuir para o aprimoramento das políticas nacionais de proteção;
  • Pressionar o Estado Brasileiro para que seja ampliada a estrutura e o orçamento do Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e a inclusão de candidatas e parlamentares nesse programa, a fim de garantir a proteção destas defensoras de direitos humanos e o livre exercício de seus direitos políticos.

 

Perdeu a audiência? Assista o vídeo completo: youtu.be/Uu-U3OIoh2I

[1] https://www.violenciapolitica.org/

[2] https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/12/10/camara-aprova-lei-com-medidas-de-combate-a-violencia-politica-contra-mulheres.ghtml

“Qual é a Cor do Invisível?”: Raça e Igualdade lança dossiê sobre situação da população LGBTI negra no Brasil

Iniciando as comemorações do mês da Consciência Negra, no dia 05 de novembro, o Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) lança o dossiê “Qual é a cor do invisível? A situação dos direitos humanos da população LGBTI negra no Brasil”. O evento será realizado através de uma transmissão ao vivo pela plataforma Zoom (registre-se aqui: bit.ly/32ZZ2f5), de 11h30 às 13h30, com a participação de lideranças do movimento LGBTI brasileiro, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e do Especialista Independente da ONU em Orientação Sexual e Identidade de Gênero (IE-SOGI), Victor Madrigal-Borloz, que assina o prefácio desta edição. Haverá tradução simultânea para o inglês e o espanhol.

O dossiê foi elaborado a partir da denúncia constante de diversas organizações da sociedade civil: “onde estão os dados sobre a população LGBTI negra?”. Em resposta a essa falta de dados, Raça e Igualdade lança este documento para visibilizar o apagamento e os poucos esforços do Estado brasileiro para produzir e coletar os dados dessa população. É importante ressaltar que a ausência na produção de dados públicos sobre a situação da comunidade LGBTI negra no país se agrava no caso de pessoas trans. Com isso, ocorre também uma invisibilização das necessidades dessa parcela da comunidade, que vê as demandas das pessoas brancas serem traduzidas como as únicas de todo o movimento.

Metodologicamente, a pesquisa foi desenvolvida a partir de reuniões com organizações sociais, grupos focais, relatórios e eventos produzidos pela sociedade civil, trabalhos acadêmicos, relatórios governamentais e relatórios dos Sistemas Interamericano e Universal. Os encontros com a sociedade civil foram realizados nas cidades de Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ) e Salvador (BA), assim como, no encontro nacional da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA).

Dividido em sete capítulos, o dossiê procura, através de discussões sobre assassinatos de pessoas LGBTI, violência policial, acesso à justiça, direito à saúde, à educação e ao trabalho, demonstrar como existe um quadro que, atravessado pelo racismo, é marcado por um padrão sistemático de violações de direitos humanos. Como resultado, esse racismo sistêmico desvela as desigualdades e reduz as possibilidades de uma vida digna para as pessoas LGBTI negras no país, fazendo com que o invisível, no Brasil, tenha cor: a cor da população negra.

Desse modo, o dossiê evidencia que num país estruturado pelo racismo como o Brasil, as discussões sobre as pessoas LGBTI são realizadas frequentemente como se elas não tivessem cor, forçando a população LGBTI negra a uma invisibilidade social, jurídica e política. Portanto, esse documento destina-se ao fortalecimento dos direitos LGBTI visando desconstruir práticas sociais alicerçadas numa engrenagem que violenta sistematicamente esses corpos. Ademais, a realização deste trabalho e toda sua documentação, contribui para a visibilização internacional da situação dos direitos humanos no Brasil.

A partir da perspectiva interseccional, o documento traz à luz como o racismo estrutural, atravessado pela LGBTIfobia, sustenta uma dinâmica de violência policial – atingindo mais pessoas negras, travestis transexuais; delegacias e postos de saúde são hostis com pessoas trans; dificulta o acesso à justiça –  o tratamento discriminatório desmotiva o registro de ocorrência de pessoas negras e travestis, sendo possível comprovar em alguns casos que são os homens gays brancos os que mais registram situações de violência; e, no campo do HIV/AIDS, cria um movimento semelhante ao que ocorre quanto aos assassinatos –  são as pessoas negras as que mais adoecem e morrem em decorrência da AIDS.

Nesse sentido, o dossiê consolida o compromisso que Raça e Igualdade vem construindo com as organizações da sociedade civil no combate ao racismo, LGBTIfobia, machismo, entre as denúncias das violações de direitos humanos no país. Assim, concluímos o dossiê com recomendações ao Estado brasileiro, às organizações internacionais de direitos humanos, à sociedade civil e aos órgãos judiciários, das quais destacamos:

1 – Que se impliquem na produção de dados públicos sobre direitos das pessoas LGBTI no Brasil, com enfoque interseccional. Além disso, que deem todo o suporte necessário às organizações da sociedade civil que se empenham na coleta de dados sobre assassinatos de pessoas LGBTI, com a garantia de que não encontrarão empecilhos burocráticos desnecessários para o seu bom funcionamento, e que terão os seus trabalhos respeitados pelos governantes;

2 – Que a Presidência da República empreenda os esforços necessários para a ratificação da Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância e da Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância;

3 – Que o mandato do Especialista Independente em SOGI das Nações Unidas realize uma visita oficial ao Brasil e publique um relatório com recomendações específicas para a proteção dos direitos das pessoas LGBTI negras no Brasil.

Evento de Lançamento

Painel 1 – Violência e Acesso à Justiça para a População LGBTI Negra

Moderador – Carlos Quesada – Diretor Executivo do Raça e Igualdade

Isaac Porto – Oficial do Programa LGBTI do Raça e Igualdade no Brasil e autor do dossiê

Comentários por:

Bruna Benevides – Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA)

Gilmara Cunha – Ativista transexual da Favela da Maré

Washington Dias – Rede Afro LGBT

Lívia Casseres – Coordenadora de Equidade Racial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

Apresentação: Intervenção artística MC Carol Dall Farra – Rapper, poeta e compositora

Painel 2 – Direitos Sociais da População LGBTI Negra

Moderadora – Zuleika Rivera – Oficial do programa LGBTI do Raça e Igualdade

Isaac Porto – Oficial do programa LGBTI do Raça e Igualdade no Brasil e autor do dossiê

Comentários por:

Leonardo Peçanha – Instituto Brasileiro de Transmasculinidades

Janaina Oliveira – Rede Afro LGBT

Alessandra Ramos – Instituto Transformar Shelida Ayana

Victor Madrigal – IE SOGI da ONU

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