Dia da Visibilidade Lésbica no Brasil: Caso Luana Barbosa – “Se não for por nós, ninguém será”*

Brasil, 29 de agosto de 2021 – No Brasil, o mês de agosto traz a voz e a vez das lutas das mulheres lésbicas. Um mês que reverencia o ‘Orgulho Lésbico’, no dia 19 de agosto, em referência à primeira manifestação de mulheres lésbicas, conhecida como o “Stonewall brasileiro”, em São Paulo, no ano de […]

Visibilidade Lésbica - Caso Luana Barbosa

Brasil, 29 de agosto de 2021 – No Brasil, o mês de agosto traz a voz e a vez das lutas das mulheres lésbicas. Um mês que reverencia o ‘Orgulho Lésbico’, no dia 19 de agosto, em referência à primeira manifestação de mulheres lésbicas, conhecida como o “Stonewall brasileiro”, em São Paulo, no ano de 1983. Ao serem proibidas de distribuir o boletim “ChanacomChana”, primeira publicação ativista lésbica do Brasil, ocuparam o ‘Ferro’s Bar’ reivindicando seus direitos e denunciando a lesbofobia. Agosto também conclama pelo direito à liberdade de expressão e de representatividade com o ‘Dia da Visibilidade Lésbica’, em 29 de agosto. Foi durante do primeiro Seminário Nacional de Lésbicas (Senale) realizado no Rio de Janeiro, em 1996, que se criou a data para denunciar o apagamento e as vivências lésbicas dentro do movimento LGBTI+ e feminista.

Para falar sobre ‘Visibilidade Lésbica’, Raça e Igualdade traz à tona o ‘Caso Luana Barbosa’, que completou cinco anos em 2021. O assassinato de Luana Barbosa dos Reis Santos, de 34 anos, em 2016, em Ribeirão Preto (SP), denota toda a invisibilidade de mulheres lésbicas negras e a ausência de seus direitos sociais e individuais e, com isso, simboliza por que as lésbicas precisam reivindicar uma luta por visibilidade, direitos e segurança integral.

Luana foi vítima de uma brutal violência policial. Após ser abordada por três agentes da Polícia Militar de forma ilegal, recusou-se a ser revistada, exigindo a presença de uma policial feminina. Mesmo acompanhada de seu filho, mãe e vizinhos, Luana foi espancada brutalmente pelos policiais e veio a falecer cinco dias depois das agressões em decorrência de isquemia cerebral e traumatismo crânio-encefálico, causados pelo espancamento. A brutalidade de sua morte revela os meandros das ações policiais no Brasil com pessoas LGBTI+ negras, que, além de possuírem a cor que representa o inimigo público para a polícia, desafiam a cis-heteronotmatividade, agravando a brutalidade policial. Após ser espancada, Luana ainda conseguiu gravar um vídeo em que relatou as agressões, além da ameaça de morte pelos policiais que intimidaram também sua família [1].

No entanto, em fevereiro de 2020, o julgamento de seu caso foi determinado pela justiça para que os réus sejam julgados pelo júri popular. Contudo, a defesa recorreu e o julgamento segue sem data definida. Ainda que o julgamento esteja suspenso, o caso de Luana Barbosa não se tornou uma mera alegoria da violência policial no Brasil. Logo após o ocorrido, a ONU Mulheres e o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos da América do Sul (ACNUDH) apelaram ao Estado brasileiro por uma investigação imparcial e transparente reconhecendo que o caso de Luana é emblemático no que tange a violência racista, de gênero e lesbofóbica no Brasil [2].

Segundo Roseli Barbosa, irmã da vítima, o fato de Luana performar uma lesbianidade masculina, o que no Brasil vem acompanhado dos adjetivos ‘sapatão’ e ‘caminhoneira’ de modo pejorativo (palavras que atualmente foram ressignificadas pelos movimentos lésbicos com orgulho e pertencimento), constantemente fez de Luana alvo de xingamentos e preconceitos. Diversas vezes, Luana pagou um alto preço por parecer um homem negro e pobre [3]. Em outra abordagem policial, Luana precisou mostrar os seios para provar que era mulher. Logo, a presunção de inocência para pessoas negras, pobres e em situação de vulnerabilidade é praticamente nula. Existir como mulher negra-lésbica-mãe-periférica é um grito de resistência no Brasil.

Qual é a cor do Invisível?

Raça e Igualdade segue acompanhando o caso de Luana Barbosa junto às organizações LGBTI+ brasileiras e denunciando perante os mecanismos de direitos humanos internacionais. No dossiê “Qual é a cor do Invisível? A situação de direitos humanos da população LGBTI negra no Brasil” [4], publicado por Raça e Igualdade, há um capítulo especialmente dedicado para denunciar a violência policial contra pessoas LGBTI negras no país. Em grupos focais realizados com organizações da sociedade civil, pode-se constatar que a morte brutal de uma mulher negra e retinta não mobilizou a sociedade e que a invisibilidade lésbica é um fator determinante da falta de comoção pública diante das mortes provocadas pelo Estado.

Conforme aponta o dossiê, as hierarquias sociorracias no Brasil determinam as condições de vida e também de morte. Há uma hierarquia entre a morte que é visível e a que não é, e a cor da pele é a que separa as duas. Fátima Lima, mulher lésbica negra e Professora universitária, defende que a vida e a morte das mulheres lésbicas são marcadas pelo apagamento.

“As violências sofridas por mulheres negras e racializadas no contexto ao Sul ainda são muito pouco visibilizadas, discutidas e enfrentadas. Marcadas pelo silêncio e pela dor, suas histórias são atravessadas por diferentes formas de violência que vão desde práticas discursivas injuriosas ao estupro corretivo, espancamento e assassinatos. No movimento LGBTI+ brasileiro, por exemplo, as mulheres lésbicas sempre denunciaram seu apagamento”, denuncia Fátima. [5]

2021: construindo novos rumos para o caso de Luana Barbosa

Em 2021, o caso de Luana Barbosa continuou repercutindo internacionalmente durante a 47ª Assembleia do Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas (ACNUDH), na qual Michelle Bachelet, Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, apresentou seu relatório sobre racismo sistêmico e o uso excessivo da força pública [6]. A trágica história do assassinato de Luana constou no relatório como um dos sete casos em todo o mundo em que a violência policial esteve atrelada a discriminação racial e preconceitos. Segundo Bachelet, “há uma presunção de culpabilidade generalizadas sobre as pessoas negras”, e acrescenta que, “a excessiva vigilância imposta às pessoas negras, fazem-nas sentir ameaçadas em vez de protegidas”.

Durante essa mesma Assembleia (HRC47 da ONU), Raça e Igualdade denunciou a violência policial e política perante às pessoas LGBTI+ no Brasil frutos do racismo sistêmico. Junto à Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais (ILGA Mundo), somaram-se ao pronunciamento da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). Como não podia deixar de constar, o caso de Luana Barbosa esteve presente no pronunciamento conjunto para além de denunciar, fomentar uma repercussão internacional para que seja feita justiça por Luana Barbosa [7].

Ademais, nacionalmente, há uma movimentação política para o enfrentamento do lesbocídio e das pautas LGBTI+. Durante a última eleição municipal, em 2020, diversas parlamentares negras, lésbicas e trans, foram eleitas de modo expressivo, apesar de antes e durante o processo eleitoral enfrentarem ameaças e discursos de ódio por suas expressões de gênero e orientação sexual. Durante os seus mandatos, essas parlamentares estão unidas para enfrentar e denunciar a violência política em curso no Brasil.

Mônica Francisco, Deputada Estadual do Rio de Janeiro (PSOL), é autora do ‘Projeto de Lei Luana Barbosa’. O PL visa estabelecer o dia 13 de abril (data de seu falecimento) como o ‘Dia Estadual de Enfrentamento ao Lesbocídio’. Além de visibilizar e atuar na promoção dos direitos das mulheres lésbicas, a data se destina a promover campanhas e atividades públicas que visem a conscientização pública de uma cultura de não violência contra as mulheres lésbicas. O PL, que ainda precisa ser votado e aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, representa um grande passo rumo a construção de uma agenda pública que apoie e visibilize a proteção e saúde integral das mulheres lésbicas.

Entre as circunstâncias que tornaram o caso de Luana Barbosa símbolo de luta e resistência das mulheres lésbicas no Brasil, Raça e Igualdade compreende que a falta de assistência do Poder Público para as especificidades de mulheres lésbicas é um dos fatores-chave para o apagamento de suas pautas. A ausência de dados públicos sobre o lesbocídio e sobre a atual situação das lésbicas vivas relega à sociedade civil a produção de pesquisas que nem sempre contam com o apoio financeiro necessário para a realização.

No Rio de Janeiro, em 2020, a Coletiva Resistência Lésbica da Maré lançou um mapeamento sobre mulheres lésbicas e bissexuais moradoras de favelas [8]. O documento visa denunciar a escassez de respostas sobre as vivências lésbicas de favela, sobretudo as experiências de não violência, uma vez que as representações hegemônicas das favelas remetem a violência e ao abandono do poder público. Também a Associação Lesbofeminista Coturno de Vênus, sediada em Brasília, lançou, em 2020, um mapeamento de lésbicas e sapatonas do Distrito Federal. Para este ano, Coturno de Vênus está promovendo um mapeamento de lésbicas a nível nacional, junto à Liga Brasileira de Lésbicas. Será o primeiro mapeamento sócio demográfico nacional de lésbicas e sapatão.

Desse modo, Raça e Igualdade reconhece que ainda há um longo caminho a ser enfrentado pelas mulheres lésbicas na plenitude de seus direitos. É fundamental que se criem políticas públicas que desconstruam um imaginário coletivo além de violência, dor e hipersexualização de mulheres lésbicas. A violência em vida, através de estupros corretivos, abandono familiar, terapias de conversão, perda da guarda de seus filhos/as, levam muitas mulheres lésbicas ao suicídio. Assim, Raça e Igualdade recomenda ao Estado brasileiro que:

1 – Crie uma Comissão Jurídica e Parlamentar para produção de dados sobre a violência contra as mulheres lésbicas – lesbocídio;

2 – Promova políticas públicas que apoiem e fortaleçam organizações que buscam visibilizar as pautas lésbicas;

3 – Implemente uma política de proteção integral às mulheres lésbicas vítimas de violência, tendo em vista as questões interseccionais apontadas no caso de Luana Barbosa;

4- Promova ações e campanhas para combater a lesbofobia a fim de suprimir a desinformação e o preconceito que reproduzem a marginalização das mulheres lésbicas;

5 – Implemente uma política nacional de saúde que atenda as especificidades da população LGBTI, neste caso, especificamente, as demandas da população lésbica.

 

 

*Frase de Jész Ipólito em seu artigo publicado em: https://www.geledes.org.br/do-luto-luta-nao-esqueceremos-luana-barbosa-dos-reis-morta-por-pms-em-ribeirao-preto/

[1] http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2016/05/antes-de-morrer-mulher-espancada-disse-que-foi-ameacada-por-pms-veja.html

[2] http://www.onumulheres.org.br/noticias/nota-publica-do-alto-comissariado-de-direitos-humanos-das-nacoes-unidas-para-america-do-sul-e-da-onu-mulheres-brasil-sobre-o-assassinato-de-luana-reis/

[3] https://ponte.org/a-historia-de-luana-mae-negra-pobre-e-lesbica-ela-morreu-apos-ser-espancada-por-tres-pms/

[4] e [5] http://oldrace.wp/wp-content/uploads/2020/11/FINAL_dossie-lgbti-brasil-ebook.pdf

[6]https://www.ohchr.org/SP/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=27218&LangID=S

[7] http://oldrace.wp/es/onu/raca-e-igualdade-celebra-a-adocao-da-onu/

[8] https://bit.ly/2TDB5ES e http://oldrace.wp/es/brazil-es/coletiva-resistencia-lesbica-realiza-mapeamento/

[9] https://bit.ly/lesbocenso e http://oldrace.wp/es/brazil-es/coturno-de-venus-realiza-lesbocenso/

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