Diante da ascensão da extrema-direita na América Latina, lideranças afrodescendentes, indígenas e LGBTI+ participaram de reuniões de advocacy em Washington D.C.

Diante da ascensão da extrema-direita na América Latina, lideranças afrodescendentes, indígenas e LGBTI+ participaram de reuniões de advocacy em Washington D.C.

Washington D.C., 16 de outubro de 2024 – Diante da crescente influência de movimentos de extrema-direita e do preocupante avanço de agendas racistas e xenofóbicas na América Latina e no Caribe, uma delegação de lideranças afrodescendentes, indígenas e LGBTI+, liderada pelo Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), realizou reuniões importantes de advocacy em Washington D.C., com o Congresso Norte-Americano, o Departamento de Estado e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Durante as reuniões, a delegação apresentou soluções e perspectivas críticas para problemas como a discriminação racial e de gênero, a brutalidade policial e a falta sistemática de acesso a serviços essenciais como a saúde e a educação.

A delegação também apresentou recomendações para promover a formulação e a integração de políticas mais inclusivas e equitativas em tratados-chave, como o Plano de Ação Conjunta Brasil-EUA para Eliminar a Discriminação Racial e Étnica e Promover a Igualdade (JAPER), o Plano para a Eliminação da Discriminação Racial nas Américas (CAPREE) e a Declaração da Parceria Norte-Americana para a Equidade e a Justiça Racial. 

Durante as reuniões, Mauricio Ye’kwana, Diretor Executivo da Hutukara Associação Yanomami, abordou a crise de violência enfrentada pelos territórios indígenas no Brasil, destacando as constantes ameaças da mineração ilegal e a falta de reconhecimento governamental de suas terras ancestrais. Ye’kwana apontou a negligência do governo em protegê-los e a impunidade em torno dos assassinatos de líderes indígenas. Alertou também para o preocupante recrutamento de jovens indígenas por grupos armados, o que enfraquece a coesão comunitária. Além disso, fez um apelo urgente à representação indígena em fóruns internacionais como a Conferência das Partes da ONU (COP), sublinhando a necessidade de reconhecer os povos indígenas como guardiões essenciais do ambiente.

Bruna Benevides, Presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), no Brasil, descreveu as violações dos direitos humanos enfrentadas pelas mulheres trans, especialmente as mulheres trans negras. Benevides salientou que o componente racial do transfeminicídio está profundamente enraizado na sociedade brasileira e que as mulheres trans negras são desproporcionalmente afetadas pela violência e pela exclusão. Ela também enfatizou a falta de representação das pessoas trans nos movimentos antirracistas e que a invisibilização de suas questões dentro dos espaços LGBTI+ é uma preocupação fundamental. 

Lucia Xavier, Coordenadora Geral da Criola (Brasil) alertou para uma onda conservadora que tem assolado o Brasil e aumentado significativamente a violência contra as mulheres negras, tanto cis como trans, que enfrentam múltiplas barreiras no acesso a recursos básicos devido a políticas de financiamento discriminatórias. Xavier ressaltou a importância de uma maior representatividade política das mulheres negras, assim como políticas públicas efetivas que protejam seus direitos e promovam seu Bem-Viver.

Maria Martinez, do Movimiento Socio-Cultural de los Trabajadores Haitianos (MOSCTHA), denunciou a constante ameaça de expulsão e a brutalidade policial sofrida pelos migrantes haitianos na República Dominicana. A recente política do governo dominicano de deportar 10.000 haitianos por semana agravou a discriminação e o racismo estrutural já sofridos por estas comunidades, sendo as mulheres haitianas particularmente vulneráveis à violência de gênero. Martínez explicou ainda que a falta de reconhecimento civil e a apatridia excluem estas pessoas do acesso a serviços básicos como a saúde e a educação. 

Erlendy Cuero, vice-presidente da Asociación Nacional de Afrocolombianos Desplazados (AFRODES) na Colômbia, alertou para a situação dos jovens afrodescendentes na Colômbia, particularmente afetados pela violência e pelo conflito armado. A discriminação racial por parte das forças de segurança resultou num aumento alarmante de homicídios e desaparecimentos forçados de jovens afro-colombianos, que são frequentemente estigmatizados e tratados como suspeitos apenas devido à cor da sua pele. 

Sandra Arizabaleta, Diretora da Fundación Afrodescendiente por las diversidades sociales y sexuales  “Somos Identidad” (Colômbia) explicou como a polarização política na Colômbia tem exacerbado a violência e a discriminação contra os afrodescendentes e as pessoas LGBTI+. Para Arizabaleta, é urgente criar políticas públicas que abordem efetivamente a interseccionalidade entre raça, gênero e orientação sexual, algo que está  ausente no discurso político colombiano. Ela também denunciou a violência que ainda persiste por parte de grupos armados contra essas populações vulneráveis.

Cecilia Ramirez, Diretora Executiva do Centro para el Desarrollo de la Mujer Negra Peruana (CEDEMUNEP), no Peru, explicou que o plano de desenvolvimento afro-peruano, concebido para melhorar as condições destas comunidades, estagnou devido à falta de recursos financeiros e de apoio técnico. Ramirez sublinhou ainda que o racismo estrutural continua a ser um obstáculo ao progresso socioeconômico dos afrodescendentes no Peru, que continuam a ter os piores indicadores. Propôs a implementação de cotas étnico-raciais para assegurar a representação política dos afrodescendentes e dos povos indígenas e sublinhou a necessidade de processos de autoidentificação mais inclusivos que tenham em conta tanto o gênero como a etnia.

Patricia Torres Sandoval, representante do Enlace Continental de Mujeres Indígenas de las Américas (ECMIA), centrou a sua intervenção na violência contra as mulheres e jovens mulheres indígenas, salientando que esta situação é agravada pela violência estrutural decorrente do racismo, da pobreza e do colonialismo. Sublinhou também o impacto devastador das atividades extrativistas na região, que não só causam destruição ambiental, como também aprofundam a pobreza e a exclusão social das comunidades indígenas, intensificando a violência contra as mulheres. Torres sublinhou que a falta de vontade política e a aplicação ineficaz dos acordos internacionais contribuem para a marginalização e exclusão destas comunidades, o que exige uma atenção urgente e sustentada.

Por último, estas lideranças apresentaram uma série de recomendações fundamentais às autoridades, centradas no reforço da representação, na promoção de políticas inclusivas e na garantia da responsabilização:

  • Financiar programas que promovam a liderança afro-latina, indígena e LGBTI+. 
  • Fomentar alianças entre organizações de direitos humanos de base nos EUA e na América Latina para reforçar suas capacidades e visibilidade. 
  • Incentivar os governos latino-americanos a adotar legislação que proteja as populações marginalizadas e promova políticas antirracistas e anti-homofóbicas. 
  • Assegurar que acordos como o JAPER e o CAPREE abordem ativamente a violência sofrida por estas comunidades.
  • Reforçar o controle do financiamento internacional para garantir que os recursos cheguem aos grupos em situação de vulnerabilidade. 
  • Facilitar o diálogo entre os governos e a sociedade civil para melhorar a transparência no controle dos direitos humanos e garantir a responsabilização dos responsáveis por abusos.

Raça e Igualdade apoia firmemente estas recomendações e reafirma o seu compromisso de continuar a acompanhar estes líderes na promoção das suas vozes nos espaços governamentais e em outros espaços de defesa.  Seguiremos no trabalho da documentação das violações dos direitos humanos e na elaboração de propostas que promovam sociedades mais inclusivas, equitativas e respeitosas.

Visita da Relatora da ONU sobre Racismo ao Brasil: Racismo Sistêmico e a Violência contra Mulheres de Grupos Raciais e Étnicos são destaques de seu Relatório

Brasil, 23 de agosto de 2024 – “Racismo sistêmico demanda respostas sistêmicas”. Assim enfatizou Ashiwini K.P., Relatora Especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, durante a coletiva de imprensa com as conclusões preliminares sobre sua visita ao Brasil. Entre os dias 05 e 16 de agosto, a Relatora passou por Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro, onde se encontrou com autoridades do poder executivo federal e de governos estaduais, além de diversas organizações do movimento negro, indígena, quilombola e povos romani.

Em preparação à visita, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) junto ao Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), organizou uma capacitação virtual com entidades da sociedade civil para apoiá-las na preparação do documento com recomendações a serem entregues à Relatora. Além disso, a capacitação apresentou o escopo e objetivos da visita com o propósito de orientá-las no diálogo e nas ações de incidência perante este procedimento especial da ONU.

“A visita da Relatora sobre o racismo acontece em um momento importante para o país, afinal, estamos em mais um ano de eleições e de pleitear por políticas públicas interseccionais. Em nossa perspectiva, destacamos a importância de brindar as organizações brasileiras sobre a relação da ONU com o governo, pois a partir do relatório que será apresentado o Estado deve se comprometer a implementar reparações concernentes ao racismo”; destaca Rodnei Jericó da Silva, Diretor de Raça e Igualdade no Brasil.

Conclusões Preliminares: Destaques Importantes

Raça e Igualdade apresenta alguns pontos-chave das conclusões preliminares destacados pela Relatora sobre sua experiência no país, e que serão apresentados no relatório final ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho de 2025. Esse relatório será entregue ao governo brasileiro que, como país signatário da ONU, aceitou a visita oficial como uma forma de avaliação de suas políticas públicas.

Nesse sentido, Ashiwini K.P. ressaltou que identificou pontos positivos em algumas ações do governo, tais como o reconhecimento do racismo como fenômeno sistêmico; a criação do Ministério da Igualdade Racial, do Ministério dos Povos Indígenas, e da Secretaria dos Povos Romani, dentro do Ministério da Igualdade Racial; as propostas sólidas sobre políticas afirmativas; e a existência de uma unidade de saúde na Bahia para tratamento de anemia facilforme. No entanto, a Relatora enfatizou que o progresso no governo caminha a passos lentos, pois, ao reconhecer que o passado colonialista gera uma exclusão de grupos marcados pela violência estrutural, o Brasil deve adotar uma abordagem sistêmica para garantir uma justiça reparatória.

A ausência de dados desagregados foi uma questão apontada como urgente pela Relatora. Com destaque para a ausência de dados sobre os povos romani, pessoas LGBTI+, migrantes, refugiados e pessoas com deficiência, que enfrentam discriminações múltiplas. Aponta também sobre o crescimento de células neonazistas, especialmente em Santa Catarina, onde ela citou que há um apagamento de dados sobre este último tema. Dessa maneira, sublinhou que o Brasil deve garantir que as pesquisas e políticas públicas devem ser apoiadas e consultadas pelos grupos em situação de vulnerabilidade.

Assim, entre as suas propostas está o desenvolvimento de uma Instituição Nacional independente de Direitos Humanos em conformidade com os princípios referentes ao status das instituições nacionais de promoção e proteção dos direitos humanos (os Princípios de Paris), visando o monitoramento e a implementação de medidas antirracistas.

A  Relatora enfatizou que as comunidades indígenas e quilombolas estão à mercê de inúmeros retrocessos capitaneados pelo legislativo e pelo Congresso Nacional. Em suas críticas, ressaltou a morosidade estatal frente ao processo de demarcação territorial destas comunidades; a gravidade da tese do marco temporal; o racismo ambiental como um motor de exclusão e de vulnerabilização; e o descaso em relação à saúde destas populações frente o avanço do garimpo ilegal (agrotóxicos e doenças urbanas). Ainda, expressou sua preocupação com a violência sofrida pelos povos indígenas e quilombolas, destacando o recente caso Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e outros conflitos na Bahia. Assim, a Relatora exortou o governo a tomar uma postura urgente diante da intimidação com os povos indígenas e quilombolas, alertando a gravidade da consequente violência ambiental, e que devem ser tomadas ações mais contundentes, além de ressaltar o compromisso internacional do Brasil perante a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“É necessário um plano nacional coordenado para as questões indígenas e quilombolas, pois a proteção de suas terras é essencial para enfrentarmos a crise climática”, ressaltou Ashiwini K.P.

O entendimento do racismo religioso como uma prática persecutória e reprodutora de violência contra os praticantes de religiões de matriz africana foi um dos destaques de suas conclusões. Nesse sentido, a Relatora citou casos que lhes chegaram através da sociedade civil, como transportes privativos que se recusam a levar pessoas com suas vestimentas religiosas, a perda de guarda de filhos por mulheres de axé, aos ataques físicos organizados aos terreiros. Em seu entendimento, destacou que o Estado permite tais práticas misóginas e racistas e sugeriu que o governo crie um programa de proteção para tratar deste tema.

“Mesmo que haja o Disque 100, a falta de investimento do Estado manda uma mensagem de impunidade e de que o governo não irá tomar nenhuma medida sobre o racismo religioso”, avaliou.

Sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, a Relatora apresentou sua consternação diante da gravidade das ameaças e da brutalidade policial que estes grupos estão expostos. Mesmo reconhecendo a importância da criação do Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta, para elaborar propostas para a Política e o Plano Nacional de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, ela destacou a falta de recursos para direitos humanos e a efetividade dos que já existem. Desse modo, ela exortou o Brasil a implementar as ações sobre o tema feitas pela Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Mary Lawlor, após sua visita ao Brasil, em abril deste ano.

Frente à situação das mulheres negras e as interseccionalidades de gênero, como as mulheres LBT, foi destacado o precário acesso ao sistema de saúde e a violência obstétrica, a questão das trabalhadoras domésticas, a violência sexual e o feminicídio que vitimiza desproporcionalmente estas mulheres; com isso, ponderou a necessidade de uma orientação psicológica como política pública governamental. A Relatora demonstrou muita preocupação com os dados apresentados que comprovam que mulheres negras estão mais expostas ao feminicídio, destacando a violência que ocorre com mulheres negras lésbicas e transexuais. Ademais, a criminalização do aborto foi observada na sua avaliação, além das barreiras enfrentadas por mulheres que buscam até mesmo o aborto legal, em conformidade com o Código Penal. Nesse sentido, ela enfatizou a preocupação com a Proposta de Emenda Constitucional 1904/2024, que aumenta para até 20 anos de prisão as penas para as mulheres que realizarem aborto. Nesse ponto, foi destacada a importância do Governo implementar as recomendações do Comitê CEDAW, que avaliou o Brasil esse ano, para descriminalizar o aborto e garantir o acesso seguro para todas, respeitando os direitos e a autonomia corporal das mulheres. No que tange a economia do cuidado, observou também a exploração econômica sofrida pelas trabalhadoras domésticas.

Sobre a violência policial, a Relatora abordou que são especialmente mães afrodescendentes que perdem os seus filhos em razão da brutalidade policial, e que além de vítimas, estas também são criminalizadas.  Por isso, seu relatório terá um ponto importante em que se devem tomar medidas mais efetivas frente ao sistema carcerário e, mesmo reconhecendo que o uso de câmeras policiais seja um passo importante para uma política de segurança antirracista, sinalizou que há relatos de que essas câmeras não são utilizadas e que medidas de perfilamento racial estão sendo utilizadas pelo governo sem base científica. Desta forma, instou o governo a criar leis para o uso da inteligência artificial para que não seja utilizada de forma racista.

A Relatora também destacou a segregação espacial especialmente nos grandes centros, ocupadas majoritariamente por pessoas afrodescendentes, e que possuem acesso precários à infraestrutura. Ademais, evidenciou a falta de apoio às pessoas sem moradia.

O avanço da extrema direita e o crescimento de células neonazistas foi um dos pontos de extrema preocupação da Relatora, que salientou que há uma negação do estado de Santa Catarina sobre esses grupos e que devem ser implementadas políticas de cotas e ações afirmativas que empoderem a legislação local para combater o negacionismo. A partir desse viés, ressaltou também sua inquietação sobre a falta de esforços do legislativo brasileiro diante de projetos de lei que visam retroceder alguns dos direitos já conquistados.

Por fim, expressou preocupação com o crescimento da violência política de gênero e do discurso de ódio, e instou o governo a tomar passos cuidadosos nesta seara. Ressaltou que a baixa representatividades dos grupos em situação de vulnerabilidade em espaços de tomada de decisão é um reflexo do racismo sistêmico integeracional. Ademais, essa falta de representatividade também pode ser constatada dentro do judiciário.

Raça e Igualdade agradece o apoio e interesse de Ashiwini K.P., no comprometimento de sua relatoria para fomentar ações antirracistas e de justiça racial ao Estado brasileiro. Destacamos como um importante valor o reconhecimento do racismo religioso como prática racista e discriminatória perante a um mecanismo internacional de direitos humanos. Seguimos na luta pela defesa e garantia dos direitos humanos para o enfrentamento das desigualdades estruturadas pelo sistema racista. É urgente que o Estado brasileiro se comprometa com as demandas da sua população por justiça e equidade. Um governo cuja proposta é “União e Reconstrução” deve ter a reparação histórica como prioridade.

Sendo assim, compartilhamos algumas das recomendações entregues à Relatora sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata pelas organizações brasileiras:

  • Aprimoramento de políticas públicas de acesso à assistência jurídica e serviços de apoio as vítimas de violência doméstica e familiar, a partir do levantamento dos casos registrados nos últimos anos, com o objetivo de amparar e proteger as mulheres vítimas de violência e racismo (em especial o racismo religioso), entre outras ações a serem indicadas, a partir da colaboração de grupos feministas, lideranças religiosas, gestores públicos e especialistas no tema.
  • Exigir a implementação da Política Nacional de Saúde para a População LGBTI+ por meio da criação de equipamentos de saúde especializados para atender às demandas de alta complexidade demandas de alta complexidade na saúde das mulheres lésbicas;
  • Recomendar ao Estado brasileiro que resolva efetivamente todas as barreiras à justiça enfrentadas pelas vítimas de crimes racistas, acelerando os processos judiciais, revisando os padrões de provas para fortalecer a responsabilização por atos discriminatórios e monitorar as disparidades raciais no acesso à justiça, especialmente para mulheres afrodescendentes e pessoas LGBTI+.
  • Pleitear que o Estado brasileiro busque implementar devidamente medidas de reparação para as vítimas e familiares afetados pela violência do Estado, o que deve incluir suporte psicológico, assistência médica e compensação financeira, além outras que forem necessárias na análise do caso em concreto.
  • Assegurar que o Estado brasileiro também cumpra as recomendações elaboradas pelos Comitês CERD e CEDAW, órgãos de tratados que recentemente revisaram o país, e pontuaram preocupações semelhantes.
  • Recomendar a participação política dos povos indígenas e das comunidades quilombolas no desenvolvimento de políticas públicas que afetam seus territórios e nas políticas de defesa ambiental. Outrossim, instar o Estado brasileiro pela garantia da demarcação e titulação das terras quilombolas e indígenas, além de rechaçar a tese do Marco Temporal.

Dia Internacional dos Povos Indígenas: Ressoando a voz de organizações e ativistas indígenas em espaços de promoção e defesa de seus direitos

Washington DC, 9 de agosto de 2024 – No último ano, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), fortaleceu seu trabalho de acompanhamento e capacitação de organizações e ativistas pelos direitos dos povos indígenas nas Américas, a fim de potencializar suas participações e incidência política em espaços de promoção e defesa de seus direitos.

Ao comemorarmos o Dia Internacional dos Povos Indígenas, em 9 de agosto, relatamos estas ações para destacar, mais uma vez, as abordagens e recomendações que as organizações e ativistas indígenas têm feito em torno de várias questões cruciais. Tais como:  desigualdade socioeconômica, discriminação interseccional, participação política e violações de direitos humanos que afetam seus territórios e comunidades.

“A participação de nossos parceiros nesses fóruns internacionais e em várias plataformas nacionais é essencial, não apenas porque permite que assumam papéis de liderança nas esferas política e social, mas também porque fortalece suas vozes e lhes dá visibilidade em nível global, facilitando a incidência política em agendas de desenvolvimento”, diz Lucía Chibán, Oficial do Programa Jurídico para a América Latina de Raça e Igualdade. 

A participação e a incidência política foram realizadas no âmbito do Sistema Universal (Nações Unidas) e do Sistema Interamericano (Organização dos Estados Americanos e Comissão Interamericana de Direitos Humanos). Ao mesmo tempo, o Programa Justiça e Igualdade Racial de Raça e Igualdade, tem realizado processos de formação sobre os mecanismos existentes em ambos os espaços para a promoção e defesa dos direitos das populações indígenas. 

Denunciando a situação na Nicarágua em diversos espaços

Em janeiro deste ano, Raça e Igualdade e outras organizações realizaram uma oficina de capacitação para a preparação de relatórios para a Revisão Periódica Universal (RPU), frente ao Quarto Ciclo da Revisão da Nicarágua nas Nações Unidas. O resultado foi a apresentação de relatórios por três organizações indígenas e comunitárias para a RPU.

No âmbito da 23ª sessão do Fórum Permanente sobre Questões Indígenas, realizada em abril deste ano, Raça e Igualdade organizou atividades para denunciar a situação dos povos indígenas na Nicarágua e acompanhou Tininiska Rivera, filha do líder indígena Miskitu Brooklyn Rivera, ex-deputado do partido Yatama e atual preso político do regime de Daniel Ortega. 

Em seu discurso no Fórum, Rivera denunciou que sua família está sendo ameaçada por buscar informações sobre seu pai, que está em situação de desaparecimento forçado desde setembro de 2023.

Entre os dias 6 e 11 de novembro de 2023, Raça e Igualdade organizou uma turnê de advocacy em Washington D.C., na qual participou a defensora de direitos humanos Amaru Ruiz, que forneceu informações relevantes à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com ênfase nas violações diferenciadas contra povos indígenas e comunidades afrodescendentes no norte do Caribe da Nicarágua. 

Em uma audiência temática no âmbito do 188º período de sessões da CIDH – em dezembro de 2023 – Raça e Igualdade, juntamente com organizações da Nicarágua e de outros países da região, apresentou informações relevantes sobre a mineração ilegal e seus impactos negativos sobre os direitos humanos e o meio ambiente, com especial ênfase nos povos indígenas e comunidades afrodescendentes.

Durante o 190º período de sessões da CIDH, em julho de 2024, Raça e Igualdade e outras organizações participaram de uma audiência temática sobre a situação dos povos indígenas na costa norte do Caribe da Nicarágua, denunciando violações de direitos humanos que ocorrem com a consentimento do Estado, por meio de padrões sistemáticos de violência e discriminação contra comunidades para desapropriá-las de seus territórios. 

Mulheres indígenas no Brasil defendem a CEDAW 

Com o apoio de Raça e Igualdade, a Associação de Mulheres Indígenas em Mutirão (AMIM) preparou e apresentou um relatório temático alternativo ao Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW), previamente à revisão do Brasil, que ocorreu em 23 de maio de 2024. O relatório aborda uma série de questões que afetam mulheres e meninas indígenas das comunidades Karipuna, Galibi Marworno, Galibi Kali’na e Palikur, na fronteira com a Guiana Francesa. As principais preocupações incluem violência de gênero, problemas de saúde e o impacto de projetos de desenvolvimento e de mudanças climáticas. 

Claudia Renata Lod Moraes, da AMIM, participou da sessão e de outras iniciativas de advocacy além da revisão; como uma reunião com a Oficial do Alto Comissariado para o Brasil, Liliana Trillo Diaz, e de discussões com vários mandatos de Procedimentos Especiais. Além disso, participou como palestrante em um evento presencial em Genebra, no dia 23 de maio, com o tema “Mulheres Plurais em Diálogos Interseccionais”. Neste evento, mulheres LBT (Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros), juntamente com mulheres indígenas, negras e quilombolas, compartilharam estratégias de advocacy destinadas a garantir que suas recomendações à CEDAW gerem transformações políticas e sociais por meio de uma abordagem interseccional.

Em suas observações finais sobre o oitavo e o nono relatórios periódicos do Brasil, o Comitê expressou preocupação com as formas interseccionais de discriminação e as desvantagens econômicas e sociais enfrentadas pelas mulheres indígenas e quilombolas, assim como pelas mulheres afrodescendentes no país.

Denúncia da mineração ilegal e ameaças aos territórios antes do EMRIP

No mês passado, durante o Mecanismo de Especialistas em Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP), tivemos a honra de acompanhar oficialmente o Instituto Iepé e colaborar com organizações indígenas por meio da Rede de Cooperação Amazônica do Brasil (Rede RCA), da qual o Iepé faz parte. Nesse contexto, acompanhamos duas lideranças da Aliança em Defesa dos Territórios, que representa os povos indígenas Kayapó (Instituto Kabu – Doto Tatak Ire); Munduruku (sem presença física) e Yanomami (Hutukara Associação Yanomami – Julio Ye’kwana). Durante sua participação, os líderes denunciaram veementemente a mineração ilegal de ouro em seus territórios, a contaminação por mercúrio e as violações sistêmicas que afetam suas terras, vidas e direitos. Nesse contexto, fizeram duas declarações orais, participaram de um evento paralelo e realizaram reuniões bilaterais com Procedimentos Especiais da ONU e representantes do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos. 

Representação de mulheres líderes indígenas na CSW68 e na Assembleia Geral da OEA

Em março de 2024, Raça e Igualdade participou e apoiou a participação do Link Continental de Mulheres Indígenas das Américas (ECMIA), na 68ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW68), que incluiu uma extensa programação de atividades oficiais e eventos paralelos. Suas discussões se concentraram na economia e no impacto da pobreza na vida das mulheres indígenas, abordadas a partir de uma perspectiva intergeracional, intercultural, de igualdade de gênero e de direitos individuais e coletivos. 

Patricia Torres Sandoval, da ECMIA, também participou do 54º Período Ordinário de Sessões da Assembleia Geral, realizado de 26 a 28 de junho no Paraguai, onde foi responsável pela leitura e apresentação da Declaração Indígena à 54ª Assembleia Geral da OEA.

Em seu discurso, ela defendeu que os direitos dos povos indígenas sejam respeitados, que as concessões de mineração sejam proibidas em suas terras, especialmente para o lítio, que sejam estabelecidos mecanismos para erradicar a criminalização dos defensores da terra e os deslocamentos forçados devido às mudanças climáticas e à insegurança, e que a resolução de casos de estupro contra mulheres indígenas seja acelerada.

Empoderamento de jovens lideranças indígenas

Na Colômbia, destacamos o importante papel que a liderança juvenil desempenha no avanço da promoção e na garantia dos direitos dos povos indígenas. Nesse sentido, Raça e Igualdade e a Organização Nacional dos Povos Indígenas (ONIC) estão desenvolvendo o projeto “Empoderando as vozes da juventude indígena e afrodescendente: construindo comunidades mais fortes para a equidade e inclusão no Brasil e na Colômbia”.

No âmbito das atividades que temos desenvolvido em conjunto, um dos principais objetivos é visibilizar o Plano de Ação para a Igualdade Étnica e Racial (CAPREE). Da mesma forma, a importância da incidência política por meio do uso de normas internacionais para os povos indígenas no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e no Sistema Universal de Proteção dos Direitos Humanos. 

Por fim, em Raça e Igualdade, estamos firmemente comprometidos em apoiar a participação de nossos parceiros indígenas em espaços internacionais, pois assim contribuímos para denunciar a marginalização estrutural e as múltiplas formas de discriminação enfrentadas pelas comunidades indígenas. Por meio de documentos de políticas de alto impacto, nossos parceiros apresentaram propostas desenvolvidas que refletem sua dedicação, resiliência e espírito colaborativo na defesa de seus direitos.

Conheça os temas prioritários da Relatora da ONU sobre Racismo, Ashiwini K.P., em sua visita ao Brasil

Brasil, 07 de agosto de 2024 – Entre os dias 5 e 16 de agosto, a Relatora Especial da ONU sobre formas contemporâneas de Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, Sra. Ashiwini K.P., realiza uma visita oficial ao Brasil. Em sua agenda, estão previstas reuniões fechadas com autoridades do poder executivo federal e de governos estaduais. Ademais, a Relatora se reunirá com a sociedade civil em diversas regiões do país, que contemplam as cidades de Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro.

O objetivo destes encontros é, através de uma escuta atenta sobre as problemáticas raciais, captar informações e recomendações concretas para subsidiar o relatório público que será emitido pela Relatora com o resumo de sua visita, e apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho de 2025.

Salientamos que esta visita acontece em um momento oportuno, tendo em vista as crescentes ocorrências e denúncias de violações de direitos humanos no país, sobretudo em face das populações mais vulnerabilizadas, nas quais o espectro racial e discriminatório lhes vitimizam e revitimizam na ausência de seus direitos básicos.

Raça e Igualdade destaca os temas propostos pela sociedade civil que contemplam a agenda da Relatora: (i) Racismo e Gênero; (ii) Racismo e população LGBTQIA+; (iii) Acesso à justiça e privação de liberdade; (iv) Racismo e comunidades romanis; (v) Racismo ambiental e comunidades tradicionais; (vi) Racismo e população negra; (vii) Racismo, justiça e política de drogas; (viii) Racismo e comunidades quilombolas; (ix) Racismo e Povos Indígenas; (x) Racismo religioso; (xi) Memória.

Os temas acima propostos possuem interface direta com o racismo, e os dados de instituições públicas brasileiras, como o IBGE e IPEA, confirmam este diagnóstico. Ressaltamos que os dados produzidos por organizações da sociedade civil, também trazem à luz as múltiplas discriminações que reproduzem a violência do racismo nas populações de terreiro e LGBTI+. Portanto, o racismo em face das religiões de matriz africana é um tema que consideramos relevante a ser considerado em seu relatório sobre o país.

Além disso, ressaltamos a pertinência da inclusão dos povos quilombolas e indígenas, haja visto que a atenção sobre a questão territorial destas comunidades se faz urgente, pois o debate sobre o marco temporal e a não titulação de terras quilombolas por todo o território nacional, vem ocasionando um número crescente de mortes por interesses do agronegócio.

Desta forma, Raça e Igualdade tem por perspectiva de que a visita de Ashiwini K.P.,  reverbere em uma postura proativa e reparatória do Estado brasileiro em lidar e pensar em formas mais efetivas de combate ao racismo em suas diversas vertentes.

“PROTEJA SEUS DIREITOS”: a campanha que busca proporcionar ferramentas pedagógicas que ajudem a reduzir a violência contra os defensores do meio ambiente na região

Brasil, 18 de junho de 2024 –  O Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) se uniu à American Bar Association – ABA ROLI e diversos grupos de organizações da sociedade civil [1] que trabalham pelos direitos dos Defensores Ambientais (DE) na América Latina, para lançarem a campanha “PROTEJA SEUS DIREITOS”. Esta iniciativa faz parte do Programa de Apoio aos Defensores do Meio Ambiente na América Latina e tem como objetivo contribuir para a redução da violência contra os DE na região amazônica da Colômbia, Equador, Bolívia, Brasil, Venezuela e Peru; fornecendo ferramentas pedagógicas que promovam o fortalecimento das capacidades das organizações da sociedade civil e DE, para acessar os sistemas de justiça a fim de promover e proteger os direitos humanos através do trabalho de incidência e litígio estratégico a nível regional e internacional.

A América Latina é conhecida por sua diversidade biológica em nível mundial, mas também é uma das regiões mais perigosas para os defensores do meio ambiente. Segundo o relatório da Global Witness [2], em 2022, 88% dos assassinatos a nível mundial ocorreram na América Latina, com a Colômbia liderando o ranking mundial com 60 assassinatos. No Brasil, 34 defensores do meio ambiente perderam a vida, em comparação com os 26 de 2021. (incluir 6 países).

No âmbito de seu programa regional, ABA ROLI promove o fortalecimento das capacidades regionais para realizar intervenções coordenadas que respondam, protejam e previnam violações dos direitos humanos dos Defensores Ambientais na região amazônica. Através do programa de Apoio aos Defensores Ambientais na América Latina, ABA ROLI está implementando atividades para fortalecer as capacidades dos DE em responsabilizar o setor privado e os governos pelo cumprimento das leis ambientais, assim como na proteção e prevenção de violações dos direitos humanos contra os DE. Além disso, busca-se promover a implementação dos compromissos estabelecidos em acordos regionais e internacionais.

Graças à experiência coletiva e ao trabalho existente da ABA ROLI na região, os defensores e suas redes de organizações da sociedade civil foram incluídos no fortalecimento de suas capacidades em litígio estratégico, incidência e estratégias de autoproteção. A população-alvo do programa tem um foco interseccional que inclui principalmente mulheres defensoras, pessoas agricultoras, afrodescendentes, indígenas e/ou pessoas em situação de deficiência, assim como jovens (a partir de 16 anos) e pessoas LGBTQI+ e OSC que trabalham com defensores do meio ambiente.

 

 [1] Amazonia mía, Asociacion Civil Kape-Kape, Arayara, Carita, CONAINE,  Comunidad de Juristas Akubadaura, Derechos Humanos y Medio Ambiente (Dhuma), Encontro das Juventudes por Escazú 2024, ERI – EarthRights International, Guardián Amazónico,  La Paz querida, Observatorio DDHH y Justicia de Ecuador, Universal Rights Grou, Instituto Raça e Igualdade – Brasil, Terra de Direitos.

[2]  incluir detalhes do relatório. https://www.globalwitness.org/es/standing-firm-es/

 

 

No Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, fazemos um apelo urgente para combater a discriminação e o racismo religioso nas Américas

Washington D.C, 21 de março de 2024.– Ao comemorar neste 21 de março o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) apela urgentemente aos Estados para que adotem medidas para combater as crescentes manifestações de discriminação e racismo religioso nas Américas, que afetam significativamente grupos populacionais racializados, como afrodescendentes e indígenas.

Na América Latina e no Caribe, esses grupos enfrentam desafios persistentes para expressar suas tradições sagradas, ancestrais e culturais sem enfrentar restrições, estigma, repúdio ou violência.  Essas práticas incluem a perseguição de seus membros, bem como a violência contra locais de culto e símbolos religiosos associados a essas tradições. A discriminação religiosa e o racismo também podem se manifestar por meio de estereótipos e preconceitos que difamam as crenças e práticas dessas pessoas, perpetuando sua exclusão e marginalização.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) afirma que, no caso da população afrodescendente, sua identidade cultural implica a preservação dos saberes ancestrais e a conservação de seu legado histórico, de modo que tradições e crenças como as religiões Lumbalú, Candomblé, Abakuá, Umbanda, Hoodoo, entre outras, que têm suas raízes na África, fazem parte do patrimônio imaterial da diáspora africana e fazem parte do processo social de resistência desenvolvido por pessoas escravizadas nas Américas.

No caso dos povos indígenas, em termos do direito à liberdade de religião e crença, as Nações Unidas faz uma referência a um espectro mais diverso e complexo de culturas e crenças, uma vez que, de acordo com o direito à autodeterminação, os povos indígenas são livres para definir e determinar sua própria identidade espiritual, aponta para o relatório “Povos indígenas e o direito à liberdade de religião ou crença”, apresentado em outubro de 2022 pelo então relator especial sobre liberdade de religião ou crença, Ahmed Shaheed.

“Muitos conceituam a espiritualidade como um ‘modo de vida’: a conformação das emoções, hábitos, práticas ou virtudes distintas, a formação de diferentes crenças e maneiras de pensar e um modo particular de viver juntos e se comunicar. Portanto, a espiritualidade está relacionada ao transcendente e é intrínseca às experiências e práticas cotidianas dos povos indígenas. Além de sua singularidade, a espiritualidade e a cultura indígenas são muitas vezes baseadas na comunidade, identidade e relações com terras tradicionais”, detalha o relatório.

Um problema crescente com raízes na discriminação racial

O fato de grupos de populações afrodescendentes e indígenas serem os mais afetados pela discriminação e pelo racismo religioso, isso está intrinsecamente relacionado à discriminação racial e ao racismo sistêmico que persiste nas Américas.

No recente webinar “O Legado das Práticas Religiosas Africanas e os Preconceitos e Preconceitos Sociais que Enfrentam”, organizado pela Secretaria de Acesso a Direitos e Equidade da Organização dos Estados Americanos (OEA) no âmbito da VII Semana dos Afrodescendentes nas Américas, representantes da sociedade civil associaram a rejeição,  perseguição e até criminalização dessas práticas a processos históricos carregados de ignorância, estigmatização e preconceito por não serem consideradas “civilizadas”.

A CIDH relata repetidas denúncias de perseguição e ataques contra a vida e a integridade de líderes e praticantes de religiões de matriz africana em diferentes estados da região, bem como denúncias de destruição de templos e espaços sagrados de comunidades afrodescendentes. No Brasil, a Raça e Igualdade tem conhecimento de casos de intolerância religiosa contra religiões de matriz africana que desencadearam conflitos jurídicos, com o preocupante resultado de que fiéis perderam a guarda de seus filhos.

Na Bahia, a Secretaria de Estado de Promoção da Igualdade Racial registrou 19 casos de racismo religioso entre janeiro e 21 de julho de 2021, que representou 65% do total de casos registrados em 2020.Tags. Da mesma forma, no Rio de Janeiro, a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) recebeu denúncias de 19 casos contra religiões de matriz africana, incluindo dois envolvendo crianças, até o mês de maio do mesmo ano.

Por outro lado, no México, um relatório da organização Christian Solidarity Worldwide (CSW) revela que as  mulheres indígenas no país sofrem mais discriminação religiosa do que seus parentes homens. As mulheres que se recusam a aderir à fé católica romana majoritária enfrentam assédio e exclusão do sistema de justiça, programas e serviços de benefícios do governo e cuidados de saúde pré-natais.

O relatório observa que, embora a Constituição mexicana garanta a liberdade de religião ou crença e outros direitos humanos a todos os seus cidadãos, na prática, as violações são comuns em certas regiões: em particular, para as comunidades indígenas regidas pela Lei de Usos e Costumes.

Estândares Internacionais no Quadro do Direito Internacional

No Sistema Interamericano, o direito à liberdade de religião e crença está consagrado na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Artigo III) e na Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 12). Considerando que, ao nível do Sistema Universal dos Direitos do Homem, este está estipulado no artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 18º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, tendo sido aprofundado na Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Conviccções, em 1981.

Um dos instrumentos interamericanos mais notáveis sobre o tema é a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (CIRDI), que afirma que os Estados devem prevenir, proibir e punir qualquer restrição ou limitação ao uso da língua, tradições, costumes e cultura das pessoas em atividades públicas ou privadas.

O “Estudo sobre Liberdade de Religião e Crença. Normas Interamericanas”, da CIDH, revela um amplo arcabouço para a proteção desse direito, onde também destaca instrumentos e jurisprudência aplicáveis aos povos indígenas e afrodescendentes. Também aponta a vulnerabilidade de alguns grupos, como pessoas LGBTI, crianças e adolescentes, defensores de direitos humanos e pessoas privadas de liberdade, e, portanto, fornece um conjunto adicional de aspectos do direito à liberdade de religião e crença em relação a eles.

Um apelo à ação

Raça e Igualdade integrou a luta contra a discriminação religiosa e o racismo em suas linhas de trabalho. Desde 2021, no Brasil, desenvolvemos um projeto que visa promover a tolerância religiosa e a redução da violência e da discriminação contra praticantes de religiões afrodescendentes, por meio do fortalecimento de organizações afro-brasileiras para que possam documentar casos de violência com base em crenças religiosas, prepará-los para litígios internacionais estratégicos e fomentar uma cultura de respeito à liberdade religiosa,  além de qualificar entidades para que possam prestar apoio jurídico às vítimas deste flagelo. Enquanto isso, em Cuba, apoiamos a elaboração do relatório “Obstáculos enfrentados por líderes e membros de religiões afro-cubanas em Cuba”.

Com base nos princípios dos direitos humanos, e levando em conta que a discriminação e o racismo religioso são um problema crescente na região, Raça e Igualdade convoca os Estados das Américas a adotarem medidas para enfrentá-lo e contê-lo, um dos mais vitais dos quais é a ratificação e implementação da Convenção Interamericana contra o Racismo, Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. Em termos de monitoramento, é importante ter estatísticas e informações qualitativas sobre práticas religiosas e culturais de afrodescendentes e indígenas, respectivamente. Da mesma forma, que sejam promovidas informações desprovidas de preconceito e estigma em torno dessas práticas e, claro, que qualquer ação que as atrapalhe e implique em violações de direitos humanos, sejam penalizadas.

Makira-E’ta e Raça e Igualdade lançam edital para jovens lideranças indígenas

TERMO DE REFERÊNCIA No 01/24 – RAÇA E IGUALDADE

Projeto: RAÇA & IGUALDADE;

Título da Vaga: Jovens Líderes Indígenas

Departamento: Coordenadoria da Rede de Jovens Comunicadores;

Tipo de contrato: Contratação de prestação de serviços – Pessoa jurídica;

Previsão de início: Janeiro/2024

Modalidade de Trabalho: Remoto – Manaus/AM

Período de inscrição: 28 de Fevereiro a 02 de Abril de 2024, às 23h59 (Horário de Manaus)

  1. Contextualização:

A Rede de Mulheres Indígenas do Estado do Amazonas – MAKIRA E ́TA foi criada em 29 de julho de 2017, com sede na capital do estado. É uma organização de atendimento em defesa dos direitos e protagonismo da mulher,criança, e jovens indígenas do Amazonas a proteção social básica e especial, profissionalização e geração de renda às mulheres indígenas das áreas urbanas e rurais. Tem por objetivo diminuir as vulnerabilidades sociais e desenvolver potencialidades.

1.1 Sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos trabalha para promover a igualdade racial e étnica das comunidades afrodescendentes e indígenas – uma abordagem única entre as organizações internacionais de direitos humanos. Trabalhamos com organizações afrodescendentes no Brasil, bem como com uma grande variedade de organizações que combatem a discriminação racial na América Latina ou que combatem a discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero.

Raça e Igualdade tem uma abordagem dinâmica de capacitação para promover os direitos dos (as) afro-latinos (as), pessoas LGBTI+, povos indígenas, mulheres e outras comunidades vulnerabilizadas. Usando uma combinação de litígio, mobilização comunitária, relatórios de direitos humanos, pesquisa e metodologia de defesa em nível nacional e internacional, nos juntamos a nossos parceiros no desenvolvimento e implementação de estratégias de mudança.

É fundamental para este trabalho expandir o papel das ONGs que representam comunidades marginalizadas em nível regional. Portanto, nosso programa inclui a capacitação de nossos (as) parceiros (as) para defender a

incorporação total de questões de discriminação na Organização dos Estados Americanos (OEA) e litígios no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, em coordenação com litígios domésticos, defesa de políticas e mobilização comunitária. O uso do Sistema Universal também é crucial para o avanço dos direitos humanos, em particular os Procedimentos Especiais e Órgãos de Tratados no sistema ONU.

O projeto Raça e igualdade, Busca o desenvolvimento de uma metodologia laboratorial de etnocomunicação, a criação de um guia estratégico sobre etnocomunicação, a concepção de uma estratégia de etnocomunicação para advocacia alinhada com os objectivos do JAPER e a produção de conteúdos que incorporem perspectivas interculturais, anti-racistas e de género.

  1. Objetivo: Jovens líderes de comunidades indígenas e afrodescendentes (incluido LGBTQI+, mulheres e pessoas com deficiência) no Brasil fortalecerão habilidades, conhecimentos e redes para promover igualdade, equidade e inclusão em suas comunidades. Este projeto, por meio de programas de liderança juvenil, capacitação e promoção de reformas, visa fortalecer parcerias com a sociedade civil no Brasil para avançar nas reformas propostas no JAPER, promovendo equidade, inclusão e igualdade de acesso para comunidades indígenas e afrodescendentes. A população-alvo deste projeto são jovens líderes da sociedade civil no Brasil, entre 20 e 35 anos, focando em grupos raciais e étnicos marginalizados, incluindo comunidades rurais e afetadas por conflitos.
  2. Principais requisitos para seleção:
  • Disponibilidade de horários para participação de formações
  • Ter entre 20 a 35 anos.
  • Candidatos devem enviar carta de candidatura e currículo. (A carta deve destacar a motivação para participar, o envolvimento nas prioridades do JAPER e como a bolsa contribuirá para seu projeto comunitário.
  • Acesso a internet de forma que sustente sua participação nas atividades.
  • Experiência em mobilização social com jovens indígenas , de preferência em projeto de formação
  • Experiência em engajamento comunitário;
  • Disponibilidade para execução das atividades, em horário comercial e finais de semana, a depender da atividade a ser executada e conforme pactuação a ser realizada junto à coordenação geral do projeto (destina-se a intervenções in loco, capacitações, reuniões e relatórios).
  • Responsabilidade, proatividade, organização, comprometimento com os objetivos do projeto e valores da instituição;
  • Facilidade de comunicação, relacionamento, em respeitando a diversidade, independentemente da situação confrontada;
  • Desenvoltura para trabalhar em equipe multidisciplinar e com diferentes atores;
  • Capacidade de executar tarefas, atividades com autonomia, auxiliar na coleta de dados e informar todas as atividades desempenhadas;
  • Comprometido com prazos e metas;
  1. Propriedade Intelectual: Todos os direitos de Propriedade Intelectual concebidos ou realizados pelo/a consultor(a) ou empresa de consultoria durante a prestação dos serviços devem pertencer a rede Makira E ́ta. Contato: makiraeta2018@gmail.com
  1. Período de vigência do projeto: janeiro de 2024 a janeiro de 2026. O projeto oferecerá 10 bolsas no valor de 300 dólares, dessa forma haverá um ciclo de formações onde esses 10 jovens serão divididos da seguinte maneira: 3/3/4. possuindo assim um ciclo de formações ao longo do projeto.
  2. Os pagamentos serão efetuados mediante entrega e aprovação de produtos, acompanhado de nota fiscal válida em cronograma a ser estabelecido em contrato.
  3. Etapas de seleção:

7.1. Análise de currículo: 3 a 9 de abril;

7.2. Entrevista com os candidatos selecionados; 11 a 13 de abril;

7.3 Resultado no dia 15 de abril.

      8.Como se Candidatar:

Os interessados devem enviar currículo e Carta de candidatura para racaeigualdademakira@gmail.com e/ou preenchimento do formulário: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSctABf0YtlqOsKtgXuVJOxRwHdDdP3yy1TLxCfwpGeKwpLS7Q/viewform?usp=sf_link, até a data limite: 2 de abril.

Este termo de referência visa orientar o processo de recrutamento, garantindo a transparência e eficiência na seleção de jovens lideranças indígenas para a implementação das iniciativas propostas.

Manaus, 12 de Março de 2024.

8M: A Força Antirracista na Luta pelos Direitos de Todas as Mulheres

Washington D.C, 8 de março de 2024. – Desde sua criação, o movimento pelos direitos das mulheres tem sido alimentado por diferentes perspectivas, ampliando sua visão e missão em diferentes esferas da sociedade. Uma delas é a perspectiva antirracista que, apesar de encontrar uma série de obstáculos para a sua plena integração, tem sido a base de importantes contribuições para a luta.

Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, através do Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), queremos exaltar a perspectiva antirracista, levando em conta que machismo e racismo são formas de opressão que se entrelaçam e afetam exclusivamente mulheres de diferentes origens étnicas e raciais.  No caso das Américas, mulheres afrodescendentes e indígenas em particular.

Conversamos com líderes e ativistas de diferentes partes da América Latina para que elas mesmas pudessem perceber a importância da perspectiva antirracista na luta pelos direitos das mulheres, suas contribuições para o movimento feminista e os desafios que persistem em diferentes níveis para incorporar plenamente essa visão no trabalho de defesa e promoção dos direitos das mulheres.

O racismo como gatilho para múltiplas formas de violência

“A perspectiva antirracista na luta pelos direitos das mulheres é necessária se concebemos o racismo como uma violência que permeia o sistema, o Estado e as estruturas sociais, a família, nossos corpos, e que faz com que a violência aumente; Ou seja, o racismo reconhecido como violência estrutural também replica e reproduz múltiplas formas de violência”, diz Patricia Torres Sandoval, mulher indígena do Grupo P’urhépecha, que integra a coordenação geral da Coordenadoria Nacional de Mulheres Indígenas (Conami) no México.

“A perspectiva antirracista dentro dos feminismos é essencial porque entende que a categoria de mulheres é muito mais ampla ou complexa do que apenas nos identificarmos como mulheres, engloba tudo o que seria a visibilidade da situação e das experiências das mulheres afrodescendentes, indígenas, trans, traz a análise interseccional que é pensar nas múltiplas formas de opressão como o racismo, machismo, classe, processos migratórios, etc.”, diz Gilma Vieira da Silva, coordenadora regional da Rede de Jovens Afrodescendentes da América Latina e Caribe (REDJUAFRO).

Vieira da Silva acrescenta que a interseccionalidade não pode ser pensada sem um contexto étnico-racial, e lembra que esse conceito foi formulado por uma mulher afrodescendente: a advogada e acadêmica estadunidense Kimberlé Crenshaw, que dedicou grande parte de seu trabalho para compreender a desigualdade estrutural em questões de gênero.

A violência de gênero não é individual

Já Torres Sandoval ressalta que as mulheres indígenas têm contribuído para o reconhecimento da violência coletiva. Ela explica que a frase “Meu corpo, meu território” – que foi apropriada como slogan pelo movimento feminista – vem de mulheres indígenas como forma de dizer que violar seus corpos também viola a terra e o território. “Como mulheres e povos indígenas, nos reconhecemos como parte integrante do território e da Mãe Terra, contrariando a perspectiva ocidental de que somos donos da terra”, diz.

Para Gahela Cari, feminista trans indígena da Federação Nacional das Mulheres Camponesas, Artesãs, Indígenas, Indígenas e Assalariadas do Peru, o feminismo é essencial para os processos de mudança, no entanto, ela ressalta que não basta se não for antirracista. Em suas palavras, o feminismo antirracista “se posiciona em meio a uma sociedade com tantas desigualdades” e mostra que, além do gênero, outros sistemas de opressão impossibilitam viver com dignidade.

“Temos que construir processos de escuta, diálogo, construção coletiva. Mesmo quando não entendemos totalmente o que a outra pessoa está colocando na mesa”, aponta sobre uma tarefa necessária na luta feminista para trabalhar a partir de uma abordagem antirracista. Nesse sentido, ela destaca a importância de fechar o caminho para processos autoritários no país, como o que está acontecendo com o atual regime político no Peru.

Educar a partir de uma perspectiva antirracista, uma tarefa dupla

Nesse sentido, Fernanda Gomes, assistente social e integrante da Articulação Brasileira de Lésbicas (ABL) no Brasil, questiona o fato de que é preciso educar constantemente sobre a perspectiva antirracista para pessoas e grupos que não têm essa visão adequada ou que, até mesmo, a excluem.

“É um grande desafio porque a gente perde tempo pensando em uma política pública, escrevendo um manifesto, para educar essas pessoas. Temos que estar constantemente dizendo ‘ah, fulano de tal, eu não sou seu professor, pesquise no Google, pergunte a um amigo branco seu’. O movimento de mulheres negras, lésbicas e feministas também é um movimento de educação. Estamos educando pessoas brancas o tempo todo e é exaustivo”, diz.

Contribuições e desafios

Brisa Bucardo, jornalista do povo Miskito da Nicarágua, destaca o papel que os movimentos de mulheres têm desempenhado no contexto da costa caribenha do país, pois não apenas fornecem apoio fundamental às mulheres vítimas de violência, mas também lideraram as denúncias das cidadãs e fortaleceram as capacidades das mulheres tanto individual quanto coletivamente. Além disso, desmantelaram conceitos arraigados de violência historicamente justificados sob o rótulo de “cultura”.

Em termos de contribuições para a luta pelos direitos das mulheres, Dunia Medina Moreno, mulher afrodescendente e membro da Rede de Mulheres de Cuba, destaca o papel que as mulheres afrodescendentes têm desempenhado na promoção e defesa dos direitos humanos, o que resultou em uma proteção mais abrangente dos direitos de todas as pessoas em sua diversidade de identidades.

“Devemos criar um feminismo onde todas as mulheres se encaixem, um feminismo interseccional onde todas as mulheres se integrem e possamos cobrir todas as dimensões de discriminação que experimentamos”, diz Leticia Dandre Pie, ativista de direitos humanos na República Dominicana e membro do Movimento de Mulheres Dominicano-Haitianas (MUDHA).

Apesar dos avanços na introdução da perspectiva antirracista na luta pelos direitos das mulheres, ainda há desafios para uma real integração que se traduza não apenas em ativismo mais inclusivo, mas também na formulação de políticas públicas mais abrangentes. “Sabemos que a militância hoje tem que ser reconhecida como um trabalho, o nosso tempo que colocamos na luta tem que ser reconhecido, mas muitas vezes as mulheres afrodescendentes recebem pouquíssimos recursos, isso inclui também mulheres trans, mulheres com deficiência, mulheres indígenas”, diz Gilma Vieira da Silva, da REDJUAFRO.

“São muitos os desafios para se considerar a perspectiva antirracista tanto no Estado, na academia e na sociedade em geral, há sobretudo um imaginário geral que ainda coloca o eurocentrismo como a ideia do melhor, de aspirar a ser esse estereótipo branco hegemônico voltado a certos parâmetros da beleza estética, mas que não só existe no imaginário geral como consegue também permear as instituições.”  diz Patricia Torres Sandoval, da CONAMI México.

Do “feminismo branco” à interseccionalidade

Uma das grandes críticas aos feminismos originários, ou o que podemos chamar de “feminismo branco”, é que eles universalizaram a experiência das mulheres brancas[1]. Ou seja, no início a luta do feminismo era reduzida apenas às necessidades das mulheres que, de uma forma ou de outra, estavam em situação de privilégio.

A perspectiva antirracista no feminismo é crucial porque desafia essa visão eurocêntrica e androcêntrica que permeou muitos campos acadêmicos e movimentos sociais por meio do feminismo branco[2]. As mulheres racializadas que passaram a desafiar esses padrões forneceram análises críticas a partir de suas experiências situadas, questionando as estruturas de poder e defendendo uma compreensão mais completa das interseções entre raça, gênero e classe na luta contra a opressão.

Em particular, elas têm questionado a homogeneização da categoria “mulher” nos movimentos feministas, apontando que as experiências das mulheres variam significativamente de acordo com sua raça, etnia, classe e orientação sexual[3]. Essa abordagem interseccional tem enriquecido a compreensão das interconexões entre diferentes sistemas de opressão.

Você sabia?

Existem instrumentos de proteção e promoção de direitos com abordagem antirracista ou com perspectiva de gênero-raça. Alguns deles são:

  1. Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH): É o documento internacional que estabelece os direitos fundamentais de todas as pessoas sem qualquer discriminação baseada em raça ou gênero, entre outros.
  2. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) é o instrumento internacional que trata especificamente da discriminação de gênero e leva em conta as dimensões de raça e outros fatores. Reconhece a interseccionalidade das discriminações enfrentadas pelas mulheres.
  3. Convenção Internacional pela Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (CERD): Este tratado das Nações Unidas proíbe a discriminação racial em todas as suas formas e promove a igualdade racial. Embora não focalize exclusivamente a perspectiva de gênero, reconhece a interseccionalidade da discriminação.
  4. Declaração e Plataforma de Ação de Pequim sobre a Mulher: Esta convenção, que foi adotada na Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher em 1995, destaca a interseccionalidade e reconhece a importância de abordar a discriminação com base em gênero e raça.
  5. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará): é o tratado regional interamericano que tem como foco a violência de gênero e reconhece a interseccionalidade das formas de discriminação enfrentadas pelas mulheres, incluindo o racismo.
  6. Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes: Esta é a convenção que aborda os direitos dos povos indígenas e reconhece a importância de abordar a discriminação com base na raça.
  7. Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas: reconhece o direito das mulheres indígenas ao reconhecimento, proteção e gozo de todos os direitos humanos sem discriminação de qualquer natureza, estabelecendo o dever dos Estados de erradicar todas as formas de violência contra as mulheres indígenas.
Recomendações

A fim de assegurar a integração efetiva de uma perspectiva racial nas políticas e resoluções relativas aos direitos das mulheres, os Estados e os órgãos de direitos humanos devem:

  • Formular políticas de igualdade de gênero que incluam explicitamente a perspectiva interseccional na formulação de políticas de igualdade de gênero.
  • Promover a diversidade em todos os níveis de liderança para refletir diferentes experiências.
  • Implementar programas educacionais que destaquem a importância de compreender as complexidades da interseccionalidade. Em particular, promover a conscientização da importância da interseccionalidade em todas as áreas do governo, bem como nos órgãos decisórios e judiciais, para que essa perspectiva seja replicada nas decisões.
  • Apoiar e promover organizações que trabalham na intersecção de gênero e raça.
  • Avaliar regularmente a eficácia das políticas, garantindo que várias camadas de discriminação sejam abordadas.

 

[1] Parra, Fabiana (2021). El feminismo será antirracista o no será. Joselito Bembé. Revista Político Cultural, nro. 2, p. 42, disponível em: https://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/art_revistas/pr.12875/pr.12875.pdf

[2] Curiel, Ochy (2007). Crítica pós-colonial às práticas políticas do feminismo antirracista. Nomads, ISSN 0121-7550, ISSN-e 2539-4762, No. 26, p. 93, disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3997720

[3] Boddenberg, Sophia (2018). Mulheres indígenas e afrodescendentes, interseccionalidade e feminismo decolonial na América Latina. Revista Búsquedas Políticas, Universidad Alberto Hurtado, disponível em: https://politicaygobierno.uahurtado.cl/wp-content/uploads/sites/8/2018/06/sophia_boddenberg_mujeres_indigenas.pdf

Raça e Igualdade reconhece o papel da juventude indígena na América Latina e no Caribe como agentes de mudança em direção à autodeterminação

Washington D.C., 9 de agosto de 2023 – Na América Latina e no Caribe, há um contexto de violência generalizada em que persistem desafios importantes no reconhecimento e pleno gozo da autodeterminação e dos direitos correlatos. Diante disso, a juventude indígena, consciente de seu papel como agente de mudança, promove processos de reivindicação e de incidência política para a defesa dos direitos humanos e promoção da justiça, responsabilização e reparação.

Neste Dia Internacional dos Povos Indígenas, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) se une ao chamado feito pelas Nações Unidas sob o lema “Juventude indígena, agentes de mudança para a autodeterminação”, que reconhece os esforços, mas também os desafios enfrentados pela juventude indígena na região perante a preservação de suas terras, territórios, lugares sagrados e a revitalizção de suas tradições e manifestações identitárias.

 Contexto

Estima-se que a América Latina e o Caribe abrigam aproximadamente 58 milhões de pessoas pertencentes a 800 povos indígenas, representando 9,8% da população regional. Em vários Estados da região, há lacunas significativas no cumprimento de marcos normativos e políticos favoráveis aos direitos desses povos, assim como de padrões internacionais e interamericanos sobre os direitos dos povos indígenas e tribais.

A situação de violência que enfrentam em decorrência da presença e invasão de suas terras por pessoas não indígenas, sejam estas envolvidas com extração de madeira, mineração, pecuária ou tráfico de drogas; ou por situações de conflito armado, que deixam consequências de grave risco e ameaça à sobrevivência física e cultural desses povos. Da mesma forma, ocorrem com frequência situações de criminalização, estigmatização, ameaças contra lideranças indígenas e até assassinatos.

Juventude indígena, agentes de mudança do presente e do futuro

Há algumas décadas, o movimento indígena latino-americano reconhece a gestão de um movimento de sua própria juventude, que se articula de forma regional e constrói ações específicas para o atendimento de suas demandas, entre as quais o reconhecimento de suas diversidades.

Os jovens indígenas têm uma abertura ao diálogo interseccional em suas comunidades, o que contribui para a validação de suas identidades e compromisso com o legado de seus ancestrais. O fato de possuírem uma visão de mundo plural e interseccional, fortalece as estratégias de advocacy perante órgãos de proteção dos direitos humanos, como o Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas; No entanto, há também desafios a enfrentar como a segregação etária, o desemprego, a discriminação de identidade de gênero, as ameaças, entre outros. 

Para Thaís Diakarapó, liderança jovem do povo Dessana e Coordenadora do Departamento de Adolescentes e Juventude Indígena da Rede Makira E’ta, o principal desafio da juventude indígena é “ressignificar que a juventude não é só o futuro, somos também agentes de transformação do presente, do agora, e de que temos a capacidade de liderar e estar à frente de nossas lutas com o desejo de realizar nossas demandas”.

Diakarapó reconhece que o trabalho da juventude “está sendo estruturado a cada dia e formando lideranças dentro de sua rede de luta”, no entanto, suas demandas atuais, discussões e debates estão sendo feitos apenas “de jovens para jovens” indígenas, sendo de grande importância que esses diálogos sejam também intergeracionais, com as autoridades e outros agentes de maior poder na implementação de políticas de transformação.

Já da comunidade Muxhe, no istmo de Tehuantepec Oaxaca, no México, Dayanna Gallegos Castillejos, mulher trans e ativista,  considera que o maior desafio enfrentado pelos jovens indígenas são os atos de discriminação étnica, principalmente quando pertencem a identidades de gênero indígenas.  

A juventude indígena precisa de visibilidade… Precisamos estar na agenda global para fortalecer a luta por nossas identidades indígenas”, acrescenta. 

A partir de Raça e Igualdade, reafirmamos nosso compromisso com a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas. Reconhecemos o  papel fundamental da juventude indígena que  levanta a voz na busca por justiça para seus povos e cria conexões intergeracionais para manter vivas suas culturas e tradições, sem interferências externas.

Instamos aos Estados para que implementem leis e políticas que garantam o direito à autodeterminação, à autonomia e ao livre consentimento, prévio e informado; além de combater problemas estruturais, desigualdades históricas, discriminação e racismo, que colocam em risco o bem-estar social dos povos indígenas.

Junte-se aos nossos esforços

Apoie o empoderamento de indivíduos e comunidades para alcançar mudanças estruturais na América Latina.