A Escalada da Violência Policial em São Paulo: e agora, quem protege os cidadãos?

A Escalada da Violência Policial em São Paulo: e agora, quem protege os cidadãos?

Brasil, 05 de dezembro de 2024 – O Brasil segue a passos largos na contramão do desrespeito aos direitos humanos, sobretudo quando observamos o racismo estrutural e sistêmico, fruto de políticas contínuas que evidenciam violações e o menosprezo à vida de pessoas negras. A violência como política de segurança pública revela-se, principalmente, perante os moradores nas periferias dos grandes centros urbanos e, somente em 2024, os números das práticas abusivas de violência policial seguem subindo exponencialmente. Diante deste cenário, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), urge pela ação objetiva e direta do Estado brasileiro diante da gestão da segurança pública de São Paulo. É preciso uma política de segurança pública que garanta direitos aos cidadãos e em casos de violação por parte de agentes públicos, seja capaz de responsabilizar as autoridades, pelos atos da corporação militar.

O Estado de São Paulo, segundo dados do Ministério Público Estadual, teve um aumento de 46% nas mortes cometidas por policiais. Somente de janeiro a novembro de 2024, houve 673 mortes pelas mãos da polícia paulista, com média de duas vítimas letais por dia. [1]

Os últimos acontecimentos demonstram um descontrole e ausência de gestão da política de segurança pública no Estado de São Paulo. Diversos casos foram testemunhados por cidadãos e, até mesmo, através das câmeras corporais dos policiais que evidenciam a violência exacerbada, mesmo quando o suspeito está dominado. As ações brutais da PM vão desde tiros na cabeça, execuções pelas costas com 11 tiros, execução a queima roupa, morte de criança em suposto tiroteio, agressões físicas diversas, uma pessoa abordada por 13 policiais, e um policial atirando o corpo de uma vítima de cima de uma ponte na zona sul de São Paulo, entre outros. Estes casos nos levam a seguinte questão: há algum tipo de controle efetivo da polícia militar ou esta polícia tem salvo conduto do governo do Estado para praticar violações?

Ademais, ressaltamos que a criação de uma Ouvidoria Paralela pelo Secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite é mais uma indicação de que as forças policiais do Estado de São Paulo continuarão sua escalada de violência e de impunidade, tendo em vista que já existe uma Ouvidoria da Polícia Civil, que vem diuturnamente denunciando a política de Segurança Pública do Estado de São Paulo. A criação de uma ouvidoria paralela, sem qualquer autonomia, reforça, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB – SP), mais um passo no enfraquecimento dos mecanismos de controle e transparência da atividade policial no estado.

“É evidente que a política de segurança pública no Estado de São Paulo segue um caminho contrário dos diversos relatórios das Nações Unidas que indicam que há necessidade da aplicação de procedimentos de monitoramento, de uma corregedoria que seja efetiva e não corporativista, permitindo que os processos de apuração sejam céleres, imparciais e transparentes, e que a política de segurança pública possa restabelecer alguma credibilidade, assim como no governo do Estado de São Paulo”, aponta Rodnei Jericó, Diretor de Raça e Igualdade no Brasil.

Após sua visita ao Brasil, em agosto de 2024, a Relatora Especial da ONU sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, Ashiwini K.P., publicou um relatório sobre a questão racial no país ressaltando a gravidade e complexidade da violência das forças de segurança pública. O documento insta o Estado a tomar medidas mais efetivas frente ao sistema carcerário e, mesmo reconhecendo que o uso de câmeras policiais seja um passo importante para uma política de segurança antirracista, sinalizou que há relatos de que essas câmeras não são utilizadas e que medidas de perfilamento racial estão sendo utilizadas pelo governo sem base científica. Ademais, a Relatora apontou que são especialmente mães afrodescendentes que perdem os seus filhos em razão da brutalidade policial, e que além de vítimas, estas também são criminalizadas.

Em outubro de 2024, o Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes para o Avanço da Igualdade e Justiça Racial na Aplicação da Lei – EMLER publicou relatório destacando o racismo sistêmico enraizado na polícia e no sistema de justiça criminal, onde o preconceito racial, o perfilamento racial e os estereótipos raciais influenciam a ação e a inação do Estado. O uso excessivo da força de segurança pública que leva a milhares de mortes todos os anos e o encarceramento excessivo, que afetam desproporcionalmente as pessoas negras, são uma consequência do racismo sistêmico que, combinado com as atuais políticas de “guerra ao crime”, resulta em um processo de limpeza social que serve para exterminar setores da sociedade considerados indesejáveis, perigosos e criminosos. Esta é uma questão sistêmica generalizada que exige uma resposta sistêmica e abrangente.

Entre as diversas recomendações emitidas pelo EMLER, é importante evidenciar na luta contra a violência policial com perfilamento racial os seguintes pontos:

  1. Estabelecer por lei um órgão de controle civil nacional da força policial.
  2. Estabelecer o uso obrigatório nacional de câmeras corporais por policiais.
  3. Adotar uma abordagem baseada em direitos humanos para o policiamento.
  4. Acabar com as atuais políticas de “guerra às drogas” e “guerra ao crime” e adotar uma abordagem baseada nos direitos humanos para essas questões.
  5. Adotar uma legislação nacional sobre o uso da força que esteja em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos – particularmente com os princípios de legalidade, precaução, necessidade, proporcionalidade, responsabilidade e não-discriminação, e a obrigação de proteger e respeitar o direito à vida.
  6. Garantir que o perfilamento racial seja claramente definido e proibido por lei, e investigar todas as alegações de perfilamento racial e processar os casos em conformidade.
  7. Garantir a adequada responsabilização em todos os casos de uso excessivo da força e outras violações dos direitos humanos por agentes da lei, inclusive responsabilizando superiores e comandantes de operações, também responsabilizar as agências policiais enquanto instituições, e não apenas as e os oficiais diretamente envolvidos.
  8. Garantir o direito das vítimas a reparações, notadamente através do estabelecimento por lei de um mecanismo independente especializado centrado nas vítimas com suficiente orçamento, especificamente concebido para apoiar indivíduos e comunidades afetadas.

 

 

[1] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/12/04/sp-acumula-casos-de-violencia-policial-recentes-no-ano-mortes-pela-pm-no-estado-aumentaram-46percent.ghtml

Tracie Keesee, Especialista do EMLER, participa de evento na Câmara dos Deputados

Brasil, 01 de novembro de 2024 – No próximo dia 5 de novembro, às 9h, a Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Daiana Santos (PCdoB-RS), realizará o evento “Justiça Racial no Cenário Internacional”. O encontro discutirá o cumprimento, no Brasil, das recomendações do Mecanismo Internacional de Especialistas para o avanço da igualdade e justiça racial, além dos encaminhamentos do Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU e da Conferência da Diáspora Africana, realizada em Salvador no mês de setembro.

O Seminário reunirá entidades políticas nacionais e internacionais, lideranças da sociedade civil e convidados como a Dra. Tracie Keesee, Integrante do Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes da ONU para Promoção da Justiça Racial na Aplicação da Lei (EMLER) e ex-comissária de Diversidade e Inclusão da Polícia de Nova York; a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, a Ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo e a Conselheira Bruna Vieira de Paula, Chefe da Divisão de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores. Elas debaterão sobre boas práticas e os desafios na implementação das recomendações da ONU para promover efetivamente a proteção e promoção dos direitos humanos no Brasil.

Daiana Santos destacou a importância de a Câmara Federal sediar o encontro e convocou a população a participar:

“A realização deste seminário simboliza um compromisso concreto com a luta pela igualdade racial e enfrentamento ao racismo, uma pauta que exige nossa determinação e atenção constante. É fundamental que a população se engaje nesse diálogo, pois somente com a nossa mobilização ativa alcançaremos as mudanças necessárias nas estruturas que perpetuam o racismo e as desigualdades históricas no Brasil e no Mundo.”

Dividido em dois painéis, a primeira mesa intitulada ‘Diálogos intersetoriais sobre recomendações da ONU em pauta raciais’ enfatizará o fortalecimento da participação e a representação das vozes afrodescendentes nas esferas política e social, com a participação da Ministra Macaé Evaristo (MDHC), Lúcia Xavier (Criola), Rodnei Jericó (Raça e Igualdade), Deputada Daiana Santos (CDHMIR), além da convidada internacional Tracie Keesee (EMLER).

O segundo painel, ‘Diálogos sobre o papel do Estado e da Sociedade Civil no cumprimento de recomendações da ONU relativas à pauta racial’, contará com a presença da Ministra Anielle Franco (MIR), Deputada Daiana Santos (CDHMIR), Bruna Vieira de Paula (Itamaraty – MRE), Leonardo Magalhães (Defensoria Pública Geral da União), Maria do Carmo Rebouças dos Santos (Observatório ODS-18/Universidade Federal do Sul da Bahia) e Baba Adailton Moreira (Ilê Axé Omiojuarô). 

Rodnei Jericó, Diretor do Instituto Raça e Igualdade no Brasil, destacou que o evento é uma oportunidade importante para alinhar a agenda de justiça racial promovida pela sociedade civil junto às autoridades brasileiras. A discussão sobre o relatório EMLER e sobre o Comitê CERD sinaliza a retomada dos compromissos democráticos: 

“Diante dos desafios para implementar políticas de direitos humanos, o evento na Câmara dos Deputados busca compartilhar boas práticas nacionais e internacionais e apoiar a implementação efetiva das recomendações dos tratados da ONU.”

O evento é uma parceria entre a Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, Instituto Raça e Igualdade e a Universidade Federal do Sul da Bahia. 

Diante da ascensão da extrema-direita na América Latina, lideranças afrodescendentes, indígenas e LGBTI+ participaram de reuniões de advocacy em Washington D.C.

Washington D.C., 16 de outubro de 2024 – Diante da crescente influência de movimentos de extrema-direita e do preocupante avanço de agendas racistas e xenofóbicas na América Latina e no Caribe, uma delegação de lideranças afrodescendentes, indígenas e LGBTI+, liderada pelo Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), realizou reuniões importantes de advocacy em Washington D.C., com o Congresso Norte-Americano, o Departamento de Estado e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Durante as reuniões, a delegação apresentou soluções e perspectivas críticas para problemas como a discriminação racial e de gênero, a brutalidade policial e a falta sistemática de acesso a serviços essenciais como a saúde e a educação.

A delegação também apresentou recomendações para promover a formulação e a integração de políticas mais inclusivas e equitativas em tratados-chave, como o Plano de Ação Conjunta Brasil-EUA para Eliminar a Discriminação Racial e Étnica e Promover a Igualdade (JAPER), o Plano para a Eliminação da Discriminação Racial nas Américas (CAPREE) e a Declaração da Parceria Norte-Americana para a Equidade e a Justiça Racial. 

Durante as reuniões, Mauricio Ye’kwana, Diretor Executivo da Hutukara Associação Yanomami, abordou a crise de violência enfrentada pelos territórios indígenas no Brasil, destacando as constantes ameaças da mineração ilegal e a falta de reconhecimento governamental de suas terras ancestrais. Ye’kwana apontou a negligência do governo em protegê-los e a impunidade em torno dos assassinatos de líderes indígenas. Alertou também para o preocupante recrutamento de jovens indígenas por grupos armados, o que enfraquece a coesão comunitária. Além disso, fez um apelo urgente à representação indígena em fóruns internacionais como a Conferência das Partes da ONU (COP), sublinhando a necessidade de reconhecer os povos indígenas como guardiões essenciais do ambiente.

Bruna Benevides, Presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), no Brasil, descreveu as violações dos direitos humanos enfrentadas pelas mulheres trans, especialmente as mulheres trans negras. Benevides salientou que o componente racial do transfeminicídio está profundamente enraizado na sociedade brasileira e que as mulheres trans negras são desproporcionalmente afetadas pela violência e pela exclusão. Ela também enfatizou a falta de representação das pessoas trans nos movimentos antirracistas e que a invisibilização de suas questões dentro dos espaços LGBTI+ é uma preocupação fundamental. 

Lucia Xavier, Coordenadora Geral da Criola (Brasil) alertou para uma onda conservadora que tem assolado o Brasil e aumentado significativamente a violência contra as mulheres negras, tanto cis como trans, que enfrentam múltiplas barreiras no acesso a recursos básicos devido a políticas de financiamento discriminatórias. Xavier ressaltou a importância de uma maior representatividade política das mulheres negras, assim como políticas públicas efetivas que protejam seus direitos e promovam seu Bem-Viver.

Maria Martinez, do Movimiento Socio-Cultural de los Trabajadores Haitianos (MOSCTHA), denunciou a constante ameaça de expulsão e a brutalidade policial sofrida pelos migrantes haitianos na República Dominicana. A recente política do governo dominicano de deportar 10.000 haitianos por semana agravou a discriminação e o racismo estrutural já sofridos por estas comunidades, sendo as mulheres haitianas particularmente vulneráveis à violência de gênero. Martínez explicou ainda que a falta de reconhecimento civil e a apatridia excluem estas pessoas do acesso a serviços básicos como a saúde e a educação. 

Erlendy Cuero, vice-presidente da Asociación Nacional de Afrocolombianos Desplazados (AFRODES) na Colômbia, alertou para a situação dos jovens afrodescendentes na Colômbia, particularmente afetados pela violência e pelo conflito armado. A discriminação racial por parte das forças de segurança resultou num aumento alarmante de homicídios e desaparecimentos forçados de jovens afro-colombianos, que são frequentemente estigmatizados e tratados como suspeitos apenas devido à cor da sua pele. 

Sandra Arizabaleta, Diretora da Fundación Afrodescendiente por las diversidades sociales y sexuales  “Somos Identidad” (Colômbia) explicou como a polarização política na Colômbia tem exacerbado a violência e a discriminação contra os afrodescendentes e as pessoas LGBTI+. Para Arizabaleta, é urgente criar políticas públicas que abordem efetivamente a interseccionalidade entre raça, gênero e orientação sexual, algo que está  ausente no discurso político colombiano. Ela também denunciou a violência que ainda persiste por parte de grupos armados contra essas populações vulneráveis.

Cecilia Ramirez, Diretora Executiva do Centro para el Desarrollo de la Mujer Negra Peruana (CEDEMUNEP), no Peru, explicou que o plano de desenvolvimento afro-peruano, concebido para melhorar as condições destas comunidades, estagnou devido à falta de recursos financeiros e de apoio técnico. Ramirez sublinhou ainda que o racismo estrutural continua a ser um obstáculo ao progresso socioeconômico dos afrodescendentes no Peru, que continuam a ter os piores indicadores. Propôs a implementação de cotas étnico-raciais para assegurar a representação política dos afrodescendentes e dos povos indígenas e sublinhou a necessidade de processos de autoidentificação mais inclusivos que tenham em conta tanto o gênero como a etnia.

Patricia Torres Sandoval, representante do Enlace Continental de Mujeres Indígenas de las Américas (ECMIA), centrou a sua intervenção na violência contra as mulheres e jovens mulheres indígenas, salientando que esta situação é agravada pela violência estrutural decorrente do racismo, da pobreza e do colonialismo. Sublinhou também o impacto devastador das atividades extrativistas na região, que não só causam destruição ambiental, como também aprofundam a pobreza e a exclusão social das comunidades indígenas, intensificando a violência contra as mulheres. Torres sublinhou que a falta de vontade política e a aplicação ineficaz dos acordos internacionais contribuem para a marginalização e exclusão destas comunidades, o que exige uma atenção urgente e sustentada.

Por último, estas lideranças apresentaram uma série de recomendações fundamentais às autoridades, centradas no reforço da representação, na promoção de políticas inclusivas e na garantia da responsabilização:

  • Financiar programas que promovam a liderança afro-latina, indígena e LGBTI+. 
  • Fomentar alianças entre organizações de direitos humanos de base nos EUA e na América Latina para reforçar suas capacidades e visibilidade. 
  • Incentivar os governos latino-americanos a adotar legislação que proteja as populações marginalizadas e promova políticas antirracistas e anti-homofóbicas. 
  • Assegurar que acordos como o JAPER e o CAPREE abordem ativamente a violência sofrida por estas comunidades.
  • Reforçar o controle do financiamento internacional para garantir que os recursos cheguem aos grupos em situação de vulnerabilidade. 
  • Facilitar o diálogo entre os governos e a sociedade civil para melhorar a transparência no controle dos direitos humanos e garantir a responsabilização dos responsáveis por abusos.

Raça e Igualdade apoia firmemente estas recomendações e reafirma o seu compromisso de continuar a acompanhar estes líderes na promoção das suas vozes nos espaços governamentais e em outros espaços de defesa.  Seguiremos no trabalho da documentação das violações dos direitos humanos e na elaboração de propostas que promovam sociedades mais inclusivas, equitativas e respeitosas.

Imunidade aos Militares, Impunidade aos Crimes Estatais: #JustiçaParaJohnatha

Brasil, 03 de outubro de 2024 – Após quase dez anos de espera para o Júri do caso Johnatha, jovem negro periférico assassinado em maio de 2014 na Favela de Manguinhos, cujo crime cometido por um policial militar, foi desqualificado como homicídio culposo, ou seja, quando não há intenção de matar. Essa  decisão, contrária às provas dos autos, levou o Ministério Público a apelar pela nulidade do julgamento. No entanto, o recurso que seria julgado hoje, 03 de outubro de 2024, foi remarcado às vésperas, por ausência de intimação do advogado de defesa.

Raça e Igualdade repudia a morosidade excessiva do Judiciário com o caso, e que corrobora com mais uma violência enfrentada pelos familiares, especialmente por Ana Paula de Oliveira, mãe de Johnatha, que vem a ser revitimizada pelo descaso do sistema de justiça. Ana Paula está essa semana em Genebra, para denunciar a ausência de responsabilidade do Estado pelo ocorrido, a falta de políticas de reparação para os familiares e a criminalização e desumanização da vítima perante as Nações Unidas. Além disso, a mãe de  Johnatha acompanhou o lançamento do relatório do Mecanismo EMLER sobre o Brasil, no qual teve um importante espaço de fala diante dos Especialistas da ONU.

Somente neste ano de 2024, é possível constatar a omissão estatal e Judiciária em vários casos envolvendo vítimas da brutalidade policial.  Além do Johnatha, ocorreu o julgamento do caso João Pedro, que com 14 anos foi baleado por um tiro de fuzil enquanto brincava com os primos na casa de familiares, e, impunentemente, resultou na absolvição dos acusados. Sem esquecer o julgamento do caso da Cláudia, que foi arrastada pela viatura policial após ter sido baleada, e mais uma vez, os acusados foram absolvidos, com a alegação de erro de execução. E também nesta data de hoje, dia 03/10, Kathlen Romeu, que foi baleada grávida, faria 28 anos. Novamente, uma bala de fuzil dilacerando peles negras.

Ressaltamos que o EMLER destaca em seu relatório o racismo sistêmico, que está presente no Estado e no sistema de Justiça Criminal.  Em seus termos enfatiza que “o uso excessivo da força que leva a milhares de mortes todos os anos e o encarceramento excessivo, que afetam desproporcionalmente as pessoas afrodescendentes, são uma consequência do racismo sistêmico que, combinado com as atuais políticas de “guerra ao crime”, resulta em um processo de limpeza social que serve para exterminar setores da sociedade considerados indesejáveis, perigosos e criminosos. Esta é uma questão sistêmica generalizada que exige uma resposta sistêmica e abrangente.” Raça e Igualdade se une às Mães de Manguinhos e a UNARC, para gritar por justiça e por políticas reparatórias para as vítimas e familiares que acabam revivendo constantemente a dor e a violência da perda, passando por violência física e mental sem qualquer amparo estatal.

 

Curso debate cobertura jornalística sobre religiões de matriz africana.

A formação é organizada por Raça e Igualdade, em parceria com a Alma Preta;

Como convidada, Katiuscia Ribeiro, filósofa e pesquisadora, será uma das palestrantes dos encontros virtuais.

 

O curso de formação para jornalistas e estudantes sobre como cobrir temas ligados às religiões de matriz africana ocorre nos dias 12 e 19 de outubro, dois sábados, das 9h às 13h. Organizado pelo Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) em parceria com a Alma Preta, o curso “Racismo Religioso na Mídia: formação para jornalistas e estudantes” é gratuito e as inscrições podem ser feitas aqui até o dia 8 de outubro. 

A formação tem como objetivos centrais apresentar os estereótipos negativos perpetuados pela imprensa acerca dos cultos afro-brasileiros e indicar caminhos de fontes, dados e ângulos de coberturas possíveis sobre o tema. A formação terá momentos de introdução básica sobre o tema, com a apresentação dos princípios das matrizes africanas e afro-brasileiras, e sinalização de locais e pessoas com quem o jornalista pode apurar dados acerca desse segmento social.  

Os encontros terão a participação de pessoas com experiência na área e reconhecimento na sociedade. Katiuscia Ribeiro, pesquisadora de filosofia africana, é uma das participantes do encontro. Outra é Lúcia Xavier, uma das fundadoras da organização de mulheres negras Criola, que abordará sobre as violências contra os terreiros e territórios de matriz africana e analisará as respostas dadas por organizações negras acerca da violência sofrida por esse segmento da sociedade. A formação ainda conta com a presença de Babá Adailton Moreira, Babalorixá do Terreiro Ilê Axé Omiojuarô, em Nova Iguaçu (RJ), e doutorando em bioética pela UFRJ. 

Durante o curso, o jornalista Pedro Borges, um dos fundadores da Alma Preta, apresentará caminhos de apuração para tratar os temas ligados às religiões de matriz africana, crimes de racismo religioso e os cuidados para a não reprodução de estereótipos. Os participantes receberão um certificado de formação ao final do encontro. 

Um dos desdobramentos do curso será a produção de um catálogo de fontes com especialistas e lideranças das religiões de matriz africana. O projeto será desenvolvido pela Alma Preta, com previsão de publicação ainda neste ano.

Organização do curso: 

Raça e Igualdade 

O Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) é uma organização não-governamental internacional que colabora com organizações parceiras e ativistas no Brasil e na América Latina para promover e proteger os direitos humanos de populações marginalizadas, seja por sua origem nacional ou étnica, orientação sexual, identidade de gênero ou pertencimento religioso. 

Desde 2021, Raça e Igualdade desenvolve um projeto de combate ao racismo religioso, focado na capacitação institucional de inúmeras lideranças religiosas de matriz africana no Brasil. O objetivo é, através do protagonismo desses ativistas, defender a plena e completa incorporação dos temas de racismo religioso nos organismos internacionais de defesa de direitos humanos, em coordenação com a promoção de políticas e mobilização comunitária em nível nacional. Além disso, temos em vistas, através da incidência nacional, capacitar nossos parceiros para que possam fomentar uma agenda de políticas públicas que garantam os direitos e as liberdades das religiões de matriz africana. 

Alma Preta 

Criada em 2015, a Alma Preta faz uma cobertura da realidade brasileira a partir do olhar de jornalistas negros e produz conteúdo em diferentes formatos sobre assuntos variados, como segurança, direitos humanos, cultura, comportamento e política. 

A diversidade é um pilar da comunicação da Alma Preta, que produz conteúdos nas plataformas de áudio e vídeo, com foco para diferentes redes sociais. A agência tem uma pluralidade de vozes negras, com pessoas de diferentes regiões do país e diversas orientações sexuais e de gênero. 

 

Datas: 

12 e 19 de outubro, dois sábados, das 9h às 13h.  

Local: 

Plataforma virtual de Zoom. 

Programação: 

12 de Outubro 

Abertura 

João Pedro Araújo – Oficial de Combate ao Racismo Religioso para Raça e Igualdade no Brasil. 

Rodnei Jericó da Silva – Diretor de Raça e Igualdade no Brasil 

Pedro Borges – Co-fundador da Alma Preta. 

Primeira parte 

Gustavo Mello, Babalorixá Ilê Axé Omi Ogun siwajú, localizado no Recôncavo Baiano. 

Baba Adailton Moreira, Babalorixá do Ilê Axé Omiojuaro, no Rio de Janeiro. 

Lúcia Xavier, Coordenadora Geral da ONG Criola 

Segunda parte 

Pedro Borges, jornalista da Alma Preta. 

Thiago Kairu, Baobá – fortificando raízes, abordará a coletânea “Onã: Caminhos para a Transformação” 

 

19 de Outubro 

Abertura 

Carlos Quesada – Diretor Executivo de Raça e Igualdade. 

 Primeira parte 

Katiuscia Ribeiro, filósofa e pesquisadora sobre filosofia africana, XXXXXXX 

Segunda parte 

Paolla Moura – Oficial de Comunicação de Raça e Igualdade.  

Marco Teobaldo – Coordenação de comunicação do Ilê Omolu Oxum e curador do Museu Memorial Iyá Davina. 

Élida Aquino – Coordenadora de Comunicação da ONG Criola. 

Terceira parte 

Daniele Magalhães – Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro e atualmente Coordenadora de Promoção da Equidade racial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (COOPERA).  

Quarta parte 

Pedro Borges, jornalista da Alma Preta. 

Visita da Relatora da ONU sobre Racismo ao Brasil: Racismo Sistêmico e a Violência contra Mulheres de Grupos Raciais e Étnicos são destaques de seu Relatório

Brasil, 23 de agosto de 2024 – “Racismo sistêmico demanda respostas sistêmicas”. Assim enfatizou Ashiwini K.P., Relatora Especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, durante a coletiva de imprensa com as conclusões preliminares sobre sua visita ao Brasil. Entre os dias 05 e 16 de agosto, a Relatora passou por Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro, onde se encontrou com autoridades do poder executivo federal e de governos estaduais, além de diversas organizações do movimento negro, indígena, quilombola e povos romani.

Em preparação à visita, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) junto ao Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), organizou uma capacitação virtual com entidades da sociedade civil para apoiá-las na preparação do documento com recomendações a serem entregues à Relatora. Além disso, a capacitação apresentou o escopo e objetivos da visita com o propósito de orientá-las no diálogo e nas ações de incidência perante este procedimento especial da ONU.

“A visita da Relatora sobre o racismo acontece em um momento importante para o país, afinal, estamos em mais um ano de eleições e de pleitear por políticas públicas interseccionais. Em nossa perspectiva, destacamos a importância de brindar as organizações brasileiras sobre a relação da ONU com o governo, pois a partir do relatório que será apresentado o Estado deve se comprometer a implementar reparações concernentes ao racismo”; destaca Rodnei Jericó da Silva, Diretor de Raça e Igualdade no Brasil.

Conclusões Preliminares: Destaques Importantes

Raça e Igualdade apresenta alguns pontos-chave das conclusões preliminares destacados pela Relatora sobre sua experiência no país, e que serão apresentados no relatório final ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho de 2025. Esse relatório será entregue ao governo brasileiro que, como país signatário da ONU, aceitou a visita oficial como uma forma de avaliação de suas políticas públicas.

Nesse sentido, Ashiwini K.P. ressaltou que identificou pontos positivos em algumas ações do governo, tais como o reconhecimento do racismo como fenômeno sistêmico; a criação do Ministério da Igualdade Racial, do Ministério dos Povos Indígenas, e da Secretaria dos Povos Romani, dentro do Ministério da Igualdade Racial; as propostas sólidas sobre políticas afirmativas; e a existência de uma unidade de saúde na Bahia para tratamento de anemia facilforme. No entanto, a Relatora enfatizou que o progresso no governo caminha a passos lentos, pois, ao reconhecer que o passado colonialista gera uma exclusão de grupos marcados pela violência estrutural, o Brasil deve adotar uma abordagem sistêmica para garantir uma justiça reparatória.

A ausência de dados desagregados foi uma questão apontada como urgente pela Relatora. Com destaque para a ausência de dados sobre os povos romani, pessoas LGBTI+, migrantes, refugiados e pessoas com deficiência, que enfrentam discriminações múltiplas. Aponta também sobre o crescimento de células neonazistas, especialmente em Santa Catarina, onde ela citou que há um apagamento de dados sobre este último tema. Dessa maneira, sublinhou que o Brasil deve garantir que as pesquisas e políticas públicas devem ser apoiadas e consultadas pelos grupos em situação de vulnerabilidade.

Assim, entre as suas propostas está o desenvolvimento de uma Instituição Nacional independente de Direitos Humanos em conformidade com os princípios referentes ao status das instituições nacionais de promoção e proteção dos direitos humanos (os Princípios de Paris), visando o monitoramento e a implementação de medidas antirracistas.

A  Relatora enfatizou que as comunidades indígenas e quilombolas estão à mercê de inúmeros retrocessos capitaneados pelo legislativo e pelo Congresso Nacional. Em suas críticas, ressaltou a morosidade estatal frente ao processo de demarcação territorial destas comunidades; a gravidade da tese do marco temporal; o racismo ambiental como um motor de exclusão e de vulnerabilização; e o descaso em relação à saúde destas populações frente o avanço do garimpo ilegal (agrotóxicos e doenças urbanas). Ainda, expressou sua preocupação com a violência sofrida pelos povos indígenas e quilombolas, destacando o recente caso Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e outros conflitos na Bahia. Assim, a Relatora exortou o governo a tomar uma postura urgente diante da intimidação com os povos indígenas e quilombolas, alertando a gravidade da consequente violência ambiental, e que devem ser tomadas ações mais contundentes, além de ressaltar o compromisso internacional do Brasil perante a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“É necessário um plano nacional coordenado para as questões indígenas e quilombolas, pois a proteção de suas terras é essencial para enfrentarmos a crise climática”, ressaltou Ashiwini K.P.

O entendimento do racismo religioso como uma prática persecutória e reprodutora de violência contra os praticantes de religiões de matriz africana foi um dos destaques de suas conclusões. Nesse sentido, a Relatora citou casos que lhes chegaram através da sociedade civil, como transportes privativos que se recusam a levar pessoas com suas vestimentas religiosas, a perda de guarda de filhos por mulheres de axé, aos ataques físicos organizados aos terreiros. Em seu entendimento, destacou que o Estado permite tais práticas misóginas e racistas e sugeriu que o governo crie um programa de proteção para tratar deste tema.

“Mesmo que haja o Disque 100, a falta de investimento do Estado manda uma mensagem de impunidade e de que o governo não irá tomar nenhuma medida sobre o racismo religioso”, avaliou.

Sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, a Relatora apresentou sua consternação diante da gravidade das ameaças e da brutalidade policial que estes grupos estão expostos. Mesmo reconhecendo a importância da criação do Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta, para elaborar propostas para a Política e o Plano Nacional de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, ela destacou a falta de recursos para direitos humanos e a efetividade dos que já existem. Desse modo, ela exortou o Brasil a implementar as ações sobre o tema feitas pela Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Mary Lawlor, após sua visita ao Brasil, em abril deste ano.

Frente à situação das mulheres negras e as interseccionalidades de gênero, como as mulheres LBT, foi destacado o precário acesso ao sistema de saúde e a violência obstétrica, a questão das trabalhadoras domésticas, a violência sexual e o feminicídio que vitimiza desproporcionalmente estas mulheres; com isso, ponderou a necessidade de uma orientação psicológica como política pública governamental. A Relatora demonstrou muita preocupação com os dados apresentados que comprovam que mulheres negras estão mais expostas ao feminicídio, destacando a violência que ocorre com mulheres negras lésbicas e transexuais. Ademais, a criminalização do aborto foi observada na sua avaliação, além das barreiras enfrentadas por mulheres que buscam até mesmo o aborto legal, em conformidade com o Código Penal. Nesse sentido, ela enfatizou a preocupação com a Proposta de Emenda Constitucional 1904/2024, que aumenta para até 20 anos de prisão as penas para as mulheres que realizarem aborto. Nesse ponto, foi destacada a importância do Governo implementar as recomendações do Comitê CEDAW, que avaliou o Brasil esse ano, para descriminalizar o aborto e garantir o acesso seguro para todas, respeitando os direitos e a autonomia corporal das mulheres. No que tange a economia do cuidado, observou também a exploração econômica sofrida pelas trabalhadoras domésticas.

Sobre a violência policial, a Relatora abordou que são especialmente mães afrodescendentes que perdem os seus filhos em razão da brutalidade policial, e que além de vítimas, estas também são criminalizadas.  Por isso, seu relatório terá um ponto importante em que se devem tomar medidas mais efetivas frente ao sistema carcerário e, mesmo reconhecendo que o uso de câmeras policiais seja um passo importante para uma política de segurança antirracista, sinalizou que há relatos de que essas câmeras não são utilizadas e que medidas de perfilamento racial estão sendo utilizadas pelo governo sem base científica. Desta forma, instou o governo a criar leis para o uso da inteligência artificial para que não seja utilizada de forma racista.

A Relatora também destacou a segregação espacial especialmente nos grandes centros, ocupadas majoritariamente por pessoas afrodescendentes, e que possuem acesso precários à infraestrutura. Ademais, evidenciou a falta de apoio às pessoas sem moradia.

O avanço da extrema direita e o crescimento de células neonazistas foi um dos pontos de extrema preocupação da Relatora, que salientou que há uma negação do estado de Santa Catarina sobre esses grupos e que devem ser implementadas políticas de cotas e ações afirmativas que empoderem a legislação local para combater o negacionismo. A partir desse viés, ressaltou também sua inquietação sobre a falta de esforços do legislativo brasileiro diante de projetos de lei que visam retroceder alguns dos direitos já conquistados.

Por fim, expressou preocupação com o crescimento da violência política de gênero e do discurso de ódio, e instou o governo a tomar passos cuidadosos nesta seara. Ressaltou que a baixa representatividades dos grupos em situação de vulnerabilidade em espaços de tomada de decisão é um reflexo do racismo sistêmico integeracional. Ademais, essa falta de representatividade também pode ser constatada dentro do judiciário.

Raça e Igualdade agradece o apoio e interesse de Ashiwini K.P., no comprometimento de sua relatoria para fomentar ações antirracistas e de justiça racial ao Estado brasileiro. Destacamos como um importante valor o reconhecimento do racismo religioso como prática racista e discriminatória perante a um mecanismo internacional de direitos humanos. Seguimos na luta pela defesa e garantia dos direitos humanos para o enfrentamento das desigualdades estruturadas pelo sistema racista. É urgente que o Estado brasileiro se comprometa com as demandas da sua população por justiça e equidade. Um governo cuja proposta é “União e Reconstrução” deve ter a reparação histórica como prioridade.

Sendo assim, compartilhamos algumas das recomendações entregues à Relatora sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata pelas organizações brasileiras:

  • Aprimoramento de políticas públicas de acesso à assistência jurídica e serviços de apoio as vítimas de violência doméstica e familiar, a partir do levantamento dos casos registrados nos últimos anos, com o objetivo de amparar e proteger as mulheres vítimas de violência e racismo (em especial o racismo religioso), entre outras ações a serem indicadas, a partir da colaboração de grupos feministas, lideranças religiosas, gestores públicos e especialistas no tema.
  • Exigir a implementação da Política Nacional de Saúde para a População LGBTI+ por meio da criação de equipamentos de saúde especializados para atender às demandas de alta complexidade demandas de alta complexidade na saúde das mulheres lésbicas;
  • Recomendar ao Estado brasileiro que resolva efetivamente todas as barreiras à justiça enfrentadas pelas vítimas de crimes racistas, acelerando os processos judiciais, revisando os padrões de provas para fortalecer a responsabilização por atos discriminatórios e monitorar as disparidades raciais no acesso à justiça, especialmente para mulheres afrodescendentes e pessoas LGBTI+.
  • Pleitear que o Estado brasileiro busque implementar devidamente medidas de reparação para as vítimas e familiares afetados pela violência do Estado, o que deve incluir suporte psicológico, assistência médica e compensação financeira, além outras que forem necessárias na análise do caso em concreto.
  • Assegurar que o Estado brasileiro também cumpra as recomendações elaboradas pelos Comitês CERD e CEDAW, órgãos de tratados que recentemente revisaram o país, e pontuaram preocupações semelhantes.
  • Recomendar a participação política dos povos indígenas e das comunidades quilombolas no desenvolvimento de políticas públicas que afetam seus territórios e nas políticas de defesa ambiental. Outrossim, instar o Estado brasileiro pela garantia da demarcação e titulação das terras quilombolas e indígenas, além de rechaçar a tese do Marco Temporal.

Conheça os temas prioritários da Relatora da ONU sobre Racismo, Ashiwini K.P., em sua visita ao Brasil

Brasil, 07 de agosto de 2024 – Entre os dias 5 e 16 de agosto, a Relatora Especial da ONU sobre formas contemporâneas de Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, Sra. Ashiwini K.P., realiza uma visita oficial ao Brasil. Em sua agenda, estão previstas reuniões fechadas com autoridades do poder executivo federal e de governos estaduais. Ademais, a Relatora se reunirá com a sociedade civil em diversas regiões do país, que contemplam as cidades de Brasília, Salvador, São Luís, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro.

O objetivo destes encontros é, através de uma escuta atenta sobre as problemáticas raciais, captar informações e recomendações concretas para subsidiar o relatório público que será emitido pela Relatora com o resumo de sua visita, e apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho de 2025.

Salientamos que esta visita acontece em um momento oportuno, tendo em vista as crescentes ocorrências e denúncias de violações de direitos humanos no país, sobretudo em face das populações mais vulnerabilizadas, nas quais o espectro racial e discriminatório lhes vitimizam e revitimizam na ausência de seus direitos básicos.

Raça e Igualdade destaca os temas propostos pela sociedade civil que contemplam a agenda da Relatora: (i) Racismo e Gênero; (ii) Racismo e população LGBTQIA+; (iii) Acesso à justiça e privação de liberdade; (iv) Racismo e comunidades romanis; (v) Racismo ambiental e comunidades tradicionais; (vi) Racismo e população negra; (vii) Racismo, justiça e política de drogas; (viii) Racismo e comunidades quilombolas; (ix) Racismo e Povos Indígenas; (x) Racismo religioso; (xi) Memória.

Os temas acima propostos possuem interface direta com o racismo, e os dados de instituições públicas brasileiras, como o IBGE e IPEA, confirmam este diagnóstico. Ressaltamos que os dados produzidos por organizações da sociedade civil, também trazem à luz as múltiplas discriminações que reproduzem a violência do racismo nas populações de terreiro e LGBTI+. Portanto, o racismo em face das religiões de matriz africana é um tema que consideramos relevante a ser considerado em seu relatório sobre o país.

Além disso, ressaltamos a pertinência da inclusão dos povos quilombolas e indígenas, haja visto que a atenção sobre a questão territorial destas comunidades se faz urgente, pois o debate sobre o marco temporal e a não titulação de terras quilombolas por todo o território nacional, vem ocasionando um número crescente de mortes por interesses do agronegócio.

Desta forma, Raça e Igualdade tem por perspectiva de que a visita de Ashiwini K.P.,  reverbere em uma postura proativa e reparatória do Estado brasileiro em lidar e pensar em formas mais efetivas de combate ao racismo em suas diversas vertentes.

Assembleia Geral da OEA: Raça e Igualdade Dialoga com a Sociedade Civil e Especialistas sobre Discriminação Racial, Violência de Gênero e Segurança Hemisférica nas Américas

Washington D.C., 14 de junho de 2024 – Em vistas da 54ª sessão da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos humanos na região com a realização de três eventos paralelos. O primeiro evento, o Fórum Interamericano contra a Discriminação, que faz parte do calendário institucional desde 2005, reunirá lideranças de diferentes países para um diálogo sobre reparação e as principais demandas da população afrodescendente, indígena e LGBTI+. O segundo evento abordará a crise dos direitos humanos na Nicarágua e o apoio financeiro internacional; e o terceiro evento, coordenado pelo Consórcio Latino-Americano de Direitos Humanos, reunirá atores-chave de diferentes países para discutir os direitos humanos como pilar da segurança hemisférica nas Américas. 

A Assembleia Geral da OEA será realizada de 26 a 28 de junho na Conmebol, localizada na cidade de Assunção, no Paraguai, sob o lema “Integração e Segurança para o Desenvolvimento Sustentável da Região”. Para Raça e Igualdade, a Assembleia Geral da OEA é um espaço de amplo diálogo e intercâmbio de boas práticas da sociedade civil da região, assim como uma oportunidade para fortalecer suas demandas por meio da escuta das delegações formadas pelos Estados-Membros e seu Secretariado. Dessa forma, os eventos paralelos alcançam o propósito de uma efetiva incidência política perante esse mecanismo internacional de direitos humanos. 

 

Fórum Interamericano contra a Discriminação

Este ano, o Fórum Interamericano contra a Discriminação será realizado na terça-feira, 25 de junho, e será composto por quatro painéis com os seguintes temas: “O papel dos sistemas de proteção dos direitos humanos na reparação de diferentes grupos discriminados na região”; “Experiências de reparação na região e sua abrangência em relação a grupos racializados, móveis ou em deslocamento, minorias sexuais, religiosas, linguísticas, políticas, entre outros”; “Reparação no contexto de gênero”; e, por fim, o painel “A população étnica e a 54ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral da OEA”.

O painel de abertura do Fórum contará com a participação de Gloria De Mees, Relatora da OEA sobre os Direitos dos Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial. Nos painéis seguintes, lideranças da região participarão do debate com informações sobre seus contextos e suas lutas por reparação, restituição e garantias de não repetição. Além disso, no contexto da reparação de gênero, várias ativistas apresentarão e discutirão as implicações da recomendação geral do Mecanismo de Acompanhamento da Convenção de Belém do Pará (MESECVI) sobre as mulheres afrodescendentes.

No âmbito do Fórum anual, também será discutido o fortalecimento da Coalizão Afrodescendente das Américas e da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (CIRDI).

Para participar, inscreva-se aqui: https://tinyurl.com/2fx7uc29 

 

O apoio internacional à Nicarágua e a crise democrática e dos direitos humanos

Na tarde da terça-feira, 25 de junho, o Raça e Igualdade reunirá especialistas da OEA, do meio acadêmico e da sociedade civil para discutir a responsabilidade das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) em relação aos crimes contra a humanidade e às violações de direitos humanos na Nicarágua. Da mesma forma, será analisada a relevância estratégica dessas instituições no uso da diligência prévia em direitos humanos para lidar com os impactos negativos de seus projetos de desenvolvimento.

Em um regime historicamente marcado por violações sistemáticas de direitos humanos, a continuidade do apoio financeiro internacional traz à tona diversas questões para a sociedade civil. De 2018 até hoje, o regime autoritário de Daniel Ortega, Rosario Murillo e seus seguidores realizaram ataques generalizados e sistemáticos contra a população civil nicaraguense na oposição por razões políticas. Desde 2021, a crise democrática e de direitos humanos se agravou significativamente. Em 9 de fevereiro de 2023, 222 pessoas foram libertadas da prisão, depois banidas para os Estados Unidos e arbitrariamente destituídas de seus direitos de nacionalidade e cidadania. Entre os grupos mais vulneráveis estão defensores de direitos humanos, jornalistas, líderes religiosos, mulheres, povos indígenas e afrodescendentes e pessoas LGBTI+.

No entanto, as abundantes evidências da crise democrática e de direitos humanos na Nicarágua não foram suficientes para que as Instituições Financeiras Internacionais decidissem mudar sua estratégia em relação ao país, fortalecer sua diligência prévia em direitos humanos ou suspender e/ou cancelar a execução de seus projetos no país. Em fevereiro de 2024, o Grupo Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, o Grupo Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Centro-Americano de Integração Econômica apoiaram 97 projetos em implementação na Nicarágua, com a aprovação de US$ 5.082,43 milhões, de acordo com informações disponíveis em seus sites. Destes, 57 projetos foram aprovados, num total de US$ 2.784,43 milhões, após o início da crise, em 2018.

Para participar, inscreva-se aqui: https://tinyurl.com/57r4b22m 

 

Direitos Humanos como Pilar da Segurança Hemisférica nas Américas

O Consórcio Latino-Americano de Direitos Humanos – formado por Raça e Igualdade, Freedom House e Fundação Pan-Americana para o Desenvolvimento (PADF) – realizará o evento “Direitos Humanos como Pilar da Segurança Hemisférica nas Américas” na quarta-feira, 26 de junho. Este evento visa visibilizar as violações dos direitos humanos em Cuba, Nicarágua, El Salvador e Venezuela, como a força motriz por trás do debate sobre segurança na região. Nesses países com contextos inseguros e repressivos, desigualdades em termos de liberdade e segurança são geradas com efeito diferenciado sobre os grupos mais vulneráveis, como afrodescendentes, mulheres, crianças, população LGBTI+ e pessoas privadas de liberdade por razões políticas.

Assim, novas preocupações e desafios, incluindo a situação política, social, econômica, ambiental e de direitos humanos dos Estados Membros da OEA, levaram essa organização a redefinir seu entendimento de segurança hemisférica. Assim, em 28 de outubro de 2003, os Estados das Américas promulgaram a “Declaração sobre Segurança nas Américas”, propondo um novo conceito de segurança multidimensional que reconhece que o objetivo da segurança hemisférica é a “proteção dos seres humanos”.

Em seu comunicado, a OEA considerou que “a democracia representativa é condição indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento dos Estados do Hemisfério” e que é “responsabilidade dos fóruns especializados da OEA, bem como dos fóruns interamericanos e internacionais, desenvolver mecanismos de cooperação para enfrentar essas novas ameaças com base nos instrumentos aplicáveis”.

Nesse contexto, o Relator Especial da CIDH para a Liberdade de Expressão, Pedro Vaca; a vice-diretora do Programa América Latina e Caribe da Freedom House, Alejandra Argueta; o advogado da organização Cubalex, Alain Espinoza; da organização Cubalex; a profissional jurídica da Unidade de Defesa Legal da Nicarágua, Arlette Serrano; o jornalista venezuelano do Voces de la Memoria, Víctor Navarro; e o cofundador da associação Tracoda (Transparência, Controladoria Social, Dados Abertos) de El Salvador, Luis Villatoro, discutirão estratégias para fortalecer a segurança e a proteção da população e dos defensores de direitos humanos, entre os desafios atuais enfrentados por regimes autoritários nas Américas.

Para participar, inscreva-se aqui: https://tinyurl.com/537cdu3w 

 

Saiba mais sobre eventos

Fórum Interamericano contra a Discriminação

Data e hora: Terça-feira, 25 de junho, das 9h às 12h30 (Assunção e Washington D.C.) / das 10h às 13h30 (horário de Brasília)

Localização: Hotel Dazzler, Avenida Aviadores del Chaco

Transmissão ao vivo via Zoom e Facebook Live @RaceandEquality

Inscrições: https://tinyurl.com/2fx7uc29 

Tradução simultânea em espanhol, português e inglês.

 

O Apoio internacional à Nicarágua e a crise democrática e dos direitos humanos

 

Data e hora: terça-feira, 25 de junho, das 17h às 19h30 (Assunção e Washington D.C.) / das 18h às 20h30 (horário de Brasília)

Localização: Hotel Dazzler, Avenida Aviadores del Chaco

Transmissão ao vivo via Zoom e Facebook Live @RaceandEquality

Das Inscrições: https://tinyurl.com/57r4b22m 

Tradução simultânea em espanhol, português e inglês.

 

Direitos Humanos como Pilar da Segurança Hemisférica nas Américas

Data e hora: Quarta-feira, 26 de junho, das 17h às 19h30 (Assunção e Washington D.C.) / das 18h às 20h30 (horário de Brasília)

Localização: Hotel Esplendor, Avenida Aviadores del Chaco

Transmissão ao vivo via Zoom e Facebook Live @RaceandEquality

Das Inscrições: https://tinyurl.com/537cdu3w

Tradução simultânea em espanhol, português e inglês.

No Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, fazemos um apelo urgente para combater a discriminação e o racismo religioso nas Américas

Washington D.C, 21 de março de 2024.– Ao comemorar neste 21 de março o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) apela urgentemente aos Estados para que adotem medidas para combater as crescentes manifestações de discriminação e racismo religioso nas Américas, que afetam significativamente grupos populacionais racializados, como afrodescendentes e indígenas.

Na América Latina e no Caribe, esses grupos enfrentam desafios persistentes para expressar suas tradições sagradas, ancestrais e culturais sem enfrentar restrições, estigma, repúdio ou violência.  Essas práticas incluem a perseguição de seus membros, bem como a violência contra locais de culto e símbolos religiosos associados a essas tradições. A discriminação religiosa e o racismo também podem se manifestar por meio de estereótipos e preconceitos que difamam as crenças e práticas dessas pessoas, perpetuando sua exclusão e marginalização.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) afirma que, no caso da população afrodescendente, sua identidade cultural implica a preservação dos saberes ancestrais e a conservação de seu legado histórico, de modo que tradições e crenças como as religiões Lumbalú, Candomblé, Abakuá, Umbanda, Hoodoo, entre outras, que têm suas raízes na África, fazem parte do patrimônio imaterial da diáspora africana e fazem parte do processo social de resistência desenvolvido por pessoas escravizadas nas Américas.

No caso dos povos indígenas, em termos do direito à liberdade de religião e crença, as Nações Unidas faz uma referência a um espectro mais diverso e complexo de culturas e crenças, uma vez que, de acordo com o direito à autodeterminação, os povos indígenas são livres para definir e determinar sua própria identidade espiritual, aponta para o relatório “Povos indígenas e o direito à liberdade de religião ou crença”, apresentado em outubro de 2022 pelo então relator especial sobre liberdade de religião ou crença, Ahmed Shaheed.

“Muitos conceituam a espiritualidade como um ‘modo de vida’: a conformação das emoções, hábitos, práticas ou virtudes distintas, a formação de diferentes crenças e maneiras de pensar e um modo particular de viver juntos e se comunicar. Portanto, a espiritualidade está relacionada ao transcendente e é intrínseca às experiências e práticas cotidianas dos povos indígenas. Além de sua singularidade, a espiritualidade e a cultura indígenas são muitas vezes baseadas na comunidade, identidade e relações com terras tradicionais”, detalha o relatório.

Um problema crescente com raízes na discriminação racial

O fato de grupos de populações afrodescendentes e indígenas serem os mais afetados pela discriminação e pelo racismo religioso, isso está intrinsecamente relacionado à discriminação racial e ao racismo sistêmico que persiste nas Américas.

No recente webinar “O Legado das Práticas Religiosas Africanas e os Preconceitos e Preconceitos Sociais que Enfrentam”, organizado pela Secretaria de Acesso a Direitos e Equidade da Organização dos Estados Americanos (OEA) no âmbito da VII Semana dos Afrodescendentes nas Américas, representantes da sociedade civil associaram a rejeição,  perseguição e até criminalização dessas práticas a processos históricos carregados de ignorância, estigmatização e preconceito por não serem consideradas “civilizadas”.

A CIDH relata repetidas denúncias de perseguição e ataques contra a vida e a integridade de líderes e praticantes de religiões de matriz africana em diferentes estados da região, bem como denúncias de destruição de templos e espaços sagrados de comunidades afrodescendentes. No Brasil, a Raça e Igualdade tem conhecimento de casos de intolerância religiosa contra religiões de matriz africana que desencadearam conflitos jurídicos, com o preocupante resultado de que fiéis perderam a guarda de seus filhos.

Na Bahia, a Secretaria de Estado de Promoção da Igualdade Racial registrou 19 casos de racismo religioso entre janeiro e 21 de julho de 2021, que representou 65% do total de casos registrados em 2020.Tags. Da mesma forma, no Rio de Janeiro, a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) recebeu denúncias de 19 casos contra religiões de matriz africana, incluindo dois envolvendo crianças, até o mês de maio do mesmo ano.

Por outro lado, no México, um relatório da organização Christian Solidarity Worldwide (CSW) revela que as  mulheres indígenas no país sofrem mais discriminação religiosa do que seus parentes homens. As mulheres que se recusam a aderir à fé católica romana majoritária enfrentam assédio e exclusão do sistema de justiça, programas e serviços de benefícios do governo e cuidados de saúde pré-natais.

O relatório observa que, embora a Constituição mexicana garanta a liberdade de religião ou crença e outros direitos humanos a todos os seus cidadãos, na prática, as violações são comuns em certas regiões: em particular, para as comunidades indígenas regidas pela Lei de Usos e Costumes.

Estândares Internacionais no Quadro do Direito Internacional

No Sistema Interamericano, o direito à liberdade de religião e crença está consagrado na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Artigo III) e na Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 12). Considerando que, ao nível do Sistema Universal dos Direitos do Homem, este está estipulado no artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 18º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, tendo sido aprofundado na Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Conviccções, em 1981.

Um dos instrumentos interamericanos mais notáveis sobre o tema é a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (CIRDI), que afirma que os Estados devem prevenir, proibir e punir qualquer restrição ou limitação ao uso da língua, tradições, costumes e cultura das pessoas em atividades públicas ou privadas.

O “Estudo sobre Liberdade de Religião e Crença. Normas Interamericanas”, da CIDH, revela um amplo arcabouço para a proteção desse direito, onde também destaca instrumentos e jurisprudência aplicáveis aos povos indígenas e afrodescendentes. Também aponta a vulnerabilidade de alguns grupos, como pessoas LGBTI, crianças e adolescentes, defensores de direitos humanos e pessoas privadas de liberdade, e, portanto, fornece um conjunto adicional de aspectos do direito à liberdade de religião e crença em relação a eles.

Um apelo à ação

Raça e Igualdade integrou a luta contra a discriminação religiosa e o racismo em suas linhas de trabalho. Desde 2021, no Brasil, desenvolvemos um projeto que visa promover a tolerância religiosa e a redução da violência e da discriminação contra praticantes de religiões afrodescendentes, por meio do fortalecimento de organizações afro-brasileiras para que possam documentar casos de violência com base em crenças religiosas, prepará-los para litígios internacionais estratégicos e fomentar uma cultura de respeito à liberdade religiosa,  além de qualificar entidades para que possam prestar apoio jurídico às vítimas deste flagelo. Enquanto isso, em Cuba, apoiamos a elaboração do relatório “Obstáculos enfrentados por líderes e membros de religiões afro-cubanas em Cuba”.

Com base nos princípios dos direitos humanos, e levando em conta que a discriminação e o racismo religioso são um problema crescente na região, Raça e Igualdade convoca os Estados das Américas a adotarem medidas para enfrentá-lo e contê-lo, um dos mais vitais dos quais é a ratificação e implementação da Convenção Interamericana contra o Racismo, Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. Em termos de monitoramento, é importante ter estatísticas e informações qualitativas sobre práticas religiosas e culturais de afrodescendentes e indígenas, respectivamente. Da mesma forma, que sejam promovidas informações desprovidas de preconceito e estigma em torno dessas práticas e, claro, que qualquer ação que as atrapalhe e implique em violações de direitos humanos, sejam penalizadas.

Operação Verão x Operação Escudo: Raça e Igualdade condena a letalidade da Segurança Pública de São Paulo

Brasil, 21 de fevereiro de 2024 – Seguindo a mesma lógica violenta de 2023, a política de segurança pública aplicada pelo Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e pelo seu Secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite; celebra seu êxito com um fatídico número de mortes. A Operação Verão realizada na Baixada Santista alcançou 28 mortes em 16 dias, ou seja, com 23 dias a menos que Operação Escudo, ocorrida na mesma época no ano passado. O expressivo número de mortes atingido em menos dias de operação, demonstra a alta letalidade sem qualquer fundamento mais objetivo e dentro da legalidade. Ressaltamos também, que a impunidade diante dos fatos ocorridos em 2023 revela a falta de transparência nas investigações e na descredibilidade do sistema de justiça.

O Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) rechaça a estratégia de implementação de uma política de terror e de morte que ignora quaisquer direitos de vida e dignidade humana. Desse modo, condenamos a ação de forças policiais que consideram viável responder com requintes de vingança a morte de um policial na região. Com o mesmo argumento, a atual Operação Verão, foi estabelecida em sua terceira fase, após a morte do policial Samuel Wesley da Costa, no dia 02 de fevereiro, em Santos.

Mesmo diante das denúncias da população de desrespeito às leis, da invisibilidade dos moradores da região perante os agentes de segurança pública e da vitimização de inocentes, a Polícia Militar e seus superiores justificam a Operação Verão como “um esquema especial diante dos munícipes e turistas”. No entanto, Policiais Militares que atuam nas comunidades seguem aplicando execuções extrajudiciais e não fazem uso de câmeras nos seus uniformes. Segundo relatos do Ouvidor da Polícia de São Paulo, esta operação está sendo considerada uma das mais letais da história.

Em dezembro de 2023, o Brasil recebeu a visita do Mecanismo de Especialistas Independentes para Promoção da Justiça e Igualdade Racial na Aplicação da Lei (EMLER), das Nações Unidas, que se pronunciou sobre as chacinas ocorridas no Rio de Janeiro e São Paulo, alertando sobre as execuções extrajudiciais que têm como atravessamento o “racismo perverso e presente”, que evidencia as desigualdades na aplicação da lei. Segundo o Mecanismo, “a impunidade é generalizada no sistema penal e as pessoas têm medo de retaliação”.

Deste modo, em mais um ano, seguimos urgindo aos sistemas internacionais de proteção de direitos humanos que intervenham perante as ações da polícia de São Paulo que com sua política de morte, fere o devido processo legal, o direito de defesa e nega a vida sem qualquer critério objetivo, executando pessoas sob um suposto argumento de legalidade das ações letais e que de forma inequívoca resultam em violações de direitos humanos. Prestamos nossa solidariedade às famílias da região da Baixada Santista e seguimos pleiteando por estratégias de vida e de proteção do povo brasileiro, pois sabemos que o perfilamento racial e a questão territorial têm grande influência no perfil das vítimas. Assim, recomendamos ao Estado brasileiro:

  • Estabeleça a obrigatoriedade do uso de câmeras nos uniformes policiais em qualquer operação deflagrada por agentes da força de segurança pública.
  • Investigação e responsabilização de Governadores e Secretários envolvidos em execuções extrajudiciais em seus mandatos, além dos agentes de segurança envolvidos em ambas as operações.
  • A aplicação da Convenção Interamericana contra o Racismo e Formas Correlatas de Intolerância (CIRDI) que como um instrumento de pacto jurídico internacional prevê ações efetivas antidiscriminatórias com força de lei;

 

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