A Escalada da Violência Policial em São Paulo: e agora, quem protege os cidadãos?
Brasil, 05 de dezembro de 2024 – O Brasil segue a passos largos na contramão do desrespeito aos direitos humanos, sobretudo quando observamos o racismo estrutural e sistêmico, fruto de políticas contínuas que evidenciam violações e o menosprezo à vida de pessoas negras. A violência como política de segurança pública revela-se, principalmente, perante os moradores nas periferias dos grandes centros urbanos e, somente em 2024, os números das práticas abusivas de violência policial seguem subindo exponencialmente. Diante deste cenário, o Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), urge pela ação objetiva e direta do Estado brasileiro diante da gestão da segurança pública de São Paulo. É preciso uma política de segurança pública que garanta direitos aos cidadãos e em casos de violação por parte de agentes públicos, seja capaz de responsabilizar as autoridades, pelos atos da corporação militar.
O Estado de São Paulo, segundo dados do Ministério Público Estadual, teve um aumento de 46% nas mortes cometidas por policiais. Somente de janeiro a novembro de 2024, houve 673 mortes pelas mãos da polícia paulista, com média de duas vítimas letais por dia. [1]
Os últimos acontecimentos demonstram um descontrole e ausência de gestão da política de segurança pública no Estado de São Paulo. Diversos casos foram testemunhados por cidadãos e, até mesmo, através das câmeras corporais dos policiais que evidenciam a violência exacerbada, mesmo quando o suspeito está dominado. As ações brutais da PM vão desde tiros na cabeça, execuções pelas costas com 11 tiros, execução a queima roupa, morte de criança em suposto tiroteio, agressões físicas diversas, uma pessoa abordada por 13 policiais, e um policial atirando o corpo de uma vítima de cima de uma ponte na zona sul de São Paulo, entre outros. Estes casos nos levam a seguinte questão: há algum tipo de controle efetivo da polícia militar ou esta polícia tem salvo conduto do governo do Estado para praticar violações?
Ademais, ressaltamos que a criação de uma Ouvidoria Paralela pelo Secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite é mais uma indicação de que as forças policiais do Estado de São Paulo continuarão sua escalada de violência e de impunidade, tendo em vista que já existe uma Ouvidoria da Polícia Civil, que vem diuturnamente denunciando a política de Segurança Pública do Estado de São Paulo. A criação de uma ouvidoria paralela, sem qualquer autonomia, reforça, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB – SP), mais um passo no enfraquecimento dos mecanismos de controle e transparência da atividade policial no estado.
“É evidente que a política de segurança pública no Estado de São Paulo segue um caminho contrário dos diversos relatórios das Nações Unidas que indicam que há necessidade da aplicação de procedimentos de monitoramento, de uma corregedoria que seja efetiva e não corporativista, permitindo que os processos de apuração sejam céleres, imparciais e transparentes, e que a política de segurança pública possa restabelecer alguma credibilidade, assim como no governo do Estado de São Paulo”, aponta Rodnei Jericó, Diretor de Raça e Igualdade no Brasil.
Após sua visita ao Brasil, em agosto de 2024, a Relatora Especial da ONU sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, Ashiwini K.P., publicou um relatório sobre a questão racial no país ressaltando a gravidade e complexidade da violência das forças de segurança pública. O documento insta o Estado a tomar medidas mais efetivas frente ao sistema carcerário e, mesmo reconhecendo que o uso de câmeras policiais seja um passo importante para uma política de segurança antirracista, sinalizou que há relatos de que essas câmeras não são utilizadas e que medidas de perfilamento racial estão sendo utilizadas pelo governo sem base científica. Ademais, a Relatora apontou que são especialmente mães afrodescendentes que perdem os seus filhos em razão da brutalidade policial, e que além de vítimas, estas também são criminalizadas.
Em outubro de 2024, o Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes para o Avanço da Igualdade e Justiça Racial na Aplicação da Lei – EMLER publicou relatório destacando o racismo sistêmico enraizado na polícia e no sistema de justiça criminal, onde o preconceito racial, o perfilamento racial e os estereótipos raciais influenciam a ação e a inação do Estado. O uso excessivo da força de segurança pública que leva a milhares de mortes todos os anos e o encarceramento excessivo, que afetam desproporcionalmente as pessoas negras, são uma consequência do racismo sistêmico que, combinado com as atuais políticas de “guerra ao crime”, resulta em um processo de limpeza social que serve para exterminar setores da sociedade considerados indesejáveis, perigosos e criminosos. Esta é uma questão sistêmica generalizada que exige uma resposta sistêmica e abrangente.
Entre as diversas recomendações emitidas pelo EMLER, é importante evidenciar na luta contra a violência policial com perfilamento racial os seguintes pontos:
- Estabelecer por lei um órgão de controle civil nacional da força policial.
- Estabelecer o uso obrigatório nacional de câmeras corporais por policiais.
- Adotar uma abordagem baseada em direitos humanos para o policiamento.
- Acabar com as atuais políticas de “guerra às drogas” e “guerra ao crime” e adotar uma abordagem baseada nos direitos humanos para essas questões.
- Adotar uma legislação nacional sobre o uso da força que esteja em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos – particularmente com os princípios de legalidade, precaução, necessidade, proporcionalidade, responsabilidade e não-discriminação, e a obrigação de proteger e respeitar o direito à vida.
- Garantir que o perfilamento racial seja claramente definido e proibido por lei, e investigar todas as alegações de perfilamento racial e processar os casos em conformidade.
- Garantir a adequada responsabilização em todos os casos de uso excessivo da força e outras violações dos direitos humanos por agentes da lei, inclusive responsabilizando superiores e comandantes de operações, também responsabilizar as agências policiais enquanto instituições, e não apenas as e os oficiais diretamente envolvidos.
- Garantir o direito das vítimas a reparações, notadamente através do estabelecimento por lei de um mecanismo independente especializado centrado nas vítimas com suficiente orçamento, especificamente concebido para apoiar indivíduos e comunidades afetadas.